Hino da Manhã
Tu, casta e alegre luz da madrugada,
Sobe, cresce no céo, pura e vibrante,
E enche de força o coração triumphante
Dos que ainda esperam, luz immaculada!Mas a mim pões-me tu tristeza immensa
No desolado coração. Mais quero
A noite negra, irmã do desespero,
A noite solitaria, immovel, densa,O vacuo mudo, onde astro não palpita,
Nem ave canta, nem susurra o vento,
E adormece o proprio pensamento,
Do que a luz matinal… a luz bemdita!Porque a noite é a imagem do Não-Ser,
Imagem do repouso inalteravel
E do esquecimento inviolavel,
Que anceia o mundo, farto de soffrer…Porque nas trevas sonda, fixo e absorto,
O nada universal o pensamento,
E despreza o viver e o seu tormento.
E olvida, como quem está já morto…E, interrogando intrepido o Destino,
Como reu o renega e o condemna,
E virando-se, fita em paz serena
O vacuo augusto, placido e divino…Porque a noite é a imagem da Verdade,
Que está além das cousas transitorias.
Das paixões e das formas ilusorias,
Passagens sobre Destino
688 resultadosAd Amicos
Em vão lutamos. Como névoa baça,
A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas próprias redes se embaraça.O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvae e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que resolve,
Como onda entre rochedos se espedaça.Filhos do Amor, nossa alma é como um hino
À luz, à liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor d’um presentir divino;Mas n’um deserto só, árido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassível sobre o mundo.
O que não enfrentamos em nós mesmos encontraremos como destino.
Saber Ler um Poema
– O poema está então centrado em si mesmo, monstruosamente solitário?
– Não tem pressa, pode bem esperar que o arranquem da sua solidão, possui forças expansivas bastantes, façam-no sair dali. Mas ou levam-no inteiro com o centro no centro e armado à vo]ta como um corpo vivo ou não levam nada, nem um fragmento. E o que muitas vezes se faz é contrabandear bocados: leva-se a parte errada dele na parte errada de nós para qualquer parte errada: filosofia, moral, politica, psicanálise, linguística, simbologia, literatura. Onde estão o corpo e a vida dele e a sua integridade? Onde, a solidão para escutar a solidão daquela voz? Porque é obrigatório dizé-lo: pouca gente tem ouvidos puros. Ou mãos limpas. Ler um poema é poder fazê-lo, refazê-lo: eis o espelho, o mágico objecto do reconhecimento, o objecto activo de criação do rosto. O eco visual se quanto a rostos fosse apenas lê-los fora e ver. Porque o mostrado e o visto são a totalidade daquilo que se mostra e vê — o nome: a revelação.
— Não é um destino assegurado.
— Só é seguro que a pergunta, a procura, o poema reincidente, cristalizam numa grande massa translúcida,
A Busca da Felicidade ou do Sofrimento
O homem recusa o mundo tal como ele é, sem aceitar o eximir-se a esse mesmo mundo. Efectivamente os homens gostam do mundo e, na sua imensa maioria, não querem abandoná-lo. Longe de quererem esquecê-lo, sofrem, sempre, pelo contrário, por não poderem possuí-lo suficientemente, estranhos cidadãos do mundo que são, exilados na sua própria pátria. Excepto nos momentos fulgurantes da plenitude, toda a realidade é para eles imperfeita. Os seus actos escapam-lhes noutros actos; voltam a julgá-los assumindo feições inesperadas; fogem, como a água de Tântalo, para um estuário ainda desconhecido. Conhecer o estuário, dominar o curso do rio, possuir enfim a vida como destino, eis a sua verdadeira nostalgia, no ponto mais fechado da sua pátria. Mas essa visão que, ao menos no conhecimento, finalmente os reconciliaria consigo próprios, não pode surgir; se tal acontecer, será nesse momento fugitivo que é a morte; tudo nela termina. Para se ser uma vez no mundo, é preciso deixar de ser para sempre.
Neste ponto nasce essa desgraçada inveja que tantos homens sentem da vida dos outros. Apercebendo-se exteriormente dessas existências, emprestam-lhes uma coerência e uma unidade que elas não podem ter, na verdade, mas que ao observador parecem evidentes. Este não vê mais que a linha mais elevada dessas vidas,
A Importância de Dostoievski na Literatura
Os dois grandes monumentos do romance que o século passado (XIX) nos legou, ou seja aqueles em que poderemos reconhecer-nos, foram os erguidos por Tolstoi e por Dostoievski. Mas se a lição do primeiro foi facilmente assimilada, a do segundo levou tempo – e tanto, que só hoje acabámos de entendê-la bem. Significa isto que Tolstoi, com incidências menores de moralização, continua um Balzac, é bem do século XIX. E foi por se pretender à força ligar a esse século também um Dostoievski que ele só tarde se nos revelou, para dominar ainda hoje, diga-se o que se disser, todo o romance europeu. Para usar uma expressão que já usei, não com inteira originalidade, e a que a crítica me ligou, direi que Tolstoi continua o romance-espectáculo e que Dostoievski inaugura o romance-problema.
Dir-se-ia, e com razão, que todo o romance é problema e espectáculo, já que o espectáculo resiste num romance de Kafka ou Dostoievski, e o problema implicita-se numa qualquer narrativa, nem que seja o Amadis de Gaula. Mas é tão visível a deslocação do acento na obra de Dostoievski, que ela foi defendida, para existir, pelo que lhe é inessencial (como por um Brunetière e recentemente um Ernst Fischer,
Com a força de nosso amor, da nossa vontade, podemos mudar o nosso destino, e o destino de muita gente.
Assuntos Mortais e Assuntos Imortais
Com um pouco mais de deliberação na escolha dos seus objectivos, possivelmente todos os homens se tornariam em essência estudiosos e observadores, porque a natureza e o destino de cada um interessam sem dúvida de igual maneira a todos. Ao acumular bens para nós ou para os nossos descendentes, ao fundar uma família ou um estado, ou ainda ao alcançar a fama, somos mortais; mas ao lidarmos com a verdade somos imortais e não precisamos de temer mudanças ou acidentes.
O mais antigo filósofo egípcio ou hindu levantou uma ponta do véu que cobria a estátua da divindade; essa trémula túnica ainda permanece levantada, e eu contemplo uma glória tão fresca como a que contemplou o filósofo, já que era eu nele quem se mostrou tão audacioso naquela época, e é ele em mim quem agora volta a observar a visão. Nenhuma poeira se depositou sobre essa túnica; tempo nenhum decorreu desde que tal divindade se viu revelada. O tempo que aproveitamos realmente, ou que é aproveitável, não é passado, nem presente, nem futuro.
Existir é Ser Possível Haver Ser
Ah, perante esta única realidade, que é o mistério,
Perante esta única realidade terrível — a de haver uma realidade,
Perante este horrível ser que é haver ser,
Perante este abismo de existir um abismo,
Este abismo de a existência de tudo ser um abismo,
Ser um abismo por simplesmente ser,
Por poder ser,
Por haver ser!
— Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem,
Tudo o que os homens dizem,
Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles,
Se empequena!
Não, não se empequena… se transforma em outra coisa —
Numa só coisa tremenda e negra e impossível,
Urna coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino
—Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino,
Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres,
Aquilo que subsiste através de todas as formas,
De todas as vidas, abstratas ou concretas,
Eternas ou contingentes,
Verdadeiras ou falsas!
Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora,
Porque quando se abrangeu tudo não se abrangeu explicar por que é um tudo,
O ‘eu’ que comanda livremente o meu destino não é o meu ego. O ser humano torna-se livre somente quando vive conforme a vontade de Deus. Vivendo em conformidade com o ego, nada acontece como ele quer.
Dificuldade de Prever o Comportamento de qualquer Pessoa, o Nosso Inclusivamente
Sendo variável o nosso “eu”, que é dependente das circunstâncias, um homem jamais deve supor que conhece outro. Pode somente afirmar que, não variando as circunstâncias, o procedimento do indivíduo observado não mudará. O chefe de escritório que já redige há vinte anos relatórios honestos, continuará sem dúvida a redigi-los com a mesma honestidade, mas cumpre não o afirmar em demasia. Se surgirem novas circunstâncias, se uma paixão forte lhe invadir a mente, se um perigo lhe ameaçar o lar, o insignificante burocrata poderá tornar-se um celerado ou um herói.
As grandes oscilações da personalidade observam-se quase exclusivamente na esfera dos sentimentos. Na da inteligência, elas são muito fracas. Um imbecil permanecerá sempre imbecil.
As possíveis variações da personalidade, que impedem de conhecermos a fundo os nossos semelhantes, também obstam a que cada qual se conheça a si próprio. O adágio “Nosce te ipsum” dos antigos filósofos constitui um conselho irrealizável. O “eu” exteriorizado representa habitualmente uma personalidade de empréstimo, mentirosa. Assim é, não só porque atribuímos a nós mesmos muitas qualidades e não reconhecemos absolutamente os nossos defeitos, como também porque o nosso “eu” contém uma pequena porção de elementos conscientes, conhecíveis em rigor, e, em grande parte,
A tragédia da morte consiste em que ela transforma a vida em destino.
O destino normal das novas verdades é começar como heresias e terminar como superstições.
Nenhum povo culto pode viver sem literatura. Os indivíduos para viver e satisfazer ao seu destino hão-de comunicar as suas ideias e traduzir na linguagem as manifestações da sua inteligência. A expressão das nações, a sua conversação, o desafogo do seu espírito, é a literatura de cada época e de cada sociedade. Um povo sem letras não vive muito tempo, e se vive, é uma excepção privilegiada.
Quando Está Frio no Tempo do Frio
Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável,
Porque para o meu ser adequado à existência das cousas
O natural é o agradável só por ser natural.Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno —
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no fato de aceitar —
No fato sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável.Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece
Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida?
O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço,
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime,
Da mesma inevitável exterioridade a mim,
Que o calor da terra no alto do Verão
E o frio da terra no cimo do Inverno.Aceito por personalidade.
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos,
Mas nunca ao erro de querer compreender demais,
Nunca ao erro de querer compreender só corri a inteligência,
Nunca ao defeito de exigir do Mundo
Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo.
Faz Acontecer
Mais vale uma única ação rumo ao que desejas do que dez palavras ditas, cem frases escritas ou mil pensamentos iguais.
As coisas não acontecem pelo número de vezes que as dizes, escreves ou pensas nelas; as coisas acontecem por aquilo que tu fazes para elas acontecerem.
Nada acontece porque, e por exemplo, afirmas que amanhã é que vais começar a perder peso ou porque desabafas sistematicamente para o papel todas as tuas tristezas ou porque não paras de pensar naquilo que te faria bem. Nada. Rigorosamente nada. O que dizes é zero se não deres forma às tuas palavras. O que escreves é nulo se não existir compromisso para além das palavras. E o que pensas não vale nada se não deres vida aos pensamentos.
As palavras faladas ou escritas têm uma força poderosíssima, é indesmentível, assim como tudo aquilo que pensamos. No entanto, sem ação, sem criação em movimento, de nada valem. O sumo de todas as conversas que tens, de todos os livros que lês ou de todos os diários que escreves e todas as ideias que te pincelam a cabeça, resume-se a nada se daí não se originar mudança.
E não há mudança sem saíres do conforto.
Os Herdeiros da Humanidade
As gerações passadas puderam acreditar que o progresso intelectual e o da civilização não eram senão frutos do trabalho dos seus antepassados, frutos esses que herdavam e lhes permitiam uma vida mais fácil e mais bela. Mas as experiências mais duras dos nossos tempos mostram que isso era uma ilusão nefasta.
Vemos que é preciso fazer os maiores esforços para que essa herança não se transforme em maldição, mas sim em bênção para a Humanidade. Se outrora um homem já tinha valor, do ponto de vista social, quando se libertava, em certa medida, do egoísmo pessoal, exige-se-lhe hoje que vença também o egoísmo nacional e de classe. Pois só então, quando se tiver elevado a esse ponto, poderá contribuir para a melhoria do destino da comunidade humana.
No que respeita a essa exigência primordial do nosso tempo, os habitantes dos Estados mais pequenos estão numa situação relativamente mais favorável do que os cidadãos dos grandes Estados, por se encontrarem estes últimos política e economicamente expostos às tentações de prepotência bruta. O acordo entre a Holanda e a Bélgica, único ponto luminoso na evolução europeia nos últimos tempos, faz esperar que caberá às nações pequenas um papel preponderante na libertação do jugo degradante do militarismo,
Que Preceitos Ministrar com o Nosso Semelhante?
Passemos a outra questão: o modo de tratarmos com o nosso semelhante. Como devemos agir, que preceitos ministrar? Que não derramemos sangue humano? Ao nosso semelhante devemos fazer o bem: aconselhar a não lhe fazer mal, que ridículo! Até parece que encontrar algum homem que não seja uma fera para os outros já é coisa merecedora de encómios… Vamos aconselhar a que se estenda a mão ao náufrago, se indique o caminho a quem anda perdido, se divida o pão com o esfomeado? Mas para que hei-de eu enumerar todos os actos que devemos ou não devemos praticar quando posso numa só frase resumir todos os nossos deveres para com os outros? Tudo quanto vês, este espaço em que se contém o divino e o humano, é uno, e nós não somos senão os membros de um vasto corpo. A natureza gerou-nos como uma só família, pois nos criou da mesma matéria e nos dará o mesmo destino; a natureza faz-nos sentir amor uns pelos outros, e aponta-nos a vida em sociedade. A natureza determinou tudo quanto é lícito e justo; pela própria lei da natureza, é mais terrível fazer o mal do que sofrê-lo; em obediência à natureza, as nossas mãos devem estar prontas a auxiliar quem delas necessite.
E se eu mudasse meu destino num passe de mágica? (…) Estranho, mas é sempre como se houvesse por trás do livre-arbítrio um roteiro fixo, pré-determinado, que não pode ser violado.
Nenhuma outra Viajará pela Sombra Comigo
Já és minha. Repousa com teu sono no meu sono.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite em suas rodas invisíveis
e ao meu lado és pura como o âmbar adormecido.Nenhuma outra, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma outra viajará pela sombra comigo,
apenas tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves signos sem rumo,
teus olhos fecharam-se como duas asas cinzentas,enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento fiam o seu destino,
e sem ti já não sou senão apenas o teu sonho.