Textos sobre Próprio

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Textos de próprio escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Felicidade não Tem Medida

Não duvidas de que a vida feliz seja o supremo bem; logo, se a vida possui o supremo bem, então é sumamente feliz. E tal como o supremo bem não pode receber qualquer acréscimo (o que haveria acima do supremo?!), também a vida feliz o não pode, pois a felicidade não existe sem o supremo bem. Repara: se disseres que alguém é “mais” feliz, tornarás possível que se diga também “muito mais”; e assim irás fazendo inúmeras gradações no supremo bem, quando por “sumo bem” eu entendo tudo o que não tem valor algum acima de si. Se alguém é menos feliz do que um outro, segue-se que preferirá a vida desse outro (por ser mais feliz) à sua própria; ora, um homem feliz não considera nada preferível à sua vida.
Qualquer destas duas situações é inaceitável: existir algo que o homem feliz preferiria ter em lugar daquilo que tem, ou não preferir ter algo que seja melhor do que aquilo que tem. De facto, quanto mais um homem é avisado, tanto mais se procurará chegar ao que há de melhor, e ambicionará alcançá-lo seja de que modo for. Ora, como pode ser feliz alguém que pode, que deve mesmo,

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A Individualidade Não Se Deixa Representar

Conselho ao intelectual: Não deixes que te representem. A fungibilidade das obras e das pessoas e a crença daí derivada de que todos têm de poder fazer tudo revelam-se no seio do estado vigente como grilhões. O ideal igualitário da representatividade é uma fraude, se não for sustentado pelo princípio da revogabilidade e da responsabilidade do rank and file. O mais poderoso é justamente o que menos faz, o que mais se pode encarregar daquele a que se dedica e sua vantagem arrecada. Parece colectivismo e fica-se apenas pela demasiado boa opinião de si mesmo, pela exclusão do trabalho, graças à disposição do trabalho alheio.
Na produção material está solidamente implantada a substituibilidade. A quantificação dos processos laborais diminui tendencialmente a diferença entre o encargo do director geral e o do empregado de uma estação de serviço. É uma ideologia miserável pensar que, nas actuais condições, para a admininstração de um trust se requer mais inteligência, experiência e preparação do que para ler um manómetro. Mas enquanto na produção material há um apego tenaz a esta ideologia, o espírito da que lhe é contrária cai na submissão. Tal é a cada vez mais ruinosa doutrina da universitas litterarum, da igualdade de todos na república das ciências,

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O Amolecimento pela Sociedade de Consumo

Nos países subdesenvolvidos, a arte (literatura, pintura, escultura) entra quase sempre em conflito com as classes possidentes, com o poder instituído, com as normas de vida estabelecidas. Em revolta aberta, o artista, originário por via de regra da média e da pequena burguesia ou mais raramente das classes proletárias, contesta o statu quo, propõe soluções revolucionárias ou, quando estas não podem sequer divisar-se, limita-se a derruir (ou a tentar fazê-lo pela crítica, violenta ou irónica) o baluarte dos preconceitos, das defesas que os beneficiários do sistema de produção ergueram contra as aspirações da maioria. Nas sociedades industriais mais adiantadas, o artista pode permanecer numa atitude idêntica de inconformismo; porém, os resultados da sua actividade de criação e reflexão tornam-se matéria vendável e, nalguns casos, matéria integrável.
O consumo do objecto artístico, seja ele o livro, o quadro ou o disco, quando feito sob uma tutela de opinião, que os meios de comunicação de massa, em escala larguíssima , exercem, torna-se, senão totalmente inócuo, pelo menos parcialmente esvaziado do seu conteúdo crítico. Despotencializa-se. Amolece. É o que se verifica, por exemplo, em boa parte, nos Estados Unidos. A ideologia repressiva da liberdade no mundo capitalista monopolista torna-se tanto mais perigosa quanto aborve,

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A Culpa é Sentirmo-nos Culpados

A culpa é sentirmo-nos culpados, e não um resultado dos crimes cometidos; o ser inocente é alegre, feliz, e não deixa, seja em que caso for, que os acontecimentos perturbem a sua calma e a sua paz. É por isso que considero que a justiça erra quando executa os menos em vez dos mais culpados, quer dizer quando executa os criminosos e não aqueles que sentem que têm no coração a culpa do mundo. Isso equivale a executar crianças por acções que cometeram no escuro quando ignoravam tudo acerca do escuro e das reacções que provoca no funcionamento dos corpos. Uma vez que são culpados apenas os que se sentem culpados, seria necessário suprimir a justiça distribuitiva de castigos e substituí-la por uma justiça executora, porque ao fim de algum tempo aquele que a culpa mortifica já só aspira a morrer, a morrer pelas faltas do mundo como pelas suas próprias faltas, e pode sem a mínima hesitação, sim, sem a menor angústia de morte, uma vez que nada tem a esperar agora que tocou finalmente o fundo do mundo, pedir à justiça a sua pena de morte – e nunca outra cabeça se curvará mais graciosamente do que a sua por baixo da guilhotina,

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Todas as Nossas Paixões se Justificam a Si Próprias

Existem duas ocasiões distintas em que examinamos a nossa própria conduta e buscamos vê-la sob a luz em que o espectador imparcial a veria: primeiro, quando estamos prestes a agir; e, segundo, depois que agimos. Em ambos os casos os nossos juízos tendem a ser bastante parciais, mas eles tendem a tornar-se ainda mais parciais quando seria da maior importância que não fossem. Quando estamos prestes a agir, a veemência da paixão raramente nos permitirá considerá-la com a isenção de uma pessoa neutra. As violentas emoções que nesse momento nos agitam distorcem os nossos juízos sobre as coisas, mesmo quando buscamos colocar-nos na situação de outra pessoa. (…) Por essa razão, como diz Malebranche, todas as nossas paixões se justificam a si próprias, e parecem razoáveis e proporcionais aos seus objectos enquanto nós estivermos a senti-las. (… ) A opinião que cultivamos do nosso próprio carácter depende inteiramente dos nossos juízos acerca da nossa conduta passada. Mas é tão desagradável pensarmos mal de nós mesmos que amiúde afastamos propositadamente o nosso olhar das circunstâncias que poderiam tornar o julgamento desfavorável. (…) Esse auto-engano, essa fraqueza fatal dos homens, é a fonte de metade das desordens da vida humana. Se pudéssemos ver-nos como os outros nos vêem,

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A Felicidade Reside Sempre no Futuro ou no Passado

A sedutora miragem do distante mostra-nos paraísos que desvanecem, semelhantes a ilusões de óptica, assim que nos deixamos arrebatar por ela. A felicidade reside sempre, portanto, no futuro, ou ainda no passado, e o presente parece ser uma nuvenzinha escura que o vento empurra sobre a planície ensolarada; na frente e atrás dela, tudo é claro; sozinha, não cessa ela própria de projectar uma sombra.

A Inutilidade de qualquer Esforço Desinteressado

Desde que me convenci da inutilidade de qualquer esforço desinteressado, nunca mais pensei em escrever um livro; limito-me a apontamentos. Inútil por inútil, diminua ao menos a maçada. Estes apontamentos são a respeito da política do futuro. Contêm um plano político. Não serão adoptados na prática, porque a prática não adopta, mas cria. Escrevo-os como se escrevesse um poema – e é esta a única atitude razoável que recomenda o próprio teorista: considere-se poeta, ou, se não, cale-se.

Álvaro de

Tempo e Idade

A jovialidade e a coragem da vida, características da juventude, devem-se em parte ao facto de estarmos a subir a colina, sem ver a morte situada no sopé do outro lado. Porém, ao transpormos o cume, avistamos de facto a morte, até então conhecida só de ouvir dizer. Ora, como ao mesmo tempo a força vital começa a diminuir, a coragem também decresce, de modo que, nesse momento, uma seriedade sombria reprime a audácia juvenil e estampa-se no nosso rosto. Enquanto somos jovens, digam o que quiserem, consideramos a vida como sem fim e usamos o nosso tempo com prodigalidade. Contudo, quanto mais velhos ficamos, mais o economizamos. Na velhice, cada dia vivido desperta uma sensação semelhante à do delinquente ao dirigir-se ao julgamento.
Do ponto de vista da juventude, a vida é um futuro infinitamente longo; do da velhice, é um passado bastante breve. Desse modo, o começo apresenta-se-nos como as coisas ao serem vistas pela lente objectiva do binóculo de opera; o fim, entretanto, como se vistas pela ocular. É preciso ter envelhecido, portanto ter vivido muito, para reconhecer como a vida é breve. O próprio tempo, na juventude, dá passos bem mais lentos. Por conseguinte, o primeiro quartel da vida é não só o mais feliz,

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Indulgência com os Outros

Para sobreviver por este mundo afora, é conveniente levar consigo uma grande provisão de precaução e indulgência. Pela primeira seremos protegidos de danos e perdas, pela segunda, de disputas e querelas. Quem tem de viver entre os homens não deve condenar, de maneira incondicionada, individualidade alguma, nem mesmo a pior, a mais mesquinha ou a mais ridícula, pois ela foi definitivamente estabelecida e ofertada pela natureza. Deve-se, antes, tomá-la como algo imutável que, em virtude de um princípio eterno e metafísico, tem de ser como é. Quanto aos casos mais lamentáveis, deve-se pensar: «É preciso que haja também tais tipos no mundo.» Do contrário, comete-se uma injustiça e desafia-se o outro a uma guerra de vida ou morte, já que ninguém pode mudar a sua própria individualidade, isto é, o seu carácter moral, as suas faculdades de conhecimento, o seu temperamento, a sua fisionomia, etc. Ora, se condenarmos o outro em toda a sua essência, então nada lhe restará a não ser combater em nós um inimigo mortal, pois só lhe reconhecemos o direito de existir sob a condição de tornar-se uma pessoa diferente da que invariavelmente é.
Portanto, para vivermos entre os homens, temos de deixar cada um existir como é,

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As Três Fases da Moralidade

Temos o primeiro sinal de que o animal se tornou homem, quando a sua actuação já não se relaciona com o bem-estar momentâneo, mas com o duradouro, pro­va de que o homem adquire o sentido do “útil”, do “adequado”: é então que, pela primeira vez, irrompe o livre senhorio da razão. Um estádio ainda mais ele­vado é alcançado, quando ele age consoante o prin­cípio da honra; graças ao mesmo, ele adapta-se, sub­mete-se a sentimentos comuns, e isso ergue-o muito acima da fase, em que só a utilidade entendida em termos pessoais o guiava: ele respeita e quer ser res­peitado, isto é, entende o proveito como dependente do que ele opina acerca dos outros, do que os outros opinam acerca dele. Finalmente, na fase mais eleva­da da moralidade em uso até agora, ele age segundo o seu critério quanto às coisas e às pessoas, ele próprio determina para si e para outros o que é honroso, o que é útil; tornou-se o legislador das opiniões, em conformidade com o conceito cada vez mais desen­volvido do útil e do honroso. O conhecimento habi­lita-o a preferir o mais útil, ou seja, a colocar o pro­veito geral e duradouro à frente do pessoal, a respeitosa estima de valia geral e duradoura à frente da momentânea;

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A Celebridade é um Plebeísmo

Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade.
A celebridade é um plebeísmo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas acções – ridiculamente humanas às vezes – que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para espectaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade.
Depois, além dum plebeísmo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de génio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu génio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele próprio.

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Só Hoje

1. Só hoje, vou ser feliz. Isto pressupõe que o que Abraham Lincoln disse é verdadeiro: «A maioria das pessoas é feliz na medida em que resolve sê-lo.» A felicidade está dentro de nós, não é uma questão exterior.

2. Só hoje, vou tentar adaptar-me às coisas como elas são e não tentar adaptar tudo aos meus próprios desejos. Vou aceitar a minha família, o meu trabalho e a minha sorte tal como são e adaptar-me a eles.

3. Só hoje, vou cuidar do meu corpo. Vou exercitá-lo, cuidar dele, nutri-lo, não abusar dele nem negligenciá-lo, para que seja uma máquina perfeita ao meu dispor.

4. Só hoje, vou tentar fortalecer a minha mente. Vou aprender alguma coisa útil. Não vou ser um preguiçoso mental. Vou ler alguma coisa que exija esforço, raciocínio e concentração.

5. Só hoje, vou exercitar a minha mente de três maneiras: vou fazer bem a alguém sem essa pessoa descobrir. Vou fazer pelo menos duas coisas que não quero fazer, como sugere William James, só para me exercitar.

6. Só hoje, vou ser agradável. Vou apresentar-me o melhor que puder, vestir-me o mais correctamente possível,

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A Superficialidade dos Grandes Espíritos

Não há nada de mais perigoso para o espírito do que a sua relação com as grandes coisas. Alguém deambula por uma floresta, sobe a um monte e vê o mundo estendido a seus pés, olha para um filho que lhe colocam pela primeira vez nos braços, ou desfruta da felicidade de assumir uma posição invejada por todos. Perguntamos: o que se passa nele em tais momentos? Ele próprio certamente pensa que são muitas coisas, profundas e importantes; mas não tem presença de espírito suficiente para, por assim dizer, as tomar à letra. O que há de admirável, diante dele e fora dele, que o encerra numa espécie de gaiola magnética, arranca os pensamentos do seu interior. O seu olhar perde-se em mil pormenores, mas ele tem a secreta sensação de ter esgotado todas as munições. Lá fora, esse momento inspirado, solar, profundo, essa grande hora, recobre o mundo com uma camada de prata galvanizada que penetra todas as folhinhas e veias; mas na outra extremidade em breve se começa a notar uma certa falta de substância interior, e nasce aí uma espécie de grande «O», redondo e vazio. Este estado é o sintoma clássico do contacto com tudo o que é eterno e grande,

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O Que é a Religião ?

De início, portanto, em vez de perguntar o que é religião, eu preferiria indagar o que caracteriza as aspirações de uma pessoa que me dá a impressão de ser religiosa: uma pessoa religiosamente esclarecida parece-me ser aquela que, tanto quanto lhe foi possível, libertou-se dos grilhões, dos seus desejos egoístas e está preocupada com pensamentos, sentimentos e aspirações a que se apega em razão do seu valor suprapessoal. Parece-me que o que importa é a força desse conteúdo suprapessoal, e a profundidade da convicção na superioridade do seu significado, quer se faça ou não alguma tentativa de unir esse conteúdo com um Ser divino, pois, de outro modo, não poderíamos considerar Buda e Espinoza como personalidades religiosas. Assim, uma pessoa religiosa é devota no sentido de não ter nenhuma dúvida quanto ao valor e eminência dos objectivos e metas suprapessoais que não exigem nem admitem fundamentação racional. Eles existem, tão necessária e corriqueiramente quanto ela própria.

Nesse sentido, a religião é o antiquíssimo esforço da humanidade para atingir uma clara e completa consciência desses valores e metas e reforçar e ampliar incessantemente o seu efeito. Quando concebemos a religião e a ciência segundo estas definições, um conflito entre elas parece impossível.

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A Inveja é uma Admiração que se Dissimula

A inveja é uma admiração que se dissimula. O admirador que sente a impossibilidade de ser feliz cedendo à sua admiração, toma o partido de invejar. Usa então duma linguagem diferente, segundo a qual o que no fundo admira deixa de ter importância, não é mais do que patetice insípida, extravagância. A admiração é um abandono de nós próprios penetrado de felicidade, a inveja, uma reivindicação infeliz do eu.

O Mundo é a Minha Representação

O mundo é a minha representação. Esta proposição é uma verdade para todo o ser vivo e pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstracto e reflectido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra; mas apenas olhos que vêem este sol, mãos que tocam esta terra; numa palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem.
Se existe uma verdade que se possa afirmar à priori é bem esta, pois ela exprime o modo de toda a experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral mesmo que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam. Com efeito, cada um destes conceitos, nos quais reconhecemos formas diversas do princípio de razão, apenas é aplicável a uma ordem determinada de representações; a distinção entre sujeito e objecto é, pelo contrário, o modo comum a todas, o único sob o qual se pode conceber uma qualquer representação, abstracta ou intuitiva, racional ou empírica.

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Quando o Homem Quer

Sim, o homem é o seu próprio fim. E é o seu único fim. Se quer ser qualquer coisa, tem de ser nesta vida. Agora sei, aliás, que embora conquistadores falem algumas vezes de vencer e de exceder, o que eles querem sempre dizer é «excederem-se». Suponho que sabem o que isto quer dizer. Em certos momentos, todos os homens se sentem iguais a um deus. É assim, pelo menos, que se diz. Mas isto vem do facto de eles terem sentido, num instante, a espantosa grandeza do espírito humano. Os conquistadores são somente aqueles homens que sentem a sua força, o bastante para terem a certeza de viver constantemente nessas alturas e na plena consciência dessa grandeza. É uma questão de aritmética, de mais ou de menos. Os conquistadores são os que podem mais. Mas não podem mais do que o próprio homem quando ele o quer. É por isso que eles nunca deixam o crisol humano, mergulhando no mais ardente da alma das revoluções.

O Português

Prefere ser um rico desconhecido, a ser um herói pobre. É melhor do que parece. O homem português é dissimulado, e fez da inveja um discurso do bom senso e dos direitos humanos.
Mas é também um homem de paixões moderadas pela sensibilidade, o que faz dele um grande civilizado.
Gosta das mulheres, o que explica o estado de dependência em que as pretende manter. A dependência é uma motivação erótica.
É inovador mas tem pouco carácter, como é próprio dos superiormente inteligentes, tanto cientistas, como filósofos e criadores em geral.
Mente muito, e a verdade que se arroga é uma culpa inibida. Vemos que ele se mantém num estado primitivo quando defende a sua área de partido, de seita e de família, à custa de corrupções e de crimes, se for preciso.
Gosta do poder mas não da notoriedade. Não tem o sentido da eternidade, mas sim o prazer da liberdade imediata. Não é democrata; excepto se isso intimidar os seus adversários.
Não tem génio, tem habilidade.
É imaginativo mas não pensador.
É culto mas não experiente.
Não gosta da lei, porque ela desvaloriza a sua própria iniciativa. É místico com a fábula e viril com a desgraça.

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O Homem é um Animal Afectivo ou Sentimental, não Racional

Na maior parte das histórias da filosofia que conheço, os sistemas são-nos apresentados, como tendo origem uns nos outros, e os seus autores, os filósofos, aparecem apenas como meros pretextos. A biografia íntima dos filósofos, e dos homens que filosofaram, ocupa um lugar secundário. E, sem dúvida, é ela, essa biografia íntima a que mais coisas nos explica.
Cumpre-nos dizer, antes de mais, que a filosofia se inclina mais para a poesia do que para a ciência. Quantos sistemas filosóficos se forjaram, como suprema harmonização dos resultados finais das ciências particulares, num período qualquer, tendo tido muito menos consistência e menos vida do que aqueles outros que representavam o anseio integral do espírito do seu autor.
(…) A filosofia corresponde à necessidade de formarmos uma concepção unitária e total do mundo e da vida e, como consequência desse conceito, um sentimento que gere uma atitude íntima, e até uma acção. Mas resulta que esse sentimento, em vez de ser consequência daquele conceito, é a sua causa. A nossa filosofia, isto é, a nossa maneira de compreender ou de não compreender o mundo e a vida, brota do nosso sentimento respeitante à própria vida. E esta, como tudo o que é afectivo,

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O Amor em Portugal

Mesmo que Dom Pedro não tenha arrancado e comido o coração do carrasco de Dona Inês, Júlio Dantas continua a ter razão: é realmente diferente o amor em Portugal. Basta pensar no incómodo fonético de dizer «Eu amo-o» ou «Eu amo-a». Em Portugal aqueles que amam preferem dizer que estão apaixonados, o que não é a mesma coisa, ou então embaraçam seriamente os eleitos com as versões estrangeiras: «I love you» ou «Je t’aime». As perguntas «Amas-me?» ou «Será que me amas?» estão vedadas pelo bom gosto, senão pelo bom senso. Por isso diz-se antes «Gostas mesmo de mim?», o que também não é a mesma coisa.

O mesmo pudor aflige a palavra amante, a qual, ao contrário do que acontece nas demais línguas indo-europeias, não tem em Portugal o sentido simples e bonito de «aquele que ama, ou é amado». Diz-se que não sei-quem é amante de outro, e entende-se logo, maliciosamente, o biscate por fora, o concubinato indecente, a pouca vergonha, o treco-lareco machista da cervejaria, ou o opróbio galináceo das reuniões de «tupperwares» e de costura.
Amoroso não significa cheio de amor, mas sim qualquer vago conceito a leste de levemente simpático, porreiro, ou giríssimo.

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