Textos sobre Transformação

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Textos de transformação escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Constante Desejo de Mudança Cega o Progresso

Penso, baseando-me em todos os dados que de há um ano para cá nos saltam aos olhos, que se pode afirmar que qualquer progresso deve acarretar necessariamente não um avanço ainda maior mas, ao fim e ao cabo, a negação do progresso e o retorno ao ponto de partida. A história do género humano prova-o. No entanto, a confiança cega desta geração, e da que a precedeu, nas ideias modernas, no advento de não sei que era da humanidade que deveria marcar uma profunda transformação – mas que, no meu entender, para influenciar o destino de cada um deveria antes de mais afectá-lo na própria natureza do homem -, esta confiança no futuro, que nada nos séculos que nos precederam justifica, constitui seguramente a única garantia desses bens futuros, dessas revoluções tão desejadas pela vontade dos homens.
Não será evidente que o progresso, ou seja a marcha progressiva das coisas – tanto para o bem como para o mal -, acabou, hoje, por conduzir a sociedade à beira de um abismo, onde ela poderá facilmente vir a cair para dar lugar à mais completa barbárie? E a razão disso, a única razão para que isso suceda, não residirá nessa lei que neste mundo impõe a todas as outras: isto é,

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As Restrições dos Guardiões Morais

Parece-me a mim que o pressuposto em que se baseiam as acções restritivas dos nossos guardiões morais é simplesmente o de que o acesso à literatura proibida nos pode levar a comportar-se como animais. Mas pensar assim é insultar o reino animal. E, ao mesmo tempo, transformar paixão, o maior atributo do homem, numa caricatura. A gama da paixão humana é quase ilimitada, atingindo alturas e profundidades impensáveis. Precisamente por abarcar tais extremos é a paixão a autêntica pedra de toque da nossa humanidade, e talvez também da nossa divindade. De todas as criaturas da terra, o homem é a única de comportamento imprevisível. Há em nós alguma coisa de toda a criação. Quando nos é negada a menor parcela de liberdade, ficamos espiritualmente limitados e mutilados. É a plena consciência da nossa natureza múltipla e a integração da miríade de elementos de que somos compostos que nos faz completos, que nos faz humanos. A religião faz de nós santos, ou apenas bons cidadãos, mas o que faz de nós homens, o que nos faz humanos até ao âmago, é a liberdade. É uma palavra terrível, a liberdade, para aqueles que viveram toda a vida mentalmente algemados.

Critique os Seus Pensamentos Negativos

O «eu» representa a vontade consciente. Resgatar a liderança do «eu» é gerir a produção dos pensamentos. O «eu» precisa de deixar de ser passivo, tímido e submisso diante dos pensamentos. Um dos maiores erros educacionais é transformar o homem numa pessoa fraca no seu próprio mundo.

Critique diariamente os pensamentos negativos. Confronte-se com as ideias que o paralisam e o desanimam. Não é obrigado a viver passivamente as ideias que são encenadas no palco da sua mente.

Discorde frontalmente de todos os pensamentos e fantasias que o amedrontam, entristecem, deprimem. Cada pensamento que nos incomoda deve ser questionado com ousadia e determinação pelo «eu». Tentar parar de pensar ou distrair-se são técnicas usadas há milénios sem resultado. A única possibilidade que temos é de gerir os pensamentos.

A Inconstância no Amor e na Amizade

Não pretendo justificar aqui a inconstância em geral, e menos ainda a que vem só da ligeireza; mas não é justo imputar-lhe todas as transformações do amor. Há um encanto e uma vivacidade iniciais no amor que passa insensivelmente, como os frutos; não é culpa de ninguém, é culpa exclusiva do tempo. No início, a figura é agradável, os sentimentos relacionam-se, procuramos a doçura e o prazer, queremos agradar porque nos agradam, e tentamos demonstrar que sabemos atribuir um valor infinito àquilo que amamos; mas, com o passar do tempo, deixamos de sentir o que pensávamos sentir ainda, o fogo desaparece, o prazer da novidade apaga-se, a beleza, que desempenha um papel tão importante no amor, diminui ou deixa de provocar a mesma impressão; a designação de amor permanece, mas já não se trata das mesmas pessoas nem dos mesmos sentimentos; mantêm-se os compromissos por honra, por hábito e por não termos a certeza da nossa própria mudança.
Que pessoas teriam começado a amar-se, se se vissem como se vêem passados uns anos? E que pessoas se poderiam separar se voltassem a ver-se como se viram a primeira vez? O orgulho, que é quase sempre senhor dos nossos gostos,

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A Embriaguez dos Progressos Técnicos

Parece-me que confundem fim e meio os que se assustam em demasia com os nossos progressos técnicos. Quem luta com a única esperança de recolher bens materiais, efectivamente não recolhe nada que valha a pena viver. A máquina não é um fim, é uma ferramenta como a charrua. Se acreditamos que a máquina destrói o homem, é que talvez careçamos de algum recuo para julgarmos os efeitos de transformações tão rápidas como as que sofremos.

Insensibilidade Experiente

Envolve-me lentamente uma carapaça de insensibilidade; verifico-o sem me queixar. É também um desfecho natural, um modo de começar a tornar-me anorgânico. A isto costuma chamar-se, segundo creio, a serenidade da idade. É algo que sem dúvida deve estar ligado a uma viragem decisiva nas relações entre as duas pulsões cuja existência supus. A transformação que a acompanha não é talvez excessivamente forte; permanece cheio de interesse tudo quanto tinha outrora, mas há um certo eco que falta; eu, que não sou músico, represento-me esta diferença como uma questão de usar ou não o pedal. A pressão sensível e incessante de uma enorme quantidade de sensações importunas deve ter apressado este estado prematuro, esta disposição a sentir tudo sub specie aeternitatis.

O Delírio pelo Isolamento e pelo Convívio

O eremita volta as costas a este mundo; não quer ter nada a ver com ele. Mas podemos fazer mais do que isso; podemos tentar recriá-lo, tentar construir um outro em vez dele, no qual os componentes mais insuportáveis são eliminados e substituídos por outros que correspondam aos nossos desejos. Quem por desespero ou desafio parte por este carninho, por norma, não chegará muito longe; a realidade será demasiado forte para ele. Torna-se louco e normalmente não encontra ninguém que o ajude a levar a cabo o seu delírio. Diz-se contudo, que todos nós nos comportamos em alguns aspectos como paranóicos, substituindo pela satisfação de um desejo alguns aspectos do mundo que nos são insuportáveis transportando o nosso delírio para a realidade. Quando um grande número de pessoas faz esta tentativa em conjunto e tenta obter a garantia de felicidade e protecção do sofrimento através de uma transformação ilusória da realidade, adquire um significado especial. Também as religiões devem ser classificadas como delírios em massa deste género. Escusado será dizer que ninguém que participa num delírio o reconhece como tal.

Do Contraditório como Terapêutica de Libertação

Recentemente, entre a poeira de algumas campanhas políticas, tomou de novo relevo aquele grosseiro hábito de polemista que consiste em levar a mal a uma criatura que ela mude de partido, uma ou mais vezes, ou que se contradiga, frequentemente. A gente inferior que usa opiniões continua a empregar esse argumento como se ele fosse depreciativo. Talvez não seja tarde para estabelecer, sobre tão delicado assunto do trato intelectual, a verdadeira atitude científica.
Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentado sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo próprio. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando não só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.
A coerência, a convicção, a certeza são além disso, demonstrações evidentes — quantas vezes escusadas — de falta de educação.

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A Preguiça como Obstáculo à Liberdade

A preguiça e a cobardia são as causas por que os homens em tão grande parte, após a natureza os ter há muito libertado do controlo alheio, continuem, no entanto, de boa vontade menores durante toda a vida; e também por que a outros se torna tão fácil assumirem-se como seus tutores. É tão cómodo ser menor.
Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um director espiritual que tem em minha vez consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., então não preciso de eu próprio me esforçar. Não me é forçoso pensar, quando posso simplesmente pagar; outros empreenderão por mim essa tarefa aborrecida. Porque a imensa maioria dos homens (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e também muito perigosa é que os tutores de boa vontade tomaram a seu cargo a superintendência deles. Depois de, primeiro, terem embrutecido os seus animais domésticos e evitado cuidadosamente que estas criaturas pacíficas ousassem dar um passo para fora da carroça em que as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça, se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo não é assim tão grande, pois aprenderiam por fim muito bem a andar.

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Narcisimo Passado e Futuro

Ninguém se trocaria por um dos seus semelhantes, mas todos se trocariam pelo seu sonho. Porque o homem quer conquistar, mas sem deixar de se possuir. Deseja a continuidade do eu e, juntamente, a sua metamorfose – pretensão contraditória que constitui um dos episódios do eterno automatismo.
O homem ama-se e desama-se. Diante dos outros, mostra-se quase sempre satisfeito consigo – com medo de ser ultrapassado ou emulado -, mas quando está só com o seu eu, experimenta um tédio, uma repulsa, uma repugnância, que em regra se transformam em desejo de transformação. Nem todos são capazes de se contemplar sem adulação até às últimas raízes e reconhecer, ainda que no sigilo da alma, a sua miséria, mas quase todos têm a sua sensação e, com frequência, a certeza – o tédio de si pode notar-se mesmo sem as formas do juízo. E os outros instintos – soberba, gula do mais e do novo – ajudam a desejar a mudança. Existe com frequência em nós o narcisismo, mas o espelho é sempre colocado no passado e no futuro – no presente, nunca.

Instinto de Rebanho

Em toda a parte onde encontramos uma moral encontramos uma avaliação e uma classificação hierárquica dos instintos e dos actos humanos. Essas classificações e essas avaliações são sempre a expressão das necessidades de uma comunidade, de um rebanho: é aquilo que aproveita ao rebanho, aquilo que lhe é útil em primeiro lugar – e em segundo e em terceiro -, que serve também de medida suprema do valor de qualquer indivíduo. A moral ensina a este a ser função do rebanho, a só atribuir valor em função deste rebanho. Variando muito as condições de conservação de uma comunidade para outra, daí resultam morais muito diferentes; e, se considerarmos todas as transformações essenciais que os rebanhos e as comunidades, os Estados e as sociedades são ainda chamados a sofrer, pode-se profetizar que haverá ainda morais muito divergentes. A moralidade é o instinto gregário no indivíduo.

Ideias de Esquerda

Nunca disse que a esquerda era definitivamente estúpida, disse, sim, que agora mesmo não vejo nada mais estúpido que a esquerda. Porquê? Porque há mais de cinquenta anos que não produz uma única ideia que se diga de esquerda, porque, até quando parecia tê-las, não estava a fazer mais que remastigar ideias do passado sem se dar ao trabalho elementar de as fazer viver sob a luz da actualidade e das suas transformações. A esquerda também é estúpida porque é incapaz de resistir à tentação mórbida que a leva a dividir-se e a subdividir–se sem parar.

A Luta do Antigo e do Novo

É sempre igual a luta do que é antigo, do que já existe e procura subsistir, contra o desenvolvimento, a formação e a transformação. Toda a ordem acaba por dar origem à pedanteria e para nos libertarmos dela destrói-se a ordem. Depois, demora sempre algum tempo até que se ganhe consciência de que é preciso voltar a estabelecer uma ordem. O clássico face ao romântico, a obrigação corporativa face à liberdade profissional, o latifúndio face à pulverização da propriedade fundiária: o conflito é sempre o mesmo e há-de sempre dar origem a um novo conflito. Deste modo, a maior prova de entendimento por parte do governante seria regular essa luta de tal maneira que, sem prejuízo de cada uma das partes, conseguisse manter-se equidistante.
É, no entanto, uma possibilidade que não foi dada aos homens, e Deus não parecer querer que assim aconteça.

A Cautela dos Espíritos Livres

Os homens de espírito livre, que vivem só para o conhecimento, em breve acharão ter alcançado a sua definitiva posição relativamente à sociedade e ao Estado e, por exemplo, dar-se-ão de bom grado por satisfeitos com um pequeno emprego ou com uma fortuna que chega à justa para viver; pois arranjar-se-ão para viver de maneira que uma grande transformação dos bens materiais, até mesmo um derrube da ordem política, não deite também abaixo a sua vida. Em todas essas coisas eles gastam a menor energia possível, de modo a poderem imergir, com todas as forças reunidas e, por assim dizer, com um grande fôlego, no elemento do conhecimento. Podem, assim, ter esperança de mergulhar profundamente e também de, talvez, verem bem até ao fundo.
De um dado acontecimento, um tal espírito pegará de bom grado só numa ponta: ele não gosta das coisas em toda a sua amplitude e superabundância das suas pregas, pois não se quer emaranhar nelas. Também ele conhece os dias de semana da falta de liberdade, da dependência, da servidão. Mas, de tempos a tempos, tem de lhe aparecer um domingo de liberdade, senão ele não suportará a vida. É provável que mesmo o seu amor pelos seres humanos seja cauteloso e com pouco fôlego,

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Utopia

Uma utopia é mais ou menos o equivalente de uma possibilidade; o facto de uma possibilidade não ser uma realidade significa apenas que as circunstâncias com as quais a primeira está articulada num determinado momento a impedem de ser a segunda, porque de outra forma ela mais não seria do que uma impossibilidade. Se essa possibilidade for liberta das suas dependências e puder desenvolver-se, nasce a utopia. É um processo semelhante àquele que se verifica quando um investigador observa a transformação de um elemento num composto para daí tirar as suas conclusões. A utopia é a experiência na qual se observam a possibilidade de transformação de um elemento e os efeitos que ela provocaria naquele fenómeno composto a que chamamos vida.

A Avaliação de uma Civilização

Quando já se viveu por muito tempo numa civilização específica e com frequência se tentou descobrir quais foram as suas origens e ao longo de que caminho ela se desenvolveu, fica-se às vezes tentado a voltar o olhar para outra direção e indagar qual o destino que a espera e quais as transformações que está fadada a experimentar. Logo, porém, se descobre que, desde o início, o valor de uma indagação desse tipo é diminuído por diversos fatores, sobretudo pelo facto de apenas poucas pessoas poderem abranger a actividade humana em toda a sua amplitude. A maioria das pessoas foi obrigada a restringir-se a somente um ou a alguns dos seus campos. Entretanto, quanto menos um homem conhece a respeito do passado e do presente, mais inseguro terá de mostrar-se o seu juízo sobre o futuro. E há ainda uma outra dificuldade: a de que precisamente num juízo desse tipo as expectativas subjectivas do indivíduo desempenham um papel difícil de avaliar, mostrando ser dependentes de factores puramente pessoais de sua própria experiência, do maior ou menor optimismo da sua atitude para com a vida, tal como lhe foi ditada pelo seu temperamento ou pelo seu sucesso ou fracasso. Finalmente, faz-se sentir o facto curioso de que,

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A Realidade não Está nos Livros

Como toda a gente, só disponho de três meios para avaliar a existência humana: o estudo de nós próprios, o mais difícil e o mais perigoso, mas também o mais fecundo dos métodos; a observação dos homens, que na maior parte dos casos fazem tudo para nos esconder os seus segredos ou para nos convencer de que os têm; os livros, com os erros particulares de perspectiva que nascem entre as suas linhas. Li quase tudo quanto os nossos historiadores, os nossos poetas e mesmo os nossos narradores escreveram, apesar de estes últimos serem considerados frívolos, e devo-lhes talvez mais informações do que as que recebi das situações bastante variadas da minha própria vida. A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana, assim como as grandes atitudes imóveis das estátuas me ensinaram a apreciar os gestos. Em contrapartida, e posteriormente, a vida fez-me compreender os livros.
Mas estes mentem, mesmo os mais sinceros. Os menos hábeis, por falta de palavras e de frases onde possam abrangê-la, traçam da vida uma imagem trivial e pobre; alguns, como Lucano, tornam-na mais pesada e obstruída com uma solenidade que ela não tem. Outros, pelo contrário, como Petrónio, aligeiram-na, fazem dela uma bola saltitante e vazia,

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Apenas nas Crises Atingimos as Nossas Profundezas

Tudo o que o nosso corpo faz, excepto o exercício dos sentidos, escapa à nossa percepção. Não damos conta das funções mais vitais (circulação, digestão, etc.). O mesmo se passa com o espírito: ignoramos todos os seus movimentos e transformações, as suas crises, etc., que não sejam a superficial ideação esquematizante.
Só uma doença nos revela as profundezas funcionais do nosso corpo. Do mesmo modo, pressentimos as do espírito quando estamos em crise.

Indivíduo e Colectividade

Uma antiquada concepção, cuja carreira não terminou de todo em Portugal, faz constituir a história na evocação dos homens e dos eventos singulares, faustosa galeria de retratos e painéis de batalhas, a que se acrescenta quando muito o quadro das instituições. Dir-se-ia desta sorte que os factos de ocupação do solo e agrupamento da população, as variações do regime económico, a elaboração de um espírito colectivo, os movimentos e transformações da massa, isto é, os factos própriamente sociais não têm importância na vida da sociedade. Longe de nós negar a parte da criação individual na história. Mas todas as nações, antes de atingirem a sua definição política suprema, atravessam um demorado período de formação, onde ocultam quase exclusivamente esses factos gerais.
A consciência de uma solidariedade e de um ideal colectivo, o sentimento e a ideia de uma pátria elaboram-se lentamente através desses movimentos de grupos e das lutas entre eles suscitadas. E por via de regra os grandes homens são tanto mais representativos quanto melhor encarnam e orientam as aspirações colectivas.

No Amor Começa-se Sempre a Zero

Fazer um registo de propriedade é chato e difícil mas fazer uma declaração de amor ainda é pior. Ninguém sabe como. Não há minuta. Não há sequer um despachante ao qual o premente assunto se possa entregar. As declarações de amor têm de ser feitas pelo próprio. A experiência não serve de nada — por muitas declarações que já se tenham feito, cada uma é completamente diferente das anteriores. No amor, aliás, a experiência só demonstra uma coisa: que não tem nada que estar a demonstrar coisíssima nenhuma. É verdade — começa-se sempre do zero. Cada vez que uma pessoa se apaixona, regressa à suprema inocência, inépcia e barbárie da puberdade. Sobem-nos as bainhas das calças nas pernas e quando damos por nós estamos de calções. A experiência não serve de nada na luta contra o fogo do amor. Imaginem-se duas pessoas apanhadas no meio de um incêndio, sem poderem fugir, e veja-se o sentido que faria uma delas virar-se para a outra e dizer: «Ouve lá, tu que tens experiência de queimaduras do primeiro grau…»

Pode ter-se sessenta anos. Mas no dia em que o peito sacode com as aurículas a brincar aos carrinhos-de-choque com os ventrículos,

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