Ser Feliz
Ser feliz é ter futuro e é dar futuro. Todos pensamos ser felizes e acordamos todos os dias com esse desejo. Mas ser feliz não é uma sorte, nem é ausência de problemas. É viver com sentido, com coragem, construindo o futuro e dando futuro. Isso depende de mim.
Era uma vez um homem que corria e corria pela vida… A vida era curta e necessitava de correr muito para gozar muito e ser feliz. E quanto mais corria, mais necessitava de correr! Descobria sempre mais lugares para visitar! Necessitava encontrar tudo e gozar de tudo. Até que um dia, cansado de tanto correr, parou. Então, a felicidade pôde alcançá-lo.
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Textos Exclamativos
447 resultadosVencer o Medo
Parecemos estar hoje animados quase exclusivamente pelo medo. Receamos até aquilo que é bom, aquilo que é saudável, aquilo que é alegre. E o que é o herói? Antes de mais, alguém que venceu os seus medos. É possível ser-se herói em qualquer campo; nunca deixamos de reconhecer um herói quando este aparece. A sua virtude singular é o facto de ele ser um só com a vida, um só consigo próprio. Tendo deixado de duvidar e de interrogar, acelera o curso e o ritmo da vida. O cobarde, par contre, procura deter o fluxo da vida. E claro que não detém nada, a menos que se detenha a si próprio. A vida continua sempre a avançar, quer nos portemos como cobardes, quer nos portemos como heróis. A vida não impõe outra disciplina – se ao menos o soubéssemos compreender! – para além de a aceitarmos tal como é. Tudo aquilo a que fechamos os olhos, tudo aquilo de que fugimos, tudo aquilo que negamos, denegrimos ou desprezamos, acaba por contribuir para nos derrotar. O que nos parece sórdido, doloroso, mau, poderá tornar-se numa fonte de beleza, alegria e força, se o enfrentarmos com largueza de espírito. Todos os momentos são momentos de ouro para os que têm a capacidade de os ver como tais.
Quantos São os que Sabem Ser Donos de Si Próprios?
Apenas julgamos comprar aquilo que nos custa dinheiro, enquanto consideramos gratuito o que pagamos com a nossa própria pessoa. Coisas que não quereríamos comprar se em troca devêssemos dar a nossa casa, ou uma quinta de recreio, ou de rendimento, estamos inteiramente dispostos a obtê-las a troco de ansiedades e de perigos, para tal sacrificando a honra, a liberdade, o tempo. A tal ponto é verdade que a nada damos menos valor do que a nós próprios! Façamos, portanto, em todas as nossas decisões e actos, o mesmo que fazemos ao abordar qualquer vendedor: perguntemos o preço da mercadoria que desejamos.
Frequentemente pagamos ao mais alto preço algo por que nada deveríamos dar. Posso indicar-te muitos bens cuja aquisição, mesmo por oferta, nos custa a liberdade: seríamos donos de nós próprios se não fôssemos possuidores de tais bens.
Deves meditar no que te digo, quer se trate de lucros quer de despesas. «Este objecto vai estragar-se». Ora, é uma coisa exterior; tão facilmente passarás sem ela como passaste antes de a ter. Se tiveste esse objecto bastante tempo, perde-lo depois de saciado; se pouco tempo, perde-lo antes de te habituares a ele. «Ganharás menos dinheiro». E menos preocupações,
Basta umas Palavrinhas
Sentir-se amada, incluída, admirada, reconhecida, lembrada, toca as raízes da emoção tanto de uma intelectual como de um iletrado, tanto de uma rainha como de um súbdito. Nem mesmo um psiquiatra ou um paciente mutilado por uma psicose e controlado por pensamentos perturbadores escapa a essas necessidades vitais.
Basta umas palavrinhas para nos emocionarmos ou nos magoarmos. Um simples olhar é o suficiente para ficarmos encantados ou dececionados. Um beijo pode ter mais impacto do que um grande prémio. Um abraço pode ser mais lembrado do que um aumento de ordenado. «Eu aposto em ti! Não desistas, conta comigo!», «Podes superar-te!», pequenas frases como estas ditas em tempos difíceis tornam-se inesquecíveis, mudam rotas, renovam ânimos. As nossas reações podem ser mais penetrantes do que um projétil.
Somos Todos Casos Excepcionais
Somos todos casos excepcionais. Todos queremos apelar de qualquer coisa! Cada qual exige ser inocente, a todo o custo, mesmo que para isso seja preciso inculpar o género humano e o céu. Contentaremos mediocremente um homem, se lhe dermos parabéns pelos esforços graças aos quais se tornou inteligente ou generoso. Pelo contrário, ele rejubilará, se se admirar a sua generosidade natural. Inversamente, se disssermos a um criminoso que o seu crime nada tem com a sua natureza, nem com o seu carácter, mas com infelizes circunstâncias, ele ficar-nos-á violentamente reconhecido. Durante a defesa, escolherá mesmo este momento para chorar. No entanto, não há mérito nenhum em ser-se honesto, nem inteligente, de nascença! Como se não é certamente mais responsável em ser-se criminoso por natureza que em sê-lo devido às circunstâncias. Mas estes patifes querem a absolvição, isto é, a irresponsabilidade, e tiram, sem vergonha, justificações da natureza ou desculpas das circunstâncias, mesmo que sejam contraditórias. O essencial é que sejam inocentes, que as suas virtudes, pela graça do nascimento, não possam ser postas em dúvida, e que os seus crimes, nascidos de uma infelicidade passageria, nunca sejam senão provisórios. Já lhe disse, trata-se de escapar ao julgamento. Como é difícil escapar e melindroso fazer,
Cultivar a Felicidade
Desde os primórdios da humanidade, que o ser humano procura a felicidade como a terra seca clama pela água. É fácil conquistá-la? Nem sempre! Os poetas homenagearam-na, os romancistas descreveram-na, os filósofos contemplaram-na, mas grande parte deles saudaram-na apenas de longe.
Os reis tentaram dominá-la, mas ela não se submeteu ao poder deles. Os ricos tentaram comprá-la, mas ela não se deixou vender. Os intelectuais tentaram compreendê-la, mas ela confundiu-os. Os famosos tentaram fasciná-la, mas ela contou-lhes que preferia o anonimato. Os jovens disseram que ela lhes pertencia, mas ela disse-lhes que não se encontrava no prazer imediato, nem se deixava encontrar pelos que não pensavam nas consequências dos seus atos.
Alguns acreditaram que poderiam cultivá-la em laboratório. Isolaram-se do mundo e dos problemas da vida, mas a felicidade enviou um claro recado a dizer que ela apreciava o cheiro das pessoas e crescia no meio das dificuldades.
Outros tentaram cultivá-la com os avanços da ciência e da tecnologia, mas eis que a ciência e a tecnologia se multiplicaram e a tristeza e as mazelas da alma se expandiram.Desesperados, muitos tentaram encontrar a felicidade em todos os cantos do mundo. Mas no espaço ela não estava,
No Amor, o Homem Deve Tomar a Iniciativa
O pudor inibe a mulher de provocar certas carícias, mas sente prazer em recebê-las quando outro as começa. Sim, um homem tem em demasiada conta as suas qualidades físicas, se espera que seja a mulher a primeira a rogar. É ao homem que compete começar, é ao homem que compete pronunciar as palavras suplicantes; a ela acolher favorávelmente as suas brandas preces. Queres possuí-la? pede. Ela deseja tanto como tu ser rogada. Explica-lhe a causa e a origem do teu amor. Júpiter dirigia-se suplicante às antigas heroínas; apesar do seu poder, nenhuma o vinha provocar.
Mas se as tuas preces se quebram na distância dum orgulho desdenhoso, abandona o que começaste e recua. Como elas desejam o que lhes escapa, e detestam o que está ao seu alcance! Sendo menos insistente, não mais serás repelido.
E a esperança de alcançares os teus fins nem sempre deve aparecer nos teus pedidos; que o amor penetre sob o nome da amizade. Vi mulheres esquivas serem enganadas desta maneira: o que fora seu cortesão, tornara-se seu amante.
Não Tenho Ninguém em Quem Confiar
Estou cansado de confiar em mim próprio, de me lamentar a mim mesmo, de me apiedar, com lágrimas, sobre o meu próprio eu. Acabo de ter uma espécie de cena com a tia Rita acerca de F. Coelho. No fim dela senti de novo um desses sintomas que cada vez se tornam mais claros e sempre mais horríveis em mim: uma vertigem moral. Na vertigem física há um rodopiar do mundo externo em relação a nós: na vertigem moral, um rodopiar do mundo interior. Parece-me perder, por momentos, o sentido da verdadeira relação das coisas, perder a compreensão, cair num abismo de suspensão mental. É uma pavorosa sensação esta de uma pessoa se sentir abalada por um medo desordenado.
Estes sentimentos vão-se tornando comuns, parecem abrir-me o caminho para uma nova vida mental, que acabará na loucura. Na minha família não há compreensão do meu estado mental — não, nenhuma. Riem-se de mim, escarnecem-me, não me acreditam. Dizem que o que eu pretendo é mostrar-me uma pessoa extraordinária. Nada fazem para analisar o desejo que leva uma pessoa a querer ser extraordinária. Não podem compreender que entre ser-se e desejar-se ser extraordinário não há senão a diferença da consciência que é acrescentada ao facto de se querer ser extraordinário.
O Mal da Cidade
O Homem pensa ter na Cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trémulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem fibra, sem viço, torto, corcunda – esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na cidade findou a sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimónias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel… A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus com ela recompensa os Santos) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro!
Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar –
O Homem Congrega Todas as Espécies de Animais
Há tão diversas espécies de homens como há diversas espécies de animais, e os homens são, em relação aos outros homens, o que as diferentes espécies de animais são entre si e em relação umas às outras. Quantos homens não vivem do sangue e da vida dos inocentes, uns como tigres, sempre ferozes e sempre cruéis, outros como leões, mantendo alguma aparência de generosidade, outros como ursos grosseiros e ávidos, outros como lobos arrebatadores e impiedosos, outros ainda como raposas, que vivem de habilidades e cujo ofício é enganar!
Quantos homens não se parecem com os cães! Destroem a sua espécie; caçam para o prazer de quem os alimenta; uns andam sempre atrás do dono; outros guardam-lhes a casa. Há lebréus de trela que vivem do seu mérito, que se destinam à guerra e possuem uma coragem cheia de nobreza, mas há também dogues irascíveis, cuja única qualidade é a fúria; há cães mais ou menos inúteis, que ladram frequentemente e por vezes mordem, e há até cães de jardineiro. Há macacos e macacas que agradam pelas suas maneiras, que têm espírito e que fazem sempre mal. Há pavões que só têm beleza, que desagradam pelo seu canto e que destroem os lugares que habitam.
Não Estás a Ver
Todos os dias, todos nós assistimos – seja como utentes, vítimas ou observadores – a uma prática irritantemente portuguesa.
Alguém faz uma longa e pormenorizada descrição de uma coisa extraordinária (ou, mais amiúde, banal) que lhe aconteceu. Nós ouvimos, com paciência e empatia exageradas, e comentamos conforme as mais bem equilibradas expectativas.
Descrevem-nos um momento de horror (“atravessou-se um gato na estrada, tive de desviar-me e quase bati noutro carro”) e, quando nós simpatizamos (muitos de nós tendo passado pela mesma experiência de medo de morrer ou matar), o nosso interlocutor dá como perdidos os quartos de hora que gastou a dar-nos uma narrativa completa e, apesar da nossa sincera afirmação de empatia (“Coitado! Sei exactamente o que sentiste!”), atira-nos invariavelmente à cara a mesma psicopática acusação: “Não estás a ver!”
É português pensar que aquilo que se sente ou que nos acontece não pode ser sentido ou acontecer a mais ninguém. Temos a ideia estúpida, avançada por Camões – do saber de experiência feito -, que cada um sabe o que sabe e vive o que vive. Dizer “não estás a ver” a quem vê perfeitamente – o mais das vezes espontaneamente – é uma espécie de distanciação.
O Homem Irracional
Cubram-no de todos os bens terrenos, mergulhem-no na felicidade com a cabeça imersa de modo a só umas bolhas rebentarem à superfície; dêem-lhe uma prosperidade económica tal que não tenha mais nada que fazer senão dormir, comer doces e tratar da continuidade ininterrupta da história universal – então ele, o homem, mesmo assim, só por ingratidão, por maldade, far-vos-á uma pulhice qualquer. Arriscará até os doces e desejará propositadamente o mais prejudicial dos absurdos, o mais antieconómico disparate, unicamente para misturar com toda essa sensatez positiva o seu nocivo elemento fantástico. Desejará conservar precisamente os seus sonhos fantásticos, a sua estupidez mais ordinária, unicamente para confirmar a si mesmo (como se fosse assim tão indispensável) que as pessoas continuam a ser pessoas e não teclas de piano em que sejam as próprias leis da natureza a tocar, mas prometendo tocar a tal ponto que se tornará já impossível desejar qualquer coisa para além do calendário.
Mais ainda: mesmo que o homem se tornasse realmente uma tecla de piano, mesmo que tal facto lhe fosse provado por meio das ciências naturais e da matemática, não ganharia juízo, mas faria, de propósito, qualquer coisa contra, apenas por ingratidão; só para continuar na sua!
Ser Português é Difícil
Os Portugueses têm algum medo de ser portugueses. Olhamos em nosso redor, para o nosso país e para os outros e, como aquilo que vemos pode doer, temos medo, ou vergonha, ou «culpa de sermos portugueses». Não queremos ser primos desta pobreza, madrinhas desta miséria, filhos desta fome, amigos desta amargura. Os Portugueses têm o defeito de querer pertencer ao maior e ao melhor país do mundo. Se lhes perguntarmos “Qual é actualmente o melhor e o maior país do mundo?”, não arranjam resposta. Nem dizem que é a União Soviética nem os Estados Unidos nem o Japão nem a França nem o Reino Unido nem a Alemanha. Dizem só, pesarosos como os kilogramas nos tempos em que tinham kapa: «Podia ter sido Portugal…» E isto que vai salvando os Portugueses: têm vergonha, culpa, nojo, medo de serem portugueses mas «também não vão ao ponto de quererem ser outra coisa».
Revela-se aqui o que nós temos de mais insuportável e de comovente: só nos custa sermos portugueses por não sermos os melhores do mundo. E, se formos pensar, verificamos que o verdadeiro patriotismo não é aquele de quem diz “Portugal é o melhor país do mundo” (esse é simplesmente parvo ou parvamente simples),
O Efeito Nefasto da Afirmação e Repetição
A afirmação e a repetição são agentes muito poderosos pelos quais são criadas e propagadas as opiniões. A educação é, em parte, baseada neles. Os políticos e os agitadores de toda a natureza fazem disso um uso quotidiano. Afirmar, depois repetir, representa mesmo o fundo principal dos seus discursos.
A afirmação não precisa de se apoiar numa prova racional qualquer: deve, simplesmente, ser curta e enérgica, e cumpre que impressione. Pode-se considerar como tipo dessas três qualidades o manifesto seguinte, recentemente reproduzido em vários jornais:Quem produziu o trigo, isto é, o pão para todos? O camponês!
Quem faz brotar a aveia, a cevada, todos os cereais? O camponês!
Quem cria o gado para dar a carne? O camponês!
Quem cria o carneiro para proporcionar a lã? O camponês!
Quem produz o vinho, a cidra, etc.? O camponês!
Quem nutre a caça? O camponês!
E, entretanto, quem come o melhor pão, a melhor carne?
Quem usa as mais belas roupas?
Quem bebe o bordeaux e o champagne?
Quem se aproveita da caça?
O burguês!!
Quem se diverte e repousa à vontade?
A Amizade é Indispensável ao Nosso Ser
A amizade é a unica coisa cuja utilidade é unanimemente reconhecida. A própria virtude tem muitos detratores, que a acusam de ostentação e charlatanismo. Muitos desprezam as riquezas e, contentes de pouco, agradam-se da mediocridade. As honras, à procura da qual se matam tanto as pessoas, quantos outros as desdenham até olhá-las como o que há de mais fútil e de mais frívolo? E, assim, quanto ao mais! O que a uns parece admirável, ao juízo doutros nada é. Mas quanto à amizade, toda a gente está de acordo: os que se ocupam dos negócios públicos, os que se apaixonaram pelo estudo e pelas indagações sapientes, e os que, longe do bulício, limitam os seus cuidados aos seus interesses privados: todos enfim, aqueles mesmos que se entregaram todos inteiros aos prazeres, declaram que a vida nada é sem a amizade, por pouco que queiram reservar a sua para algum sentimento honorável.
Ela se insinua, com efeito, não sei como, no coração de todos os homens e não se admite que, sem ela, possa passar nenhuma condição da vida. Bem mais, se é um homem de natureza selvagem, muito feroz para odiar seus semelhantes e fugir do seu contacto, como fazia,
A Gratidão não é Coisa de Pouca Monta
Ninguém poderá ser grato se não desprezar tudo aquilo que excita a atenção do vulgo: se quiseres, de facto, retribuir um favor terás que estar disposto a enfrentar o exílio, a derramar o teu sangue, a resignar-te à indigência, a consentir mesmo que a tua inocência seja posta em causa e se sujeite a infames boatos. Um homem grato não é coisa de pouca monta. Habitualmente, a nada se dá mais valor do que a um benefício enquanto o solicitamos, mas a nada se dá menos valor depois de obtê-lo. Sabes o que ocasiona em nós o esquecimento dos favores recebidos? É o desejo daqueles que procuramos obter! Não pensamos no que já conseguimos, mas só no que ainda procuramos alcançar. Somos desviados do caminho recto pelas riquezas, as honras, o poder e outras coisas mais que a opinião comum considera valiosas mas que em si mesmas nada valem.
Como Amo
Como? Mas como é que eu escrevi nove livros e em nenhum deles eu vos disse: Eu vos amo? Eu amo quem tem paciência de esperar por mim e pela minha voz que sai através da palavra escrita. Sinto-me de repente tão responsável. Porque se sempre eu soube usar a palavra — embora às vezes gaguejando — então sou uma criminosa se não disser, mesmo de um modo sem jeito, o que quereis ouvir de mim. O que será que querem ouvir de mim? Tenho o instrumento na mão e não sei tocá-lo, eis a questão. Que nunca será resolvida. Por falta de coragem? Devo por contenção ao meu amor, devo fingir que não sinto o que sinto: amor pelos outros?
Para salvar esta madrugada de lua cheia eu vos digo: eu vos amo.
Não dou pão a ninguém, só sei dar umas palavras. E dói ser tão pobre. Estava no meio da noite sentada na sala de minha casa, fui ao terraço e vi a lua cheia — sou muito mais lunar que solar. É uma solidão tão maior que o ser humano pode suportar, esta solidão me toma se eu não escrever: eu vos amo. Como explicar que me sinto mãe do mundo?
A Intensidade Sempre Diferente que Caracteriza a Vida
Não posso conceber o homem independente da sua intensidade. Basta ler um tratado de psicologia para sentir quanto as nossas ideias gerais mais penetrantes se deturpam quando queremos empregá-las para compreender os nossos actos. O seu valor desaparece à medida que avançamos na nossa procura, e é então fatal o choque com o incompreensível, com o absurdo, quer dizer com o ponto extremo do particular. A chave deste absurdo não será a intensidade sempre diferente que caracteriza a vida?
Ela é afectada pela nossa vida voluntária, consciente, e pela nossa vida mais oculta, feita de sonhos e de sensações secretas que se desenvolvem em absoluta liberdade. Quer um homem sonhe ser rei ou amante feliz, isso não altera em nada os seus gestos quotidianos; mas se um amor, a cólera, uma paixão ou um choque o desamparam, como gestos de outrem poderão repercutir-se nele com força ou fraqueza, conforme ele estiver exaltado ou deprimido!
O Cinismo dos Valores
Cada vez mais desesperado. Olho, olho, e só vejo negrura à minha volta. Fé? Evidentemente… Enquanto há vida, há esperança — lá diz o outro. Mas, francamente: fé em quê? Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores, e os degrada cinicamente, sem qualquer estremecimento da consciência? Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra mos cobrir! — Ah! mas a humanidade acaba por encontrar o seu verdadeiro caminho — dizem-me duas células ingénuas do entendimento. E eu respondo-lhes assim : Não, o homem não tem caminhos ideais e caminhos de ocasião. O homem tem os caminhos que anda. Ora este senhor, aqui há tempos, passou três séculos a correr atrás dum mito que se resumia em queimar, expulsar e perseguir uns outros homens, cujo pecado era este: saber filosofia, medicina, física, astronomia, religião, comércio — coisas que já nessa época eram dignas e respeitáveis.
Ninguém se pode Encarar a si Próprio até ao Fundo
Ninguém pode com isto, ninguém pode encarar-se a si próprio e ver-se até ao fundo. A tua meticulosidade é de ferro, a tua meticulosidade está de tal maneira entranhada no teu ser que sem ela não existes. Pois até a tua meticulosidade se há-de dissolver! E tu sem o hábito não existes, nem tu sem o dever, nem tu sem a consciência. Sem estas palavras a vida não existe para ti, e sem escrúpulos que te resta? O que aí está é temeroso, seres estranhos, seres que, se dão mais um passo, nem eu nem tu podemos encarar com eles. Andam aqui interesses – e outra coisa. Com mil palavras diversas e ignóbeis, mil bocas que te empurram para a infâmia – outra coisa. Tens de confessá-lo. Não é a consciência – não é o remorso – não é o medo. É uma coisa inexplicável e imensa, profunda e imensa, que assiste a este espectáculo sem dizer palavra – e espera… És imundo, és a vida.