Textos sobre Momentos

473 resultados
Textos de momentos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Homem Pensador e a Mulher Faladora

O homem pensador é necessariamente taciturno. A mulher faladora não consegue atordoar-lhe o espírito, mas faz-lhe nos ouvidos a traquinada intolerável de uma matraca. A matraca afuguenta do coração todas as quimeras do amor. Não vos caseis com homem pensador, mulheres que falais um momento antes de pensar o que direis. O amor —se vo-lo pode inspirar tal homem—fará que não fecheis olhos velando-lhe a doença; fará que lhe sacrifiqueis os haveres, a reputação e a vida; fará tudo que humanamente pode fazer um anjo de sacrifício, mas não vos fará calar. O feudo mais pesado que uma tal mulher pôde impôr a um homem é — a obrigação de ouvi-la.

A ofensa que tal mulher nunca perdoa é — a insolência de ouvi-la, sem escutá-la. Vejam num dicionário a diferença das duas palavras. Escutar é querer ouvir. Uma bela mulher, capaz de extremos, tentou a franqueza do amante que, em vésperas de matrimonio, lhe disse: «não faltes tanto.» A noiva pesou estas palavras, reflectiu, calculou as suas forças, chorou, atormentou-se, e disse: «não me casarei: é impossível calar-me.» Para que me não tomem isto como anedota, é preciso dizer-lhes que esta mulher foi acerbamente ferida no seu orgulho.

Continue lendo…

Nos Momentos Felizes, a Mão Anda Sozinha

Uma coisa para mim é clara: tenho de proteger os meus ovos, que são os meus livros. Se racionalizar as coisas, perco-as. Estaria a fechar portas a mim mesmo e a essas coisas, que não sei bem se me pertencem, e emergem com essa força. Nos momentos felizes, a mão anda sozinha. A cabeça está a ver ao longe e fica contente, porque são as palavras certas que a cabeça não encontraria. É a mão.

A Guerra é Deus

Pouco interessa o que os homens pensam da guerra, disse o juiz. A guerra perdura. É o mesmo que perguntar-lhes o que acham da pedra. A guerra sempre esteve presente. Antes de o homem existir, a guerra já estava à espera dele. O ofício supremo a aguardar o seu supremo artífice. Sempre foi assim e sempre assim será. Assim e não de outra forma.
(…) Os homens nasceram para jogar. Nada mais. Todo o garoto sabe que a brincadeira é uma ocupação mais nobre do que o trabalho. Sabe também que a excelência ou mérito de um jogo não é inerente ao jogo em si, mas reside, isso sim, no valor daquilo que os jogadores arriscam. Os jogos de azar exigem que se façam apostas, sem o que não fazem sequer sentido. Os desportos implicam medir a destreza e a força dos adversários e a humilhação da derrota e o orgulho da vitória constituem em si mesmos aposta suficiente, pois traduzem o valor dos contendores e definem-nos. Porém, quer se trate de contendas cuja sorte se decide pelo azar quer pelo mérito, todos os jogos anseiam elevar-se à condição da guerra, pois nesta aquilo que se aposta devora tudo,

Continue lendo…

Uma Completa Fome por Ti

Anais,

Não esperes que continue são. Não vamos ser sensatos. Foi um casamento, em Louveciennes — não podes negá-lo. Voltei com pedaços de ti pegados a mim. Estou a andar, a nadar num oceano de sangue, o teu sangue andaluz, destilado e venenoso. Tudo o que faço e digo e penso tem a ver com o casamento. Vi-te como a senhora do teu lar, uma moura de cara pesada, uma negra com um corpo branco, olhos por toda a tua pele, mulher, mulher, mulher. Não consigo ver como conseguirei viver longe de ti — estas interrupções são uma morte. Como te pareceu quando o Hugo voltou? Eu continuava aí? Não consigo imaginar-te a moveres-te com ele como fizeste comigo. Pernas fechadas. Fragilidade. Doce, traiçoeira aquiescência. Docilidade de pássaro. Tornaste-te uma mulher comigo. Isso quase me aterrorizou. Não tens só trinta anos de idade… Tens mil anos de idade.

Aqui estou de volta e ainda fervilhando de paixão, como vinho a fermentar. Não uma paixão apenas da carne, mas uma completa fome por ti, uma fome devoradora. Leio no jornal acerca de suicídios e homicídios e compreendo-o perfeitamente. Sinto-me assassino, suicida. Sinto talvez ser uma desgraça nada fazer,

Continue lendo…

A Doce Incerteza do Romance

Não vejo nada de romântico numa proposta de noivado. É certo que é romântico uma pessoa estar apaixonada. Mas numa proposta concreta não há romance nenhum; podemos até vir a ser aceites, e na grande maioria dos casos é isso que acontece, segundo creio, cessando nesse momento qualquer excitação. A própria essência do romance é a incerteza. Se algum dia me casar, farei tudo para me esquecer desse facto.

A Nossa Vida é Estilhaçada pelo Pormenor

Vivemos mesquinhamente, quais formigas, ainda que a fábula nos relate que há muito tempo atrás fomos transformados em homens; como os pigmeus lutamos com gruas; e é erro sobre erro, remendo sobre remendo, e a nossa melhor virtude decorre de uma miséria supérflua e evitável. A nossa vida é estilhaçada pelo pormenor.
Um homem honesto dificilmente precisa de contar para além dos seus dez dedos das mãos, acrescentando, em caso extremo, os seus dez dedos dos pés, e o resto que se amontoe. Simplicidade, simplicidade, simplicidade! Digo: ocupai-vos de dois ou três afazeres, e não de cem ou mil; contai meia dúzia em vez de um milhão e tomai nota das receitas e despesas na ponta do polegar. A meio do agitado mar da vida civilizada, tantas são as nuvens, as tempestades, as areias movediças, tantos são os mil e um imprevistos a ser levados em conta, que para não se afundar, para não ir a pique antes de chegar ao porto, um homem tem de ser um grande calculista para lograr êxito.
Simplificar, simplificar, simplificar. Em vez de três refeições por dia, se preciso for, comer apenas uma; em vez de cem pratos, cinco; e reduzir proporcionalmente as outras coisas.

Continue lendo…

O Construtor

O construtor, antes de levantar a primeira pedra do dia, contempla e considera as suas feridas que enfraquecem a vontade de construir, com a sua própria substância de cinzas e sangue petrificado, a habitação em que a fénix poderá renascer com todo o esplendor original de um astro. Nada mais lhe resta do que lançar-se a um trabalho para o qual a disposição ainda não surgiu, mas que poderá despertar os impulsos da construção solar e abrir o horizonte luminoso e tranquilo de um rio em torno da morada. A construção está envolta numa espessa bruma e não há nela sinais de figuras ou formas, porque essa névoa é o próprio nada da confusão inicial e do fim de toda a construção como possibilidade de vida e de renovo. É do obscuro fundo da retina que surge um ténue raio cintilante que penetra na massa nebulosa da construção e a faz palpitar e estremecer. O construtor poderá então discernir algumas linhas de força, algumas estruturas e bases numa crescente e sincopada clarificação. Haverá um momento em que ele sentirá que o edifício dança porque tudo se duplica e se reflecte e se anima. De algum modo, é já a fénix que resplandece no fulgor da edificação e na plenitude do ser e do olhar na sua mútua criação.

Continue lendo…

A Tua Vida é Agora

Toda a negatividade é provocada por uma acumulação de tempo psicológico e de recusa do presente. Mal-estar, ansiedade, tensão, stress, preocupações – todas as formas de medo – são causados por futuro em demasia e insuficiente presença. Sentimentos de culpa, arrependimento, ressentimento, injustiças, tristeza, amargura e todas as formas de falta de indulgência são provocados por passado em demasia e insuficiente presença.
A maioria das pessoas tem dificuldade em acreditar que seja possível um estado de consciência totalmente livre de negatividade. E no entanto é esse o estado de libertação para o qual todos os ensinamentos espirituais apontam. É a promessa de salvação, não num futuro ilusório, mas já aqui e agora.

Poderás ter dificuldade em admitir que o tempo seja a causa do teu sofrimento ou dos teus problemas. Acreditas que são provocados por situações específicas na tua vida e, visto de um ponto de vista convencional, isso é verdade. Mas até teres lidado com a disfunção básica da mente “que-faz-os-problemas” – o seu apego ao passado e ao futuro e a negação do Agora – os problemas são na verdade permutáveis. Se todos os teus problemas ou as consideradas causas do sofrimento ou da infelicidade te fossem milagrosamente retirados hoje,

Continue lendo…

Alma e Realidade, Duas Paisagens Sobrepostas

1 – Em todo o momento de actividade mental acontece em nós um duplo fenómeno de percepção: ao mesmo tempo que tempos consciência de um estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que estão virados para o exterior, uma paisagem qualquer, entendendo por paisagem, para conveniência de frases, tudo o que forma o mundo exterior num determinado momento da nossa percepção.
2 – Todo o estado de alma é uma passagem. Isto é, todo o estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E – mesmo que se não queira admitir que todo o estado de alma é uma paisagem – pode ao menos admitir-se que todo o estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser “Há sol nos meus pensamentos”, ninguém compreenderá que os meus pensamentos são tristes.
3 – Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma paisagem,

Continue lendo…

Os Homens sem Pé no seu Tempo

Das coisas tristes que o mundo tem, são os homens sem pé no seu tempo. Os desgraçados que aparecem assim, cedo de mais ou tarde de mais, lembram-me na vida terras de ninguém, onde não há paz possível. Imagine-se a dramática situação dum cavernícola transportado aos dias de hoje, ou vice-versa. A cada época corresponde um certo tipo humano. Um tipo humano intransponível, feito da unidade possível em tal ocasião, moldado psicològicamente, e fisiològicamente até, pelas forças que o rodeiam. A Idade Média tinha como valores Aristóteles e os doutores da Igreja. E qualquer espírito coevo, por mais alto que fosse, estava irremediàvelmente emparedado entre a Grécia sem Platão e as colunas do Templo. De nada lhe valia sonhar outro espaço de movimento. Cada inquietação realizava-se ali. O que seria, pois, um Vinci do Renascimento, multímodo, aberto a todos os conhecimentos, a bracejar dentro de tão acanhados muros?

Neste trágico século vinte, sem qualquer sério conteúdo ideológico, sem nenhuma espécie de grandeza fora do visceral e do somático, todo feito de records orgânicos e de conquistas dimensionais, que serenidade interior poderá ter alguém alicerçado em valores religiosos, estéticos, morais, ou outros? Nenhuma. Entre o abismo da sua impossibilidade natural de deixar de ser o que é,

Continue lendo…

A Intolerância é uma Brutal Realidade

Nós vivemos num tempo que se caracteriza pela irracionalidade dos comportamentos gerais, e pôr aqui um pouco de senso comum, no sentido de que, acima de tudo, o que há a proteger é a vida (…) é quase impossível… E mais se esse ser humano enfrenta outro ser humano porque crê num outro deus, ou porque, ao ter uma outra tradição, vê o outro como um inimigo… A partir do momento em que vemos o próximo como inimigo, a guerra está declarada. A intolerância não é uma tendência, é uma brutal realidade.

O Perfeito Controle da Alegria e da Dor

Alegria desmedida e dor muito violenta acometem sempre e apenas a mesma pessoa: pois ambas se condicionam reciprocamente e são também condicionadas juntas por uma grande vivacidade do espírito. Ambas são causadas, não pelo simples presente, mas pela antecipação do futuro. No entanto, visto que a dor é essencial à vida e, pelo seu grau, é também determinada pela natureza do sujeito – o que implica que, na realidade, modificações repentinas, sendo sempre externas, não podem mudar o seu grau -, na base do júbilo ou da dor excessivos há sempre um erro e uma falsa crença: por conseguinte, essas duas exaltações do espírito poderiam ser evitadas com o uso do juízo.

Todo o júbilo desmedido repousa sempre na ilusão de ter encontrado na vida algo que não se pode encontrar realmente, isto é, uma satisfação durável dos desejos ou preocupações tormentosos e sempre renascentes. Mais tarde, é inevitável que nos separemos de cada ilusão dessa espécie, pagando-a então, quando desaparece, com igual dor amarga, independentemente da alegria que o seu surgimento nos tenha proporcionado.
Nesse sentido, ela assemelha-se por completo a uma altura da qual o único momento de descer novamente é a queda, de maneira que deveria ser evitada: e toda a dor repentina ou excessiva é justamente apenas a queda de tal altura,

Continue lendo…

Abordar um Texto Poético

Abordar um texto poético, qualquer que seja o grau de profundidade ou amplitude da leitura, pressupõe, e ouso dizer que pressuporá sempre, uma certa incomodidade de espírito, como se uma consciência paralela observasse com ironia a inanidade relativa de um trabalho de desocultação que, estando obrigado a organizar, no complexo sistema capilar do poema, um itinerário contínuo e uma univocidade coerente, ao mesmo tempo se obriga a abandonar as mil e uma probabilidades oferecidas pelos outros itinerários, apesar de estar ciente de antemão de que só depois de os ter percorrido a todos, a esses e àquele que escolheu, é que acederia ao significado último do texto, podendo suceder que a leitura alegadamente totalizadora assim obtida viesse só a servir para acrescentar à rede sanguínea do poema uma ramificação nova, e impor portanto a necessidade de uma nova leitura. Todos carpimos a sorte de Sísifo, condenado a empurrar pela montanha acima uma sempiterna pedra que sempiternamente rolará para o vale, mas talvez que o pior castigo do desafortunado homem seja o de saber que não virá a tocar nem a uma só das pedras ao redor, inúmeras, que esperam o esforço que as arrancaria à imobilidade.
Não perguntamos ao sonhador por que está sonhando,

Continue lendo…

A Vida é um Movimento sem Fim

Eu acho que é sempre importante fazer perguntas fundamentais, mas quando fazemos uma pergunta fundamental, a maioria de nós está a procurar uma resposta, e desta forma a resposta será invariavelmente superficial, porque não existe resposta “sim ou não” para a vida. A vida é um movimento, um movimento sem fim, e para investigar esta coisa extraordinária chamada vida, com todos os seus aspectos inumeráveis, devemos colocar perguntas fundamentais e nunca ficar satisfeito com as respostas, por mais satisfatórias que estas possam parecer, porque no momento em que obtiver uma resposta, a mente chega a uma conclusão, e uma conclusão não é vida – é meramente um estado estático. Assim o que é importante é fazer as perguntas fundamentais mas nunca ficar satisfeito com as respostas, por mais inteligentes e por mais lógicas que sejam, porque a verdade da questão reside para além da conclusão, para além da resposta, para além da expressão verbal. A mente que coloca uma questão e fica satisfeita com uma mera explicação, uma expressão verbal, permanece superficial. Apenas a mente que coloca uma questão fundamental e que é capaz de perseguir essa questão até ao fim – apenas uma mente desse tipo é que pode descobrir o que é a verdade.

Continue lendo…

Mente Estável e Mente Instável

O homem capaz de sacrificar de ânimo leve um hábito mental há muito tempo formado constitui uma excepção. A grande maioria dos seres humanos não gosta e, na realidade, até detesta todas as noções com as quais não estão familiarizados. .
A tendência do homem de mente estável, quer seja introvertido ou extrovertido, visionário ou não visionário, será sempre para verificar que «aquilo que está, está certo». Menos sujeito aos hábitos de raciocínio formados na mocidade, os de mente instável naturalmente que sentem prazer em tudo o que é novo e revolucionário. É aos de mente instável que devemos o progresso em todas as suas formas, assim como todas as formas de revolução destrutiva. Os de mente estável, devido à sua relutância em aceitar modificações, dão à estrutura social a sua sólida durabilidade. Há no mundo muito mais gente de mente estável que instável (se as proporções fossem trocadas viveríamos num caos); mas em todos menos em alguns momentos muito excepcionais, eles possuem o poder e a riqueza mais do que proporcional ao seu número. Daí resulta que, ao aparecerem pela primeira vez, os inovadores foram geralmente perseguidos e sempre escarnecidos como lunáticos e loucos.
Um herético, de acordo com a admirável definição de Bossuet,

Continue lendo…

Subconsciente com Vida Própria

Quando o subconsciente é abandonado a si próprio por um momento, ele começa, muito simplesmente, a tecer uma trama. Cria uma identidade para si próprio, adapta-se ao meio e produz diligentemente novas formas de preencher o súbito vácuo que se cria quando esquecemos a realidade imediata. Parece não haver nada de que o subconsciente tenha tanto medo como a sensação de não ser ninguém.

O Ingrato e o seu Oposto

O ingrato tortura-se e aflige-se a si mesmo; odeia os benefícios que recebe por ter de retribuí-los, procura reduzir a sua importância e, pelo contrário, agigantar enormemente as ofensas que lhe foram causadas. Há alguém mais miserável do que um homem que se esquece dos benefícios para só se lembrar das ofensas? A sabedoria, pelo contrário, valoriza todos os benefícios, fixa-se na sua consideração, compraz-se em recordá-los continuamente. Os maus só têm um momento de prazer, e mesmo esse breve: o instante em que recebem o benefício; o sábio, pelo seu lado, extrai do benefício recebido uma satisfação grande e perene. O que lhe dá prazer não é o momento de receber, mas sim o facto de ter recebido o benefício; isto é para ele algo de imortal, de permanente. O sábio não tem senão desprezo por aquilo que o lesou; tudo isso ele esquece, não por incúria, mas voluntariamente. Não interpreta tudo pelo pior, não procura descobrir o culpado do que lhe sucedeu, preferindo atribuir os erros dos homens à fortuna.
Não atribui más intenções às palavras ou aos olhares dos outros, antes procura dar do que lhe fazem uma interpretação benevolente. Prefere lembrar-se do bem que lhe fizeram,

Continue lendo…

Aprendendo a Viver

Thoreau era um filósofo americano que, entre coisas mais difíceis de se assimilar assim de repente, numa leitura de jornal, escreveu muitas coisas que talvez possam nos ajudar a viver de um modo mais inteligente, mais eficaz, mais bonito, menos angustiado.
Thoreau, por exemplo, desolava-se vendo seus vizinhos só pouparem e economizarem para um futuro longínquo. Que se pensasse um pouco no futuro, estava certo. Mas «melhore o momento presente», exclamava. E acrescentava: «Estamos vivos agora.» E comentava com desgosto: «Eles ficam juntando tesouros que as traças e a ferrugem irão roer e os ladrões roubar.»
A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe.

Cada um de nós, aliás, fazendo um exame de consciência, lembra-se pelo menos de vários agoras que foram perdidos e que não voltarão mais. Há momentos na vida que o arrependimento de não ter tido ou não ter sido ou não ter resolvido ou não ter aceito, há momentos na vida em que o arrependimento é profundo como uma dor profunda.
Ele queria que fizéssemos agora o que queremos fazer.

Continue lendo…

O Presente Inexistente

Nunca nos detemos no momento presente. Antecipamos o futuro que nos tarda, como para lhe apressar o curso; ou evocamos o passado que nos foge, como para o deter: tão imprudentes, que andamos errando nos tempos que não são nossos, e não pensamos no único que nos pertence; e tão vãos, que pensamos naqueles que não são nada, e deixamos escapar sem reflexão o único que subsiste. É que o presente, em geral, fere-nos. Escondemo-lo à nossa vista porque nos aflige; e se nos é agradável, lamentamos vê-lo fugir. Tentamos segurá-lo pelo futuro, e pensamos em dispor as coisas que não estão na nossa mão, para um tempo a que não temos garantia alguma de chegar.
Examine cada um os seus pensamentos, e há-de encontrá-los todos ocupados no passado ou no futuro. Quase não pensamos no presente; e, se pensamos, é apenas para à luz dele dispormos o futuro. Nunca o presente é o nosso fim: o passado e o presente são meios, o fim é o futuro. Assim, nunca vivemos, mas esperamos viver; e, preparando-nos sempre para ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos.

Desencanto em Função da Posse

Nada me encanta já; tudo me aborrece, me nauseia. Os meus próprios raros entusiasmos, se me lembro deles, logo se me esvaem – pois, ao medi-los, encontro os tão mesquinhos, tão de pacotilha… Quer saber? Outrora, à noite, no meu leito, antes de dormir, eu punha-me a divagar. E era feliz por momentos, entressonhando a glória, o amor, os êxtases… Mas hoje já não sei com que sonhos me robustecer. Acastelei os maiores… eles próprios me fartaram: são sempre os mesmos – e é impossível achar outros… Depois, não me saciam apenas as coisas que possuo – aborrecem-me também as que não tenho, porque, na vida como nos sonhos, são sempre as mesmas. De resto, se às vezes posso sofrer por não possuir certas coisas que ainda não conheço inteiramente, a verdade é que, descendo-me melhor, logo averiguo isto: Meu Deus, se as tivera, ainda maior seria a minha dor, o meu tédio.