Textos sobre Vingança

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Textos de vingança escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Fama Não Conhece Virtudes

As pessoas fazem exigências aos nomes que se tornam conhecidos de forma singular, não há diferença entre uma criança prodígio, um compositor, um poeta, um assassino. Há um que quer ter o seu retrato, o outro o seu autógrafo, um terceiro pede dinheiro, todos os colegas mais novos mandam os seus trabalhos com muitas lisonjas e pedem uma apreciação, e tanto faz não dar resposta como expressar a sua opinião, de repente aquele que venerava fica furioso, torna-se cruel e quer vingança. As revistas querem publicar o retrato do homem, os jornais contam a sua vida, as suas origens, falam do seu aspecto. Colegas de escola fazem-se conhecidos, e parentes distantes queriam já há anos dizer que o primo havia de ser famoso.

A Castração da Personalidade

O homem é um animal gregário. Político, dizia Aristóteles, ou seja, membro da cidade. Mas não só da cidade – de todas as greis espontâneas ou artificiais, estáveis ou precárias, onde quer que se encontre. Não pode suportar a ideia de estar só, consigo – quer ser unidade e não individualidade. Tem necessidade de se sentir cotovelo com cotovelo, pele com pele, no calor de uma multidão, ligado, seguro, uniforme, conforme. Se o leão anda só, em nós predomina o instinto ovino, do rebanho – os próprios individualistas, para afirmar o seu individualismo, congregam-se: sempre segundo a prática ovina.

O homem, quando só, sente-se incompleto – tem medo. Opor-se à grei significa separar-se, permanecer só, morrer. Os conceitos do bem e do mal nascem da necessidade de convivência. É bem o que aproveita ao grupo, mal o que o prejudica ou não beneficia. O rebanho não quer que cada ovelha pense demasiado em si, e como a privilegiada é a que obtém a boa opinião das outras, vê-se forçada, ainda que contra os seus gostos e interesses, a agir no sentido do bem supremo do rebanho. Há que pagar, com a castração da personalidade, a segurança contra o medo.

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A Asfixia do Artista pela Sociedade

Eu tenho medo das «teses» quando se apoderam de um artista jovem, sobretudo nos começos da sua carreira. E sabem o que eu temo? Muito simplesmente que não consiga os objectos da tese. Pensará um simpático crítico, a quem li há pouco e cujo nome agora não vou citar, que toda a obra artística isenta de tese prévia, realizada exclusivamente com um objectivo artístico, e até de assunto inteiramente secundário e não correspondendo a nada de «tendencioso» possa resultar nuns proveitos para o seu objectivo ainda que à primeira vista dê a impressão de satisfazer apenas «uma ociosa curiosidade»? Porventura as nossas pessoas cultas ainda não se deram conta do que pode passar-se no coração e na inteligência dos nossos escritores e artistas jovens? Que confusão de ideias e de sentimentos preconcebidos!

Sob a pressão da sociedade, o jovem poeta sufoca na alma o seu natural anelo de espraiar-se em formas singulares; receia que condenem a sua «ociosa curiosidade»; reprime essas formas que lhe brotam do fundo da alma; nega-lhes vida e atenção e arranca de dentro, entre espamos, o tema que à sociedade agrada, que é grato à opinião liberal e social. Mas que erro tão horrivelmente cândido e ingénuo,

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Virtude Representa Muito Mais que Bondade

Parece-me que a virtude é coisa diferente e mais nobre do que as inclinações para a bondade que nascem em nós. As almas bem ajustadas por si mesmas e bem nascidas seguem o mesmo andamento e apresentam nas suas ações a mesma aparência que as virtuosas. Porém a virtude significa não sei quê de maior e mais activo do que, por uma índole favorecida, deixar-se conduzir docemente e tranquilamente na esteira da razão. Aquele que com uma doçura e complacência naturais menosprezasse as ofensas recebidas faria coisa mui bela e digna de louvor; mas aquele que, espicaçado e ultrajado até o âmago por uma ofensa, se armasse com as armas da razão contra o furio­so apetite de vingança e após um grande conflito finalmen­te o dominasse, sem a menor dúvida seria muito mais. Aquele agiria bem, e este virtuosamente: uma acção poder-­se-ia dizer bondade; a outra, virtude, pois parece que o nome de virtude pressupõe dificuldade e oposição, e que ela não pode se exercer sem combate. Talvez seja por isso que chamamos Deus de bom, forte e liberal, e justo; mas não O chamamos de virtuoso: Os Seus actos são todos natu­rais e sem esforço.
Metelo, o único de todos os senadores romanos a se ter proposto,

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O Amor-Próprio como Fonte de Todos os Males

É preciso não confundir o amor-próprio e o amor de si mesmo, duas paixões muito diferentes pela sua natureza e pelos seus efeitos. O amor de si mesmo é um sentimento natural que leva todo o animal a velar pela sua própria conservação, e que, dirigido no homem pela razão e modificado pela piedade, produz a humanidade e a virtude. O amor-próprio é apenas um sentimento relativo, factício e nascido na sociedade, que leva cada indivíduo a fazer mais caso de si do que de qualquer outro, que inspira aos homens todos os males que se fazem mutuamente, e que é a verdadeira fonte da honra.
Bem entendido isso, repito que, no nosso estado primitivo, no verdadeiro estado de natureza, o amor-próprio não existe; porque, cada homem em particular olhando a si mesmo como o único espectador que o observa, como o único ser no universo que toma interesse por ele, como o único juiz do seu próprio mérito, não é possível que um sentimento que teve origem em comparações que ele não é capaz de fazer possa germinar na sua alma.
Pela mesma razão, esse homem não poderia ter ódio nem desejo de vingança, paixões que só podem nascer da opinião de alguma ofensa recebida.

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O Ódio liga mais os Indivíduos que a Amizade

O ódio, a inveja e o desejo de vingança ligam muitas vezes mais dois indivíduos um ao outro do que o podem fazer o amor e a amizade. Pois está em causa a comunidade de interesses interiores ou exteriores e a alegria que se sente nessa comunidade – onde é muitas vezes determinada a essência das relações positivas entre os indivíduos: o amor e a amizade – é sempre relativa e não é em nenhum caso um estado de alma permanente; mas as relações negativas, essas são, a maior parte das vezes, absolutas e constantes. O ódio, a inveja e o desejo de vingança têm, poder-se-ia dizer, o sono mais ligeiro do que o amor. O menor sopro os desperta, enquanto que o amor e a amizade continuam tranquilamente a dormir, mesmo sob o trovão e os relâmpagos.

Talento não é Sabedoria

Deixa-me dizer-te francamente o juízo que eu formo do homem transcendente em génio, em estro, em fogo, em originalidade, finalmente em tudo isso que se inveja, que se ama, e que se detesta, muitas vezes. O homem de talento é sempre um mau homem. Alguns conheço eu que o mundo proclama virtuosos e sábios. Deixá-los proclamar. O talento não é sabedoria. Sabedoria é o trabalho incessante do espírito sobra a ciência. O talento é a vibração convulsiva de espírito, a originalidade inventiva e rebelde à autoridade, a viagem extática pelas regiões incógnitas da ideia. Agostinho, Fénelon, Madame de Staël e Bentham são sabedorias. Lutero, Ninon de Lenclos, Voltaire e Byron são talentos.
Compara as vicissitudes dessas duas mulheres e os serviços prestados à humanidade por esses homens, e terás encontrado o antagonismo social em que lutam o talento com a sabedoria. Porque é mau o homem de talento ? Essa bela flor porque tem no seio um espinho envenenado ? Essa esplêndida taça de brilhantes e ouro porque é que contém o fel, que abrasa os lábios de quem a toca ? Aqui tens um tema para trabalhos superiores à cabeça de uma mulher, ainda mesmo reforçada por duas dúzias de cabeças académicas !

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A Fragilidade dos Valores

Todas as coisas «boas» foram noutro tempo más; todo o pecado original veio a ser virtude original. O casamento, por exemplo, era tido como um atentado contra a sociedade e pagava-se uma multa, por ter tido a imprudência de se apropriar de uma mulher (ainda hoje no Cambodja o sacerdote, guarda dos velhos costumes, conserva o jus primae noctis). Os sentimentos doces, benévolos, conciliadores, compassivos, mais tarde vieram a ser os «valores por excelência»; por muito tempo se atraiu o desprezo e se envergonhava cada qual da brandura, como agora da dureza.
A submissão ao direito: oh! que revolução de consciência em todas as raças aristocráticas quando tiveram de renunciar à vingança para se submeterem ao direito! O «direito» foi por muito tempo um vetitum, uma inovação, um crime; foi instituído com violência e opróbio.
Cada passo que o homem deu sobre a Terra custou-lhe muitos suplícios intelectuais e corporais; tudo passou adiante e atrasou todo o movimento, em troca teve inumeráveis mártires; por estranho que isto hoje nos pareça, já o demonstrei na Aurora, aforismo 18: «Nada custou mais caro do que esta migalha de razão e de liberdade, que hoje nos envaidece». Esta mesma vaidade nos impede de considerar os períodos imensos da «moralização dos costumes» que precederam a história capital e foram a verdadeira história,

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Ah, a Moral!

Ah, a palavra «moral»! Sempre que aparece, penso nos crimes que foram cometidos em seu nome. As confusões que este termo engendrou abarcam quase toda a história das perseguições movidas pelo homem ao seu semelhante. Para além do facto de não existir apenas uma moral, mas muitas, é evidente que em todos os países, seja qual for a moral dominante, há uma moral para o tempo de paz e uma moral para a guerra. Em tempo de guerra tudo é permitido, tudo é perdoado. Ou seja, tudo o que de abominável e infame o lado vencedor praticou. Os vencidos, que servem sempre de bode expiatório, «não têm moral».
Pensar-se-á que, se realmente glorificássemos a vida e não a morte, se déssemos valor à criação e não à destruição, se acreditássemos na fecundidade e não na impotência, a tarefa suprema em que nos empenharíamos seria a da eliminação da guerra. Pensar-se-á que, fartos de carnificina, os homens se voltariam contra os assassinos, ou seja, os homens que planeiam a guerra, os homens que decidem das modalidades da arte da guerra, os homens que dirigem a indústria de material de guerra, material que hoje se tornou indescrivelmente diabólico. Digo «assassinos», porque em última análise esses homens não são outra coisa.

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O amor da justiça nada mais é, muitas vezes

O amor da justiça nada mais é, muitas vezes, do que um ardiloso pretexto do espírito de vingança.

Nunca Competir

Toda a pretensão com oposição prejudica o crédito; a competição tira logo a desdourar, para deslustrar. São poucos os que fazem boa guerra. A emulação descobre os defeitos que a cortesia esqueceu; muitos viveram acreditados enquanto não tiveram adversários. O calor da contestação aviva ou ressuscita infâmias mortas, desenterra hediondezas passadas e antepassadas. Começa a competição com manifestos de desdouros, socorrendo-se de tudo o que pode e não deve; e, ainda que às vezes, e no mais das vezes, as ofensas não sejam armas proveitosas, delas tira vil satisfação para sua vingança, e esta sacode com tais ares que faz saltar pelos desares o pó do esquecimento. Sempre foi pacífica a benevolência e benévola a reputação.

Os Dias Zangados São Dias de Amor

Raios partam os dias zangados. Nada há que se possa fazer para fugir deles. Esperam por nós, como credores ajudados por juros injustificáveis, para nos cortarem a fatia do nosso coração que lhes cabe.
Não são como os dias tristes, que não conseguem habituar-se a uma realidade qualquer, que se revelou, sem querer, desiludindo-nos de uma ilusão que nós próprios inventámos, para mais facilmente podermos acreditar, falsamente, nela. Mas assemelham-se para mais bem nos poderem magoar. Depois. Quase ao mesmo tempo. Bem.
Quem não tem um dia zangado, em que ninguém ou nada corresponde ao que esperávamos? A felicidade é a excepção e o engano. Resulta mais de um esquecimento do que de uma lembrança.
Pouco há de certo neste mundo. São muitos os pobres, mas não são poucos os ricos. As pessoas do sexo masculino não se entendem nem com as pessoas do sexo masculino, nem com as do sexo feminino. As pessoas, sejam de que sexo e sexualidade forem, compreendem-se mal. Dão-se mal, por muito bem que se dêem. As mais apaixonadas umas pelas outras são as que menos bem aceitam as diferenças, as incompreensões, os dias zangados e as noites zangadas que apenas servem para nos relembrar que todos nós nascemos e morremos sozinhos.

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A Acção Vai Bem sem a Paixão

Fazemos coisas iguais com forças diversas e diferente esforço de vontade. A acção vai bem sem a paixão. Pois quantas pessoas se arriscam diariamente em guerras que não lhes importam, e se sujeitam aos perigos de batalhas cuja perda não lhes perturbará o próximo sono? Um homem na sua casa, longe desse perigo que não teria ousado encarar, está mais interessado no desfecho dessa guerra e tem a alma mais inquieta do que o soldado que põe nela o seu sangue e a sua vida. Essa impetuosidade e violência de desejo mais atrapalha do que auxilia a condução do que empreendemos, enche-nos de acrimónia e suspeição contra aqueles com quem tratamos. Nunca conduzimos bem a coisa pela qual somos possuídos e conduzidos.
Quem emprega nisso apenas o seu discernimento e a sua habilidade procede com mais vivacidade: amolda, dobra, difere tudo à vontade, de acordo com as exigências das circunstâncias; erra o alvo sem tormento e sem aflição, pronto e intacto para uma nova iniciativa; avança sempre com as rédeas na mão. Naquele que está embriagado por essa intensidade violenta e tirânica vemos necessariamente muita imprudência e injustiça; a impetuosidade do seu desejo arrebata-o: são movimentos temerários e, se a fortuna não ajudar muito,

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A Corrosão da Exposição Pública

A vida de todas as nascentes profundas decorre com vagar; têm de esperar muito tempo antes de saber o que caiu nas suas profundezas. Tudo o que é grande foge da praça pública e da fama: é longe da praça e da fama que sempre viveram os inventores de novos valores.
Foge, meu amigo, refugia-te na tua solidão! Vejo-te aguilhoado pelas moscas venenosas. Refugia-te onde sopre um vento rijo e forte!
Refugia-te na tua solidão! Viveste muito perto dos pequenos e dos miseráveis. Foge da sua vingança invisível! A teu respeito só têm um sentimento, o rancor.
Não levantes mais a mão contra eles! São inumeráveis; o teu destino não é ser enxota-moscas!
São inumeráveis, esses pequenos, esses miseráveis; e já se viram altivos edifícios reduzidos a escombros pela acção das gotas da chuva e das ervas daninhas.

Conquista e Governação

Quando os estados que se conquistam têm a tradição de viver segundo as suas leis e em liberdade, para a sua conservação existem três opções: a primeira é a sua destruição; a segunda é ir para lá viver o príncipe conquistador; e a terceira consiste em deixá-los viver de acordo com as suas leis, mas exigindo-lhes um tributo e criando no seu seio uma oligarquia que vos garanta a sua fidelidade. Porque, sendo este novo poder uma criação daquele príncipe, sabem os seus mandatários que não podem sobreviver sem a sua amizade e apoio, tudo havendo de fazer para manter o novo regime. E mais facilmente se conserva uma cidade habituada a viver livre através do consenso dos seus cidadãos do que de qualquer outro modo.
(…) Na verdade, o único modo seguro de conservar uma cidade conquistada é a sua destruição. Quem se torna senhor de uma cidade habituada a viver livre e a não desfaça, pode preparar-se para ser por ela desfeito, porque sempre encontrarão grande receptividade no seio da rebelião a recordação da liberdade e das antigas instituições, as quais nem pela acção do tempo nem pela concessão de benesses se apagarão da sua memória. O que quer que se faça ou se disponha,

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A Máscara Falsa da Felicidade

Um erro sem dúvida bem grosseiro consiste em acreditar que a ociosidade possa tornar os homens mais felizes: a saúde, o vigor da mente, a paz do coração são os frutos tocantes do trabalho. Só uma vida laboriosa pode amortecer as paixões, cujo jugo é tão rigoroso; é ela que mantém nas cabanas o sono, fugitivo dos grandes palácios. A pobreza, contra a qual somos prevenidos, não é tal como pensamos: ela torna os homens mais temperantes, mais laboriosos, mais modestos; ela os mantém na inocência, sem a qual não há repouso nem felicidade real na terra.
O que é que invejamos na condição dos ricos? Eles próprios endividados na abundância pelo luxo e pelo fasto imoderados; extenuados na flor da idade por sua licenciosidade criminosa; consumidos pela ambição e pelo ciúme na medida em que estão mais elevados; vítimas orgulhosas da vaidade e da intemperança; ainda uma vez, povo cego, que lhe podemos invejar?
Consideremos de longe a corte dos príncipes, onde a vaidade humana exibe aquilo que tem de mais especioso: aí encontraremos, mais do que em qualquer outro lugar, a baixeza e a servidão sob a aparência da grandeza e da glória, a indigência sob o nome da fortuna,

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O Domínio da Ira

Querer extinguir inteiramente a cólera é pretensão louca dos estóicos. A cólera deve ser limitada e confinada, tanto na extensão como no tempo. Diremos em primeiro lugar como a inclinação natural e o hábito adquirido para se encolerizar podem ser temperados e acalmados. Diremos, em segundo lugar, como os movimentos particulares da cólera podem ser reprimidos, ou pelo menos refreados, para que não façam mal. Diremos, em terceiro lugar, como suscitar ou apaziguar a cólera nas outras pessoas.
Quanto ao primeiro ponto. Não há outro caminho senão o de meditar e ruminar muito bem os efeitos da cólera, de ver quanto ela perturba a vida humana. E a melhor ocasião de fazer isso, será depois de o acesso ter passado, reflectindo sobre as desvantagens da cólera. Séneca disse muito bem que «a cólera é como uma ruína que se quebra contra o que derruba». (…) Deve o homem cuidar de temperar a cólera mais pelo desdém do que pelo temor, para que assim possa estar acima da injúria e não abaixo dela: o que será coisa fácil, para quem quiser obedecer a esta lei.
Quanto ao segundo ponto. Há três causas e motivos principais da cólera. Primeiro, ser demasiado sensível ao toque,

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A Disposição da Razão

Não são apenas as febres, as beberagens e os grandes infortúnios que abatem o nosso julgamento; as menores coisas do mundo o transtornam. E não se deve duvidar, ainda que não o sentíssemos, que, se a febre contínua pode arrasar a nossa alma, a terçã também lhe cause alguma alteração de acordo com o seu ritmo e proporção. Se a apoplexia entorpece e extingue totalmente a visão da nossa inteligência, não se deve duvidar que a coriza a ofusque; e consequentemente mal podemos encontrar uma única hora da vida em que o nosso julgamento esteja na sua devida disposição, estando o nosso corpo sujeito a tantas mutações contínuas e guarnecido de tantos tipos de recursos que (acredito nos médicos) é muito difícil que não haja sempre algum deles andando torto.
De resto, essa doença não se revela tão facilmente se não for totalmente extrema e irremediável, pois a razão segue sempre em frente, mesmo torta, mesmo manca, mesmo desancada, tanto com a mentira como com a verdade. Assim, é difícil descobrir-lhe o erro e o desarranjo. Chamo sempre de razão essa aparência de raciocínio que cada qual forja em si – essa razão por cuja condição pode haver cem raciocínios contrários em torno de um mesmo assunto,

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Opiniões Influenciadas pelo Interesse

A maior parte das coisas pode ser considerada sob pontos de vista muito diferentes: interesse geral ou interesse particular, principalmente. A nossa atenção, naturalmente concentrada sob o aspecto que nos é proveitoso, impede que vejamos os outros. O interesse possui, como a paixão, o poder de transformar em verdade aquilo em que lhe é útil acreditar. Ele é, pois, freqüentemente, mais útil do que a razão, mesmo em questões em que esta deveria ser, aparentemente, o guia único. Em economia política, por exemplo, as convicções são de tal modo inspiradas pelo interesse pessoal que se pode, em geral, saber préviamente, conforme a profissão de um indivíduo, se ele é partidário ou não do livre câmbio.
As variações de opinião obedecem, naturalmente, às variações do interesse. Em matéria política, o interesse pessoal constitui o principal factor. Um indivíduo que, em certo momento, energicamente combateu o imposto sobre a renda, com a mesma energia o defenderá mais, se conta ser ministro. Os socialistas enriquecidos acabam, em geral, conservadores, e os descontentes de um partido qualquer se transformam facilmente em socialistas.
O interesse, sob todas as suas formas, não é somente gerador de opiniões. Aguçado por necessidades muito intensas, ele enfraquece logo a moralidade.

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