Textos sobre Nuvens

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Textos de nuvens escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Interior da Alma

O olho do espírito em parte nenhuma pode encontrar mais deslumbramentos, nem mais trevas, do que no homem, nem fixar-se em coisa nenhuma, que seja mais temível, complicada, misteriosa e infinita. Há um espectáculo mais solene do que o mar, é o céu; e há outro mais solene do que o céu, é o interior da alma.
Fazer o poema da consciência humana, mas que não fosse senão a respeito de um só homem, e ainda nos homens o mais ínfimo, seria fundir todas as epopeias numa epopeia superior e definitiva. A consciência é o caos das quimeras, das ambições e das tentativas, o cadinho dos sonhos, o antro das ideias vergonhosas: é o pandemónio dos sofismas, é o campo de batalha das paixões. Penetrai, a certas horas, através da face lívida de um ser humano, e olhai por trás dela, olhai nessa alma, olhai nessa obscuridade. Há ali, sob a superfície límpida do silêncio exterior, combates de gigante como em Homero, brigas de dragões e hidras, e nuvens de fantasmas, como em Milton, espirais visionárias como em Dante.

A Alma Hipertrofiada

O rapaz que aos vinte anos se inscreve no partido comunista ou que, de espingarda na mão, se junta à guerrilha das montanhas, está fascinado pela sua própria imagem de revolucionário: é ela que o distingue de todos os outros, é ela que o faz transformar-se em si próprio. Na origem da sua luta encontra-se um amor exacerbado e insatisfeito pelo seu eu, ao qual ele deseja dar contornos bem nítidos, antes de o enviar (realizando o gesto do desejo de imortalidade, tal como o descrevi) para o grande palco da História sobre o qual convergem milhares de olhares: e nós sabemos já, pelo exemplo de Mychkine e de Nastassia Philippovna, que sob os olhares intensantemente assestados nela a alma não pára de crescer, de inchar, de ganhar volume, para finalmente levantar voo em direcção ao firmamento como um aeróstato magnificamente iluminado.
O que incita as pessoas a erguerem o punho, a pegarem numa espingarda, a defenderem juntas causas justas ou injustas, não é a razão, mas a alma hipertrofiada. É este o carburante sem o qual o motor da História não poderia funcionar e à falta do qual a Europa teria ficado deitada na relva, a olhar preguiçosamente as nuvens que pairam no céu.

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A Nossa Vida é Estilhaçada pelo Pormenor

Vivemos mesquinhamente, quais formigas, ainda que a fábula nos relate que há muito tempo atrás fomos transformados em homens; como os pigmeus lutamos com gruas; e é erro sobre erro, remendo sobre remendo, e a nossa melhor virtude decorre de uma miséria supérflua e evitável. A nossa vida é estilhaçada pelo pormenor.
Um homem honesto dificilmente precisa de contar para além dos seus dez dedos das mãos, acrescentando, em caso extremo, os seus dez dedos dos pés, e o resto que se amontoe. Simplicidade, simplicidade, simplicidade! Digo: ocupai-vos de dois ou três afazeres, e não de cem ou mil; contai meia dúzia em vez de um milhão e tomai nota das receitas e despesas na ponta do polegar. A meio do agitado mar da vida civilizada, tantas são as nuvens, as tempestades, as areias movediças, tantos são os mil e um imprevistos a ser levados em conta, que para não se afundar, para não ir a pique antes de chegar ao porto, um homem tem de ser um grande calculista para lograr êxito.
Simplificar, simplificar, simplificar. Em vez de três refeições por dia, se preciso for, comer apenas uma; em vez de cem pratos, cinco; e reduzir proporcionalmente as outras coisas.

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O Tabu e a Metáfora

A metáfora é provavelmente a potência mais fértil que o homem possui. A sua eficiência chega a raiar os confins da taumaturgia e parece uma ferramenta de criação que Deus deixou esquecida dentro de uma das suas criaturas na ocasião em que a formou, como o cirurgião distraído deixa um instrumento no ventre do operado.
Todas as demais potências nos mantêm inscritos no interior do real, do que já é. O mais que podemos fazer é somar ou subtrair as coisas entre si. Só a metáfora nos facilita a evasão e cria entre as coisas reais recifes imaginários, floração de leves ilhas.
É verdadeiramente estranha a existência no homem desta actividade mental que consiste em substituir uma coisa por outra, não tanto no esforço de chegar à segunda como no intento de esquivar a primeira. A metáfora escamoteia um objecto mascarando-o por meio de outro, e não teria sentido se não víssemos nela um instinto que induz o homem a evitar as realidades.
Ao interrogar-se sobre qual poderia ser a origem da metáfora, um psicólogo recentemente descobriu, surpreendido, que uma das suas raízes se encontra no espírito do tabu. Houve uma época em que o medo foi a máxima inspiração humana,

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Nuvens e ventos e nada de chuva é o que promete e não cumpre

Nuvens e ventos e nada de chuva é o que promete e não cumpre.

Quantas Vezes a Insónia é um Dom

Mas quantas vezes a insónia é um dom. De repente acordar no meio da noite e ter essa coisa rara: solidão. Quase nenhum ruído. Só o das ondas do mar batendo na praia. E tomo café com gosto, toda sozinha no mundo. Ninguém me interrompe o nada. É um nada a um tempo vazio e rico. E o telefone mudo, sem aquele toque súbito que sobressalta. Depois vai amanhecendo. As nuvens se clareando sob um sol às vezes pálido como uma lua, às vezes de fogo puro. Vou ao terraço e sou talvez a primeira do dia a ver a espuma branca do mar. O mar é meu, o sol é meu, a terra é minha. E sinto-me feliz por nada, por tudo. Até que, como o sol subindo, a casa vai acordando e há o reencontro com meus filhos sonolentos.

Exercitar a Vontade Naquilo que Podemos Ter de Melhor

Ponho-me a pensar na quantidade dos que exercitam o físico, e na escassez dos que ginasticam a inteligência; na afluência que têm os gratuitos espectáculos desportivos, e na ausência de público durante as manifestações culturais; enfim, na debilidade mental desses atletas de quem admiramos as espáduas musculadas. E penso sobreutdo nisto: se o corpo pode, à força de treino, atingir um grau de resistência tal que permite ao atleta suportar a um tempo os murros e pontapés de vários adversários, que o torna apto a aguentar um dia inteiro sob um sol abrasador, numa arena escaldante, todo coberto de sangue – não será mais fácil ainda dar à alma uma tal robustez que a torne capaz de resistir sem ceder aos golpes da fortuna, capaz de erguer-se de novo ainda que derrubada e espezinhada?! De facto, enquanto o corpo, para se tornar vigoroso, depende de muitos factores materiais, a alma encontra em si mesma tudo quanto necessita para se robustecer, alimentar, exercitar. Os atletas precisam de grande quantidade de comida e bebida, de muitos unguentos, sobretudo de um treino intensivo: tu, para atingires a virtude, não precisarás de dispender um tostão em equipamento! Aquilo que pode fazer de ti um homem de bem existe dentro de ti.

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Os Dois Infinitos

Duas coisas enchem a alma de admiração e de respeito sempre renovados e que aumentam à medida que o pensamento mais vezes se concentra nelas: acima de nós, o céu estrelado; no nosso íntimo, a lei moral. Não é necessário buscá-las e adivinhá-las como se estivessem ofuscadas por nuvens ou situadas em região inacessível, para além do meu horizonte; vejo-as ante mim e relaciono-as imediatamente com a consciência da minha existência. A primeira, a partir do lugar que ocupo no mundo exterior, estende a relação do meu ser com as coisas sensíveis a todo esse imenso espaço onde os mundos se sucedem aos mundos e os sistemas aos sistemas e a toda a duração ilimitada dos seus movimentos periódicos. A segunda parte do meu invisível eu, da minha personalidade e do meu posto num mundo que possui a verdadeira infinitude, mas no qual o entendimento mal pode penetrar e ao qual reconheço estar vinculado por uma relação não apenas contingente, mas universal e necessária (relação que também alargo a todos esses mundos visíveis).
Numa, a visão de uma infinidade de mundos quase aniquila a minha importância, na medida em que me considero uma criatura animal que, depois de ter (não se sabe como) gozado a vida durante um breve lapso de tempo,

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Regressar à Inocência

Seja como as crianças, mantenha os olhos abertos, sem preconceitos escondidos atrás da vista. Se olhar com clareza, pequenas flores, ou pedaços de relva, ou borboletas, ou um pôr do Sol proporcionar-lhe-ão tanta felicidade quanto a que Gautama Buda encontrou na sua iluminação. Isto não depende das coisas, mas sim da sua abertura. O conhecimento fecha-o; transforma-se numa cerca, numa prisão. Mas a inocência abre todas as portas e todas as janelas.
O sol entra e uma brisa fresca flui.
De repente, o perfume das flores faz-lhe uma visita.
E de vez em quando um pássaro virá cantar uma canção e entrar por outra janela.
A inocência é a única religiosidade que existe.
A religiosidade não depende das escrituras sagradas nem do que se sabe sobre o mundo. Só depende de se estar preparado para ser como um espelho límpido, que nada reflecte.
Um total silêncio, inocência, pureza… e toda a existência é transformada para si. Cada momento passa a ser de êxtase. As pequenas coisas, como beber uma chávena de chá, tornam-se orações tão poderosas que nenhuma outra oração se lhes pode comparar. Basta observar uma nuvem a mover-se livremente no céu, e da inocência surge uma sincronicidade.

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A História e o Progresso ao Sabor do Vento

Na sua maior parte a história faz-se sem autores. Não acontece a partir de um centro, mas da periferia. De pequenas causas. Talvez não seja tão difícil como se pensa fazer do homem gótico ou do grego antigo o homem da civilização moderna. Porque a natureza humana é tão capaz do canibalismo como da crítica da razão pura; é capaz de realizar as duas coisas com as mesmas convicções e as mesmas qualidades, se as circunstâncias forem propícias, e nesses processos a grandes diferenças externas correspondem diferenças internas mínimas.
(…) O caminho da história não é o de uma bola de bilhar que, uma vez jogada, percorre uma determinada trajectória; assemelha-se antes ao caminho das nuvens, ou ao de um vagabundo a deambular pelas vielas, que se distrai a observar, aqui uma sombra, ali um magote de gente, mais adiante o recorte curioso das fachadas, até que por fim chega a um ponto que não conhece e por onde nem tencionava passar. Há no decurso da história universal um certo erro de percurso. O presente é sempre como a última casa de uma cidade, que de certo modo já não faz bem parte do casario dessa cidade. Cada geração pergunta,

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Verosimilhança não é Verdade

Quase sempre as suspeitas nos inquietam; somos sempre o joguete desses boatos de opinião, que tantas vezes põe em fuga um exército, quanto mais um simples indivíduo. (…) nós rendemo-nos prontamente à opinião. Não fazemos a crítica das razões que nos levam ao temor, não as esquadrinhamos. Perdemos todo o sangue-frio, batemos em retirada, como os soldados expulsos do seu campo à vista da nuvem de poeira que levanta uma tropa a galope, ou tomados de terror colectivo por causa de um boato semeado sem garante.
Não sei como, mas as falsidades perturbam-nos desde logo. A verdade traz consigo a sua própria medida; tudo quanto se funda sobre uma incerteza, porém, fica entregue à conjectura e às fantasias de um espírito perturbado.
Eis porque, entre as mais diversas formas do medo, não há outra mais desastrosa, mais incoercível que o medo pânico. Nos casos ordinários, a reflexão é falha; nestes, a inteligência está ausente.
Interroguemos, pois, cuidadosamente a realidade. É verosímil que uma desgraça venha a produzir-se? Verosimilhança não é verdade. Quantos acontecimentos ocorreram sem que os esperássemos! Quantos acontecimentos esperados que jamais ocorreram! Mesmo que venham a produzir-se, que é que lucraremos em nos anteciparmos à nossa dor?

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Saber Sair na Hora Certa

Não esperar até ser sol poente. É máxima do cordo deixar as coisas antes que elas o deixem. Que se saiba converter em triunfo o próprio fenecer, pois às vezes mesmo o sol, ainda brilhante, costuma retirar-se numa nuvem para que não o vejamos cair, e nos deixa suspensos, não sabendo se ele se pôs ou não. Furte-se aos ocasos para não rebentar de desdouros; não espere que lhe voltem as costas, porque o sepultarão vivo para o sentimento e morto para a estima. O atilado dispensa a tempo o cavalo em que corre, e não espera que, caindo, faça erguer-se o riso no meio da corrida; que a beleza quebre o espelho com tempo e com astúcia, e não com impaciência depois, ao ver o seu desengano.