Passagens sobre Vazio

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O Tempo e o Tédio

Com respeito à natureza do tédio encontram-se frequentemente conceitos erróneos. Crê-se em geral que a novidade e o carácter interessante do seu conteúdo “fazem passar” o tempo, quer dizer, abreviam-no, ao passo que a monotonia e o vazio estorvam e retardam o seu curso. Mas não é absolutamente verdade. O vazio e a monotonia alargam por vezes o instante ou a hora e tornam-nos “aborrecidos”; porém, as grandes quantidades de tempo são por elas abreviadas e aceleradas, a ponto de se tornarem um quase nada. Um conteúdo rico e interessante é, pelo contrário, capaz de abreviar uma hora ou até mesmo o dia, mas, considerado sob o ponto de vista do conjunto, confere amplitude, peso e solidez ao curso do tempo, de tal maneira que os anos ricos em acontecimentos passam muito mais devagar do que aqueles outros, pobres, vazios, leves, que são varridos pelo vento e voam. Portanto, o que se chama de tédio é, na realidade, antes uma simulação mórbida da brevidade do tempo, provocada pela monotonia: grandes lapsos de tempo quando o seu curso é de uma ininterrupta monotonia chegam a reduzir-se a tal ponto, que assustam mortalmente o coração; quando um dia é como todos, todos são como um só;

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A Essência não se Perde

Com a firmeza de passos sem retorno,
carregar o que foi dentro de si,
sem chorar a partida, sem temer
deixar o que afinal vai bem marcado
com seu selo de coisa inesquecível.
A essência não se perde, vai connosco
e extravasa dos dedos quando escrevem,
salta fora da boca quando fala,
transpira pela pele, sai dos ossos,
é lançada dos músculos em arco
e circula no sangue das artérias.
Os pagos, as querências não se perdem,
se penetram nos ossos, moram neles,
não como o minuano passageiro,
mas sim como a medula que sustenta
o circuito do corpo e o movimenta,
impedindo que pare, morra e penda
como trouxa de pano, como penca
tombada de seu pé, como o vazio,
a coisa sem recheio, a casca murcha,
o fruto despojado de si mesmo.

Pensamento e Acção

O movimento não é progresso, assim como a actividade não é realização. O esquilo na sua gaiola rotativa faz movimento e mostra actividade sem chegar a parte alguma. Quem se deixa ir ao sabor das ondas pode ter grande actividade mas mover-se para trás. A sua energia pode dissipar-se, como o vapor de água no espaço vazio, se falar demais sobre os seus planos. Seja um executor, não um falador.
«Pense», sim, mas não divague até outra pessoa pensar, resolver e agir. O homem que tem de ser convencido a agir antes de entrar em actividade não é um homem de acção… tem de agir conforme respira. Proceda como se fosse impossível falhar. Só as suas acções determinam e mostram o seu valor. Se ficar recostado e quieto a ver o mundo passar – o mundo passa mesmo. Não há nenhuma força do destino a planear a vida dos homens. O que nos sucede, de bom ou de mau, é quase sempre o resultado da nossa acção ou da falta dela. A acção é a base de qualquer realização.

Esquecimento Esvaziante

A variedade das nossas emoções torna claro que cada homem guarda dentro de si os celeiros do contentamento e do descontentamento: os jarros das coisas boas e más não estão depositados «na soleira de Zeus», mas na alma. O néscio negligencia e desdenha as coisas boas que lá estão porque a sua imaginação acha-se sempre voltada para o futuro; o sensato, porém, torna os factos pregressos vividamente presentes com recordá-los. O presente oferece-se ao toque da nossa mão apenas por um instante e logo nos ilude os sentidos; os tolos julgam que ele não é mais nosso, que não mais nos pertence.
Há a pintura de um cordoeiro no inferno, com um asno a engolir toda a corda feita por ele, à medida que ele a entretece; assim é a multidão acometida e dominada pelo esquecimento insensato e ingrato, que apaga cada acto, cada sucesso, cada experiência aprazível de bem-estar, de camaradagem e de deleite.
O esquecimento não consente à vida desenvolver-se unitariamente, o passado entretecido com o presente, mas separa o ontem do hoje, como se fossem de diferente substância, e o hoje do amanhã, como se não fossem o mesmo; transforma toda a ocorrência em não-ocorrência.

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A Superficialidade dos Grandes Espíritos

Não há nada de mais perigoso para o espírito do que a sua relação com as grandes coisas. Alguém deambula por uma floresta, sobe a um monte e vê o mundo estendido a seus pés, olha para um filho que lhe colocam pela primeira vez nos braços, ou desfruta da felicidade de assumir uma posição invejada por todos. Perguntamos: o que se passa nele em tais momentos? Ele próprio certamente pensa que são muitas coisas, profundas e importantes; mas não tem presença de espírito suficiente para, por assim dizer, as tomar à letra. O que há de admirável, diante dele e fora dele, que o encerra numa espécie de gaiola magnética, arranca os pensamentos do seu interior. O seu olhar perde-se em mil pormenores, mas ele tem a secreta sensação de ter esgotado todas as munições. Lá fora, esse momento inspirado, solar, profundo, essa grande hora, recobre o mundo com uma camada de prata galvanizada que penetra todas as folhinhas e veias; mas na outra extremidade em breve se começa a notar uma certa falta de substância interior, e nasce aí uma espécie de grande «O», redondo e vazio. Este estado é o sintoma clássico do contacto com tudo o que é eterno e grande,

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A Luz

Ela veio…( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou…Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta…)

Que ela havia chegado, eu nem sabia…
Mas, pouco a pouco, e a data não importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e há risos pela casa…E há alegria…

Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?

E acabei por fazer a descoberta:
– ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!

Como, Morte, Temer-te?

Como, morte, temer-te?
Não estás aqui comigo, a trabalhar?
Não te toco em meus olhos; não me dizes
que não sabes de nada, que és vazia,
inconsciente e pacífica? Não gozas,
comigo, tudo: glória, solidão,
amor, até tuas entranhas?
Não me estás a sustentar,
morte, de pé, a vida?
Não te levo e trago, cego,
como teu guia? Não repetes
com tua boca passiva
o que quero que digas? Não suportas,
escrava, a gentileza com que te obrigo?

Tradução de José Bento

Solidão

Ó solidão! À noite, quando, estranho,
Vagueio sem destino, pelas ruas,
O mar todo é de pedra… E continuas.
Todo o vento é poeira… E continuas.
A Lua, fria, pesa… E continuas.
Uma hora passa e outra… E continuas.
Nas minhas mãos vazias continuas,
No meu sexo indomável continuas,
Na minha branca insónia continuas,
Paro como quem foge. E continuas.
Chamo por toda a gente. E continuas.
Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas.
Invento um verso… E rasgo-o. E continuas.
Eterna, continuas… Mas sei por fim que sou do teu tamanho!

Recordam-se Vocês do Bom Tempo d’Outrora

(Dedicatória de introdução a «A Musa em Férias»)

Recordam-se vocês do bom tempo d’outrora,
Dum tempo que passou e que não volta mais,
Quando íamos a rir pela existência fora
Alegres como em Junho os bandos dos pardais?
C’roava-nos a fronte um diadema d’aurora,
E o nosso coração vestido de esplendor
Era um divino Abril radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na balsâmina em flor.
Que doiradas canções nossas bocas vermelhas
Não lançaram então perdidas pelo ar!…
Mil quimeras de glória e mil sonhos dispersos,
Canções feitas sem versos,
E que nós nunca mais havemos de cantar!
Nunca mais! nunca mais! Os sonhos e as esp’ranças
São áureos colibris das regiões da alvorada,
Que buscam para ninho os peitos das crianças.
E quando a neve cai já sobre a nossa estrada,
E quando o Inverno chega à nossa alma,então
Os pobres colibris, coitados, sentem frio,
E deixam-nos a nós o coração vazio,
Para fazer o ninho em outro coração.
Meus amigos, a vida é um Sol que chega ao cúmulo
Quando cantam em nós essas canções celestes;

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Lição Quotidiana

Cada manhã ressuscito
Do sono, esse irmão da Morte,
Que é minha estrela do norte,
Meu professor de infinito.

Hora por hora medito
Sua lição clara e forte;
Mas nem assim minha sorte
Encaro menos aflito.

E, se acordo com o dia,
Cheio de fé e alegria,
Julgando-me imorredoiro,

À noite estou moribundo…
E em meu vazio tesoiro
Vejo o meu fim, e o do mundo!

Só tenho aquilo que me falta. O que não fui capaz de alcançar, o que perdi, é tudo o que possuo, o que me pertence verdadeiramente, o vazio de que sou feito. Tenho aquilo de que careço.

Quanto mais cavalos atrelas para o trabalho, tanto mais rápido ele anda, ou seja: não para arrancar os blocos de alicerce, o que é impossível, mas para rebentar as correias e, como resultado, a alegre viagem vazia.

A Cigarra Que Ficou

Depois de ouvir por tanto tempo, a fio,
As cigarras, bem perto ou nas distâncias,
Só me ficou no coração vazio
A saudade de antigas ressonâncias…

Todas se foram… bando fugidio
Em busca do calor de outras estâncias,
Carregando nas asas como um rio
Leva nas águas – seus desejos e ânsias…

E ainda cantaram na hora da partida:
Era um clamor dentro da madrugada…
Essa, entretanto, desgarrou daquelas,

E entrou, tonta de luz, na minha vida,
Porque sabia que era a mais amada,
E cantava melhor que todas elas…

Ruína

Sem encontrar-se.
Viajante pelo seu próprio torso branco.
Assim ia o ar.

Logo se viu que a lua
era uma caveira de cavalo
e o ar uma maçã escura.

Detrás da janela,
com látegos e luzes se sentia
a luta da areia contra a água.

Eu vi chegarem as ervas
e lhes lancei um cordeiro que balia
sob seus dentezinhos e lancetas.

Voava dentro de uma gota
a casca de pluma e celulóide
da primeira pomba.

As nuvens, em manada,
ficaram adormecidas contemplando
o duelo das rochas contra a aurora.

Vêm as ervas, filho;
já soam suas espadas de saliva
pelo céu vazio.

Minha mão, amor. As ervas!
Pelos cristais partidos da morada
o sangue desatou suas cabeleiras.

Tu somente e eu ficamos;
prepara teu esqueleto para o ar.
Eu só e tu ficamos.

Prepara teu esqueleto;
é preciso ir buscar depressa, amor, depressa,
nosso perfil sem sonho.

Um homem é a fé de que for capaz. A dureza e o peso da tristeza que se abate sobre aquele que desespera chegam-lhe do vazio dos sonhos que deixou que se tornassem impossíveis, da preguiça do egoísmo que o paralisou e o levou à perda de si mesmo.

A Alheia Soma Universal da Vida

Como se cada beijo
Fora de despedida,
Minha Cloe, beijemo-nos, amando.
Talvez que já nos toque
No ombro a mão, que chama
À barca que não vem senão vazia;
E que no mesmo feixe
Ata o que mútuos fomos
E a alheia soma universal da vida.

Filtro

Meu Amor, não é nada: – Sons marinhos
Numa concha vazia, choro errante…
Ah, olhos que não choram! Pobrezinhos…
Não há luz neste mundo que os levante!

Eu andarei por ti os maus caminhos
E as minhas mãos, abertas a diamante,
Hão de crucificar-se nos espinhos
Quando o meu peito for o teu mirante!

Para que corpos vis te não desejem,
Hei de dar-te o meu corpo, e a boca minha
Pra que bocas impuras te não beijem!

Como quem roça um lago que sonhou,
Minhas cansadas asas de andorinha
Hão-de prender-te todo num só vôo…

Hoje nem atrevo a censurar-me. Um grito para dentro deste dia vazio teria um eco repugnante.

Saber Negar

Nem tudo se há-de conceder, nem a todos. É tão importante quanto o saber conceder, e nos que mandam é consideração indispensável. Aí entra o modo. Mais se preza o não de alguns que o sim de outros, porque um não dourado satisfaz mais que um sim a seco. Há muitos que têm sempre um não na boca. Neles o não é sempre o primeiro, e, ainda que depois tudo venham a conceder, não se entende por que precedeu aquela primeira mágoa. Não deverão as coisas ser negadas de chofe: sorva-se aos tragos o desengano; nem se negue de todo, que seria desesperar a dependência. Que fiquem sempre alguns vestígios de esperança a temperar o amargor do negar. Que a cortesia encha o vazio do favor e que as boas palavras supram a falta das obras. O não e o sim são breves de dizer, e pedem muito pensar.