Lugares com Ecos do Passado
Tanto ou mais que as pessoas, os lugares vivem e morrem. Com uma diferença: mesmo se já mortos, os lugares retêm a vida que os animou. No silêncio, sentimos-lhes os ouvidos vigilantes ou o rumor infatigável dos ecos ensurdecidos.
Textos sobre Lugares
336 resultadosAlegria e Tranquilidade
A alegria pode sofrer interrupções no caso de pessoas ainda insuficientemente avançadas, enquanto, no caso do sábio, o bem estar é um tecido contínuo que nenhuma ocorrência, nenhum acidente pode romper; em todo o tempo, em todo o lugar o sábio goza de tranquilidade! Porquê? Porque o sábio não depende de factores externos, não está à espera dos favores da fortuna ou dos outros homens. A sua felicidade está dentro dele; fazê-la vir de fora seria expulsá-la da alma, que é onde, de facto, a felicidade nasce! Pode uma vez por outra surgir qualquer ocorrência que lembre ao sábio a sua condição de mortal, mas ocorrências deste tipo são de somenos importância e não o atingem mais do que à flor da pele. O sábio, insisto, pode ser tocado ao de leve por um ou outro contratempo, mas para ele o sumo bem permanece inalterável. Volto a dizer que lhe podem ocorrer contratempos provindos do exterior, tal como um homem de físico robusto não está livre de um furúnculo ou de uma ferida superficial; em profundidade, porém, não há mal que o atinja.
A diferença existente, insisto ainda outra vez, entre o homem que atingiu a plenitude da sabedoria e aquele que ainda lá não chegou é a mesma que se verifica entre um homem são e um convalescente de doença grave e prolongada.
A Leitura é a Maior das Amizades
A amizade, a amizade que diz respeito aos indivíduos, é sem dúvida uma coisa frívola, e a leitura é uma amizade. Mas pelo menos é uma amizade sincera, e o facto de ela se dirigir a um morto, a uma pessoa ausente, confere-lhe algo de desinteressado, de quase tocante. E além disso uma amizade liberta de tudo quanto constitui a fealdade dos outros. Como não passamos todos, nós os vivos, de mortos que ainda não entraram em funções, todas essas delicadezas, todos esses cumprimentos no vestíbulo a que chamamos deferência, gratidão, dedicação e a que misturamos tantas mentiras, são estéreis e cansativas. Além disso, — desde as primeiras relações de simpatia, de admiração, de reconhecimento, as primeiras palavras que escrevemos, tecem à nossa volta os primeiros fios de uma teia de hábitos, de uma verdadeira maneira de ser, da qual já não conseguimos desembaraçar-nos nas amizades seguintes; sem contar que durante esse tempo as palavras excessivas que pronunciámos ficam como letras de câmbio que temos que pagar, ou que pagaremos mais caro ainda toda a nossa vida com os remorsos de as termos deixado protestar. Na leitura, a amizade é subitamente reduzida à sua primeira pureza.
Com os livros,
A História e o Progresso ao Sabor do Vento
Na sua maior parte a história faz-se sem autores. Não acontece a partir de um centro, mas da periferia. De pequenas causas. Talvez não seja tão difícil como se pensa fazer do homem gótico ou do grego antigo o homem da civilização moderna. Porque a natureza humana é tão capaz do canibalismo como da crítica da razão pura; é capaz de realizar as duas coisas com as mesmas convicções e as mesmas qualidades, se as circunstâncias forem propícias, e nesses processos a grandes diferenças externas correspondem diferenças internas mínimas.
(…) O caminho da história não é o de uma bola de bilhar que, uma vez jogada, percorre uma determinada trajectória; assemelha-se antes ao caminho das nuvens, ou ao de um vagabundo a deambular pelas vielas, que se distrai a observar, aqui uma sombra, ali um magote de gente, mais adiante o recorte curioso das fachadas, até que por fim chega a um ponto que não conhece e por onde nem tencionava passar. Há no decurso da história universal um certo erro de percurso. O presente é sempre como a última casa de uma cidade, que de certo modo já não faz bem parte do casario dessa cidade. Cada geração pergunta,
Moral Vazia
O que nós chamamos a moral não passa de um empreendimento desesperado dos nossos semelhantes contra a ordem universal, que é a luta, a carnificina e o jogo cego de forças contrárias.
(…) Cada época tem a sua moral dominante, que não resulta nem da religião nem da filosofia, mas do hábito, única força capaz de reunir os homens num mesmo sentimento, pois tudo o que é sujeito ao raciocínio divide-os; e a humanidade só subsiste com a condição de não reflectir sobre aquilo que é essencial para a sua existência.
(…) A moral é a ciência dos costumes, e com eles muda. Ela difere de país para país e em nenhum lugar permanece a mesma no espaço de dez anos.
A Eterna Instabilidade
O pior que vejo no nosso estado é a instabilidade, e que as nossas leis, não mais que as nossas roupas, não possam assumir uma forma fixa. É muito fácil acusar de imperfeição um governo, pois todas as coisas mortais estão repletas dela; é muito fácil gerar num povo o menosprezo pelas suas observâncias antigas: jamais homem algum empreendeu isso sem obter sucesso; mas restabelecer um estado melhor no lugar daquele que foi posto em ruína, isso muitos cansaram de esperar, entre os que haviam tentado.
O Medo como Orientador da Nossa Vida
Uma vez que estamos sós no mundo, ou pelo menos não tão sós como gostaríamos de estar, temos o dever de dominar as nossas explosões, de fazer com que as explosões inevitáveis da nossa maldade ou da nossa bondade paradoxais vão aproximativamente no sentido do fim aproximativo. Quanto ao fim, talvez não seja lá muito importante determiná-lo com a precisão sádica que encontramos no sistema do mundo e no destino quando ambos se associam para determinar a posição do homem no espaço e no tempo.
Devemos evidentemente batermo-nos contra os dois, e como o mais importante é manter a direcção justa do fim talvez errado, é-nos necessário aguçar a nossa lucidez a fim de a tornarmos cortante como uma lâmina, acerada como uma seta, percuciente como uma punção. É graças a essa lucidez que funciona a nossa consciência, que não passa afinal de uma transcrição idílica do nosso medo, porque o medo lembra-nos infatigavelmente a direcção justa, e se sufocarmos o nosso medo, perderemos a possibilidade de nos orientarmos numa direcção determinada e daremos aqui e ali lugar a uma série de estúpidas explosões privadas, causando os piores estragos para um mínimo de resultados. É por isso que devemos conservar dentro de nós o nosso medo como um porto sempre livre de gelos que nos ajude a passar o Inverno,
Faz da Sociedade uma Devedora
O homem vem ao mundo com dívidas e morre com dívidas ainda maiores. Nasce com dívidas porque muitos se sacrificaram antes dele para lhe dar as condições de vida de que pode usufruir. Médicos, cientistas, professores, operários, prepararam muitos dos confortos de que ele beneficia; e houve homens e mulheres que lutaram e morreram pela sua liberdade. A sua sáude, a sua capacidade criadora, a sua inteligência, herdou-os; são uma dádiva da humanidade. Morre com dívidas ainda maiores porque durante a vida foi ajudado por muitos. Ele próprio deve contribuir com qualquer coisa enquanto está no mundo como um ser criador, e deve fazer progredir a arte de viver por ter vivido. Faça o bem se quer ser bem sucedido. Esta á a suprema lei da vida. Esteja entre os grandes servidores, os benfeitores da humanidade. É o único caminho para o sucesso. «O que deres ser-te-á tornado.» Faça da sociedade uma devedora e poderá encontrar o seu lugar entre os imortais.
Luta de Classes
Não contem comigo para defender o elitismo cultural. Pelo contrário, contem comigo para rebentar cada detalhe do seu preconceito.
A cultura é usada como símbolo de status por alguns, alfinete de lapela, botão de punho. A raridade é condição indispensável desse exibicionismo. Só pertencendo a poucos se pode ostentar como diferenciadora. Essa colecção de símbolos é descrita com pronúncia mais ou menos afectada e tem o objectivo de definir socialmente quem a enumera.
Para esses indivíduos raros, a cultura é caracterizada por aqueles que a consomem. Assim, convém não haver misturas. Conheço melhor o mundo da leitura, por isso, tomo-o como exemplo: se, no início da madrugada, uma dessas mulheres que acorda cedo e faz limpeza em escritórios for vista a ler um determinado livro nos transportes públicos, os snobs que assistam a essa imagem são capazes de enjeitá-lo na hora. Começarão a definir essa obra como “leitura de empregadas de limpeza” (com muita probabilidade utilizarão um sinónimo mais depreciativo para descrevê-las).
Este exemplo aplica-se em qualquer outra área cultural que possa chegar a muita gente: música, cinema, televisão, etc. Aquilo que mais surpreende é que estes “argumentos”, esta forma de falar e de pensar seja utilizada em meios supostamente culturais por indivíduos supostamente cultos,
Se Pudesses Estar Comigo Vinte e Quatro horas do Dia
Se pudesses estar comigo durante as vinte e quatro horas do dia, observar cada gesto meu, dormir comigo, comer comigo, trabalhar comigo, tudo isto não poderia ter lugar. Quando me vejo afastado de ti, penso em ti constantemente e isso dá cor a tudo o que eu diga ou faça. Se soubesses o quão fiel te sou! Não apenas fisicamente, mas mentalmente, moralmente, espiritualmente. Aqui não há qualquer tentação para mim, absolutamente nenhuma. Estou imune a Nova Iorque, aos meus velhos amigos, ao passado, a tudo. Pela primeira vez na minha vida, estou completamente centrado em outro ser… Em ti. Sinto-me capaz de dar tudo, sem ter medo de ficar exaurido ou de me ver perdido. Quando ontem escrevi no meu artigo que «se eu nunca tivesse ido para a Europa…», não era a Europa que tinha em mente, mas sim tu.
Mas não posso dizer isso ao mundo num artigo. Tu és a Europa. Pegaste em mim, um homem despedaçado, e tornaste-me completo. E não hei-de desintegrar-me — não existe o menor perigo disso. Mas agora vejo-me mais sensível, mais receptivo a qualquer sinal de perigo. Se te persigo loucamente, se te imploro para ouvires, se fico à tua porta e espero por ti,
Considerações Sobre a Amizade
É a insuficiência do nosso ser que faz nascer a amizade, e é a insuficiência da própria amizade que a faz perecer. Está-se sozinho, sente-se a própria miséria, sente-se necessidade de apoio, procura-se quem lhe favoreça os gostos, um companheiro nos prazeres e nos pesares; quer-se um homem de quem se possa possuir o coração e o pensamento. Então a amizade parece ser o que de mais doce há no mundo; tem-se o que se desejou, logo se muda de ideia. Quando se vê de longe algum bem, ele fixa de início os nossos desejos, e quando se chega a ele, sente-se o seu nada. A nossa alma, de que ele prendia a vista na distância, não pode repousar-se nele quando vê mais adiante: assim a amizade, que de longe limitava todas as nossas pretensões, cessa de limitá-las de perto; não preenche o vazio que prometera preencher; deixa-nos necessidades que nos distraem e nos levam a outros bens.
Então a gente torna-se negligente, difícil, exige-se logo como um tributo as complacências que de início eram recebidas como um dom. É do carácter dos homens apropriar-se a pouco e pouco até das graças de que beneficiam; uma longa posse acostuma-os naturalmente a olhar as coisas que possuem como sendo deles;
Conhecer-se a Si Próprio
Conhece-te a ti próprio – eis o que é difícil. Ainda posso conhecer os outros, mas a mim mesmo não consigo conhecer-me. Um fio – instintos e um fantasma… Dos outros faço ideia mais ou menos aproximada, de mim não faço ideia nenhuma.
Há uma disparidade entre mim e mim. Há em mim o homem correcto, o homem igual a todos os homens – e o homem que lá dentro sonha, grita e é capaz, por insignificâncias, de imaginar um terramoto ou de desejar uma catástrofe. O que eu me tenho desfeito dos meus inimigos – o que é razoável – mas dos meus amigos que me fazem sombra!…
O meu verdadeiro ser não é aquele que compus, recalcando lá para o fundo os instintos e as paixões; o meu verdadeiro ser é uma árvore desgrenhada – é o fantasma que nos momentos de exaltação me leva a rasto para actos que reprovo. Só a custo o contenho. Parece que está morto, e está mais vivo que o histrião que represento. Asseguro este simulcaro até à cova com os hábitos de compressão que adquiri. Não sei se a maior parte dos homens é assim – eu sou assim: sou um fantasma desesperado.
O Grande Educador
É além de tudo essencial que a escola se não separe do mundo; não há escolas e oficinas; há um certo género de oficinas em que trabalham crianças nas tarefas que lhes são adequadas e lhes vão facilitando o desenvolvimento do corpo e do espírito; vão colaborando no que podem e no que sabem para que a vida melhore. Ninguém fugirá da escola e a olhará como um horror no dia em que a deixemos de conceber como o lugar a que se vai para receber uma lição, para a considerarmos como o ponto de condições óptimas para que uma criança efectivamente dê a sua ajuda a todos os que estão procurando libertar a condição humana do que nela há de primitivo; não se veja no aluno o ser inferior e não preparado a que se põe tutor e forte adubo; isso é o diálogo entre o jardineiro e o feijão; outra ideia havemos de fazer das possibilidades do homem e do arranjo da vida; que a criança se não deixe nunca de ver como elemento activo na máquina do mundo e de reconhecer que a comunidade está aproveitando o seu trabalho; de número na classe e de fixador de noções temos de a passar a cidadão.
O Homem de Carácter
Os homens de carácter são a consciência da sociedade a que pertencem. A medida natural dessa força é a resistência às circunstâncias. Os homens impuros julgam a vida pela versão reflectida nas opiniões, nos acontecimentos e nas pessoas. Não são capazes de prever a acção até que ela se concretize. Todavia, o elemento moral da acção preexistia no autor e a sua qualidade, boa ou má, era de fácil predição. Tudo na natureza é bipolar, ou tem um pólo positivo e um pólo negativo. Há um macho e uma fêmea, um espírito e um facto, um norte e um sul. O espírito é o positivo, o facto é o negativo. A vontade é o norte, a acção é o pólo sul. O carácter pode ser classificado como tendo o seu lugar natural no norte. Distribui as correntes magnéticas do sistema. Os espíritos fracos são atraídos para o pólo sul, ou pólo negativo. Só vêem na acção o lucro, ou o prejuízo que podem encerrar.
Não podem vislumbrar um princípio, a não ser que este se abrigue noutra pessoa. Não desejam ser amáveis mas amados. Os de carácter gostam de ouvir falar dos seus defeitos; aos outros aborrecem as faltas;
O Livre Arbítrio
Um homem é dotado de livre arbítrio e de três maneiras: em primeiro lugar, era livre quando quis esta vida; agora não pode evidentemente rescindi-la, pois ele não é o que a queria outrora, excepto na medida em que completa a sua vontade de outrora, vivendo.
Em segundo lugar, é livre pelo facto de poder escolher o caminho desta vida e a maneira de o percorrer.
Em terceiro lugar, é livre pelo facto de na qualidade daquele que vier a ser de novo um dia, ter a vontade de se deixar ir custe o que custar através da vida e de chegar assim a ele próprio e isso por um caminho que pode sem dúvida escolher, mas que, em todo o caso, forma um labirinto tão complicado que toca nos menores recantos desta vida.
São esses os tês aspectos do livre arbítrio que, por se oferecerem todos ao mesmo tempo formam apenas um e de tal modo que não há lugar para um arbítrio, quer seja livre ou servo.
O Egoísmo do Homem das Cidades
A miséria parece uma secreção do progresso, da civilização. Não é nos campos (até em plena crise), onde a vida é simples e sem ambições, que a miséria se torna aflitiva, dramática. A sua tragédia sem remédio desenvolve-se antes nas cidades, nas grandes capitais, tanto mais insensíveis e duras quanto mais civilizadas. A mecanização, o automatismo do progresso que transforma os homens em máquinas, isolam-no brutalmente substituindo os seus gestos e impulsos afectivos por complicadas e frias engrenagens. O homem das cidades, modelado, esculpido na própria luta com os outros que lhe disputam o seu lugar ao sol, é talvez, sem reparar, a encarnação do próprio egoísmo.
Pensamos de Mais e Sentimos de Menos
Queremos todos ajudar-nos uns aos outros. Os seres humanos são assim. Queremos viver a felicidade dos outros e não a sua infelicidade. Não queremos odiar nem desprezar ninguém. Neste mundo há lugar para toda a gente. E a boa terra é rica e pode prover às necessidades de todos.
O caminho da vida pode ser livre e belo, mas desviámo-nos do caminho. A cupidez envenenou a alma humana, ergueu no mundo barreiras de ódio, fez-nos marchar a passo de ganso para a desgraça e a carnificina. Descobrimos a velocidade, mas prendemo-nos demasiado a ela. A máquina que produz a abundância empobreceu-nos. A nossa ciência tornou-nos cínicos; a nossa inteligência, cruéis e impiedosos. Pensamos de mais e sentimos de menos. Precisamos mais de humanidade que de máquinas. Se temos necessidade de inteligência, temos ainda mais necessidade de bondade e doçura. Sem estas qualidades, a vida será violenta e tudo estará perdido.
O avião e a rádio aproximaram-nos. A própria natureza destes inventos é um apelo à fraternidade universal, à união de todos. Neste momento, a minha voz alcança milhões de pessoas através do mundo, milhões de homens sem esperança, de mulheres, de crianças, vítimas dum sistema que leva os homens a torturar e a prender pessoas inocentes.
A Profundidade do Ser
E de vez em quando descer à gravidade de mim, à profundidade do meu ser. E verificar então que tudo se transfigura. Que é que significa este garatujar quase gratuito, este riso superficial, todo este modo de ser menor? A melancolia profunda, tão de dentro que ela se iguala à alegria sem medida. Espaço rarefeito de nós, é o lugar da grandeza do homem, do que é nele fundamental, o lugar do aparecimento de Deus. Mas Deus não me aparece – aparece apenas a inundação que me vem da infinita beatitude, da grandeza e do assombro. Nós vivemos habitualmente à superfície de nós, ligados ao que é da vida imediata, enredados nas mil futilidades com que se nos enchem os dias. Mas de vez em quando, o abismo da natureza, um livro ou uma música que dos abismos vem, abre-nos aos pés um precipício hiante e tudo se dilui num sentir que está antes e abaixo e mais longe que esse tudo. Há uma harmonia que em nós espera por um som, um acorde, uma palavra, para imediatamente se organizar e envolver-nos. E aí somos verdade para a infinidade dos séculos.
Retrato de Mónica
Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da «Liga Internacional das Mulheres Inúteis», ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível.
Nada é Certo
Ninguém avança pela vida em linha recta. Muitas vezes, não paramos nas estações indicadas no horário. Por vezes, saímos dos trilhos. Por vezes, perdemo-nos, ou levantamos voo e desaparecemos como pó. As viagens mais incríveis fazem-se às vezes sem se sair do mesmo lugar. No espaço de alguns minutos, certos indivíduos vivem aquilo que um mortal comum levaria toda a sua vida a viver. Alguns gastam um sem número de vidas no decurso da sua estadia cá em baixo. Alguns crescem como cogumelos, enquanto outros ficam inelutávelmente para trás, atolados no caminho. Aquilo que, momento a momento, se passa na vida de um homem é para sempre insondável. É absolutamente impossível que alguém conte a história toda, por muito limitado que seja o fragmento da nossa vida que decidamos tratar.