Tenho, como Shaw, uma insopitável desconfiança de qualquer idéia que já venha sendo proclamada por mais de dez anos.
Passagens sobre Dez
142 resultadosA Guerra
Musa, pois cuidas que é sal
o fel de autores perversos,
e o mundo levas a mal,
porque leste quatro versos
de Horácio e de Juvenal,Agora os verás queimar,
já que em vão os fecho e os sumo;
e leve o volúvel ar,
de envolta como turvo fumo,
o teu furor de rimar.Se tu de ferir não cessas,
que serve ser bom o intento?
Mais carapuças não teças;
que importa dá-las ao vento,
se podem achar cabeças?Tendo as sátiras por boas,
do Parnaso nos dois cumes
em hora negra revoas;
tu dás golpes nos costumes,
e cuidam que é nas pessoas.Deixa esquipar Inglaterra
cem naus de alterosa popa,
deixa regar sangue a terra.
Que te importa que na Europa
haja paz ou haja guerra?Deixa que os bons e a gentalha
brigar ao Casaca vão,
e que, enquanto a turba ralha,
vá recebendo o balcão
os despojos da batalha.Que tens tu que ornada história
diga que peitos ferinos,
Os mandamentos da lei de Deus são dez, os pecados capitais são sete, e as virtudes teologais apenas quatro para tamanha responsabilidade.
Cultivar a Felicidade
Desde os primórdios da humanidade, que o ser humano procura a felicidade como a terra seca clama pela água. É fácil conquistá-la? Nem sempre! Os poetas homenagearam-na, os romancistas descreveram-na, os filósofos contemplaram-na, mas grande parte deles saudaram-na apenas de longe.
Os reis tentaram dominá-la, mas ela não se submeteu ao poder deles. Os ricos tentaram comprá-la, mas ela não se deixou vender. Os intelectuais tentaram compreendê-la, mas ela confundiu-os. Os famosos tentaram fasciná-la, mas ela contou-lhes que preferia o anonimato. Os jovens disseram que ela lhes pertencia, mas ela disse-lhes que não se encontrava no prazer imediato, nem se deixava encontrar pelos que não pensavam nas consequências dos seus atos.
Alguns acreditaram que poderiam cultivá-la em laboratório. Isolaram-se do mundo e dos problemas da vida, mas a felicidade enviou um claro recado a dizer que ela apreciava o cheiro das pessoas e crescia no meio das dificuldades.
Outros tentaram cultivá-la com os avanços da ciência e da tecnologia, mas eis que a ciência e a tecnologia se multiplicaram e a tristeza e as mazelas da alma se expandiram.Desesperados, muitos tentaram encontrar a felicidade em todos os cantos do mundo. Mas no espaço ela não estava,
Entender os Outros
Nós combatemos a nossa superficialidade, a nossa mesquinhez, para tentarmos chegar aos outros sem esperanças utópicas, sem uma carga de preconceitos ou de expectativas ou de arrogância, o mais desarmados possível, sem canhões, sem metralhadoras, sem armaduras de aço com dez centímetros de espessura; aproximamo-nos deles de peito aberto, na ponta dos dez dedos dos pés, em vez de estraçalhar tudo com as nossas pás de catterpillar, aceitamo-los de mente aberta, como iguais, de homem para homem, como se costuma dizer, e, contudo, nunca os percebemos, percebemos tudo ao contrário.
Mais vale ter um cérebro de tanque de guerra. Percebemos tudo ao contrário, antes mesmo de estarmos com eles, no momento em que antecipamos o nosso encontro com eles; percebemos tudo ao contrário quando estamos com eles; e, depois, vamos para casa e contamos a outros o nosso encontro e continuamos a perceber tudo ao contrário.
Como, com eles, acontece a mesma coisa em relação a nós, na realidade tudo é uma ilusão sem qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensão. E, contudo, que fazer com esta coisa terrivelmente significativa que são os outros, que é esvaziada do significado que pensamos ter e que, afinal, adquire um significado lúdico;
Em Portugal cada um Quer Tudo
E quando os homens são de tal condição, que cada um quer tudo para si, com aquilo com que se pudera contentar a quatro, é força que fiquem descontentes três. O mesmo nos sucede. Nunca tantas mercês se fizeram em Portugal, como neste tempo; e são mais os queixosos, que os contentes. Porquê? Porque cada um quer tudo. Nos outros reinos com uma mercê ganha-se um homem; em Portugal com uma mercê, perdem-se muitos. Se Cleofas fora português, mais se havia de ofender da a metade do pão que Cristo deu ao companheiro, do que se havia de obrigar da outra metade, que lhe deu a ele. Porque como cada um presume que se lhe deve tudo, qualquer cousa que se dá aos outros, cuida que se lhe rouba. Verdadeiramente, que não há mais dificultosa coroa que a dos reis de Portugal: por isto mais, do que por nenhum outro empenho.
(…) Em nenhuns reis do mundo se vê isto mais claramente que nos de Portugal. Conquistar a terra das três partes do mundo a nações estranhas, foi empresa que os reis de Portugal conseguiram muito fácil e muito felizmente; mas repartir três palmos de terra em Portugal aos vassalos com satisfação deles,
Um Grande Utensílio de Amor
um grande utensílio de amor
meia laranja de alegria
dez toneladas de suor
um minuto de geometriaquatro rimas sem coração
dois desastres sem novidade
um preto que vai para o sertão
um branco que vem à cidadeuma meia-tinta no sol
cinco dias de angústia no foro
o cigarro a descer o paiol
a trepanação do touromil bocas a ver e a contar
uma altura de fazer turismo
um arranha-céus a ripar
meia-quarta de cristianismouma prancha sem porta sem escada
um grifo nas linhas da mão
uma Ibéria muito desgraçada
um Rossio de solidão
Os Amantes
Amor, é falso o que dizes;
Teu bom rosto é contrafeito;
Busca novos infelizes
Que eu inda trago no peito
Mui frescas as cicatrizes;O teu meu é mel azedo,
Não creio em teu gasalhado,
Mostras-me em vão rosto ledo;
Já estou muito escaldado,
Já d’águas frias hei medo.Teus prémios são pranto e dor;
Choro os mal gastados anos
Em que servi tal senhor,
Mas tirei dos teus enganos
O sair bom pregador.Fartei-te assaz a vontade;
Em vãos suspiros e queixas
Me levaste a mocidade,
E nem ao menos me deixas
Os restos da curta idade?És como os cães esfaimados
Que, comendo os troncos quentes
Por destro negro esfolados,
Levam nos ávidos dentes
Os ossos ensanguentados.Bem vejo a aljava dourada
Os ombros nus adornar-te;
Amigo, muda de estrada,
Põe a mira em outra parte
Que daqui não tiras nada.Busca algum fofo morgado
Que, solto já dos tutores,
Ao domingo penteado,
Vá dizendo à toa amores
Pelas pias encostado;
H
Sei que dez anos nos separam de pedras
e raízes nos ouvidose ver-te, ó menina do quarto vermelho,
era ver a tua bondade, o teu olhar terno
de Borboleta no Infinitoe toda essa sucessão de pontos vermelhos no espaço
em que tu eras uma estrela que caiu
e incendiou a terralá longe numa fonte cheia de fogos-fátuos.
Muitas pessoas sobreestimam o que podem fazer em um ano e subestimam o que podem fazer em dez anos.
Levanto-me todos os dias antes das oito, faço dez minutos de ginástica diários, enquanto oiço as notícias, leio os jornais todos, porque faz parte do meu trabalho. Nunca trabalho à noite, porque à noite as pessoas divagam.
Um palmo de preguiça acrescenta dez de dano.
A Nossa Vida é Estilhaçada pelo Pormenor
Vivemos mesquinhamente, quais formigas, ainda que a fábula nos relate que há muito tempo atrás fomos transformados em homens; como os pigmeus lutamos com gruas; e é erro sobre erro, remendo sobre remendo, e a nossa melhor virtude decorre de uma miséria supérflua e evitável. A nossa vida é estilhaçada pelo pormenor.
Um homem honesto dificilmente precisa de contar para além dos seus dez dedos das mãos, acrescentando, em caso extremo, os seus dez dedos dos pés, e o resto que se amontoe. Simplicidade, simplicidade, simplicidade! Digo: ocupai-vos de dois ou três afazeres, e não de cem ou mil; contai meia dúzia em vez de um milhão e tomai nota das receitas e despesas na ponta do polegar. A meio do agitado mar da vida civilizada, tantas são as nuvens, as tempestades, as areias movediças, tantos são os mil e um imprevistos a ser levados em conta, que para não se afundar, para não ir a pique antes de chegar ao porto, um homem tem de ser um grande calculista para lograr êxito.
Simplificar, simplificar, simplificar. Em vez de três refeições por dia, se preciso for, comer apenas uma; em vez de cem pratos, cinco; e reduzir proporcionalmente as outras coisas.
O ódio de uma pessoa atrai o ódio de outras dez, mas o sentimento de amor atrai o amor de cem pessoas.
Da Poesia e da Tragédia
Parece que a poesia tem inteiramente a sua origem em duas causas, ambas naturais. Porque a imitação é natural ao homem desde a infância, e nisto difere dos outros animais, pois que ele é o mais imitador de todos, aprende as primeiras coisas por meio da imitação, e todos se deleitam com as imitações. É prova disto o que acontece a respeito dos artífices, porque nós contemplamos com prazer as imagens mais exactas daqueles mesmos objectos para que olhamos com repugnância; por exemplo, a representação de animais ferocíssimos e de cadáveres. E a razão disto é porque o aprender é coisa que muito apraz não só aos filósofos, mas também igualmente aos demais homens, posto que estes sejam menos instruídos. Por isso se alegram de ver as imagens, pois que, olhando para elas, podem aprender e discorrer o que uma delas é e dizer, por exemplo: isto é tal; porque, se suceder que alguém não tenha visto o original, não recebe então prazer da imitação, mas ou da beleza da obra, ou das cores, ou de outro algum motivo semelhante.
Sendo, pois, própria da nossa natureza a imitação, também o é a harmonia e o ritmo (porque é claro que os metros são parte do ritmo).
A Tua Vida é Agora
Toda a negatividade é provocada por uma acumulação de tempo psicológico e de recusa do presente. Mal-estar, ansiedade, tensão, stress, preocupações – todas as formas de medo – são causados por futuro em demasia e insuficiente presença. Sentimentos de culpa, arrependimento, ressentimento, injustiças, tristeza, amargura e todas as formas de falta de indulgência são provocados por passado em demasia e insuficiente presença.
A maioria das pessoas tem dificuldade em acreditar que seja possível um estado de consciência totalmente livre de negatividade. E no entanto é esse o estado de libertação para o qual todos os ensinamentos espirituais apontam. É a promessa de salvação, não num futuro ilusório, mas já aqui e agora.Poderás ter dificuldade em admitir que o tempo seja a causa do teu sofrimento ou dos teus problemas. Acreditas que são provocados por situações específicas na tua vida e, visto de um ponto de vista convencional, isso é verdade. Mas até teres lidado com a disfunção básica da mente “que-faz-os-problemas” – o seu apego ao passado e ao futuro e a negação do Agora – os problemas são na verdade permutáveis. Se todos os teus problemas ou as consideradas causas do sofrimento ou da infelicidade te fossem milagrosamente retirados hoje,
Os homens que não descaem ou fingem não descair da mocidade tão depressa, assombram-se da mudança que dez anos fazem no rosto e nas almas das mulheres suas contemporâneas.
O aforismo, a sentença, nos quais pela primeira vez sou mestre entre os alemães, são formas de «eternidade»: a minha ambição é dizer em dez frases o que outro qualquer diz num livro -, o que outro qualquer «não» diz nem num livro inteiro…
As Queixas dos Pais
É desagradável ouvir o meu pai falar, sempre cheio de insinuações, da boa sorte das pessoas de hoje e especialmente dos filhos dele, dos sofrimentos por que teve de passar quando era novo. Ninguém nega que, durante anos, por não ter roupa de Inverno capaz, ele teve feridas nas pernas, que andou muitas vezes com fome, que quando só tinha ainda dez anos empurrava uma carroça pelas aldeias, até de Inverno e de manhã muito cedo — mas, e isto é uma coisa que ele não compreende, estes factos, juntamente com o de eu não ter tido de passar por tudo isto, não levam a concluir que eu sou mais feliz do que ele, que ele se pode orgulhar das feridas que teve nas pernas, que é uma coisa de que se arroga e que afirma desde o princípio, que eu não posso avaliar os seus sofrimentos e que, finalmente, só porque não passei pelos mesmos sofrimentos, tenho de lhe estar eternamente grato. O prazer que eu não teria de o ouvir falar da sua juventude e dos pais, mas ouvir tudo isto naquele tom de orgulho e agressividade é um tormento. Está constantemente a erguer as mãos: «Quem é capaz de compreender isto hoje!
Cidadão do Mundo
De todas as grandes tiradas da História, em boa verdade, aquela que eu mais depressa aprendera a detestar fora essa do «cidadão do mundo», com que a classe média de Lisboa tanto gostava de encher a boca até que alguém a reconhecesse globetrotter, portadora de cartão de crédito e representante dessa nova burguesia do resort de quatro estrelas e da máquina fotográfica digital. Porque ser de todo o lado, percebi-o eu assim que extravasei os limites da terra-mãe, não podia significar outra coisa senão que não se era de lado nenhum – e não ser de lado nenhum, não ter um lugar, um canto de mundo a que regressar, parecera-me sempre a mais triste de todas as condições. Para ser sincero, e apesar das já quase duas décadas que levava de exílio, eu continuava a voltar à terra como se realmente pudesse acordar ao contrário, contorcendo-me e espreguiçando-me e depois fechando-me em concha, até, enfim, adormecer. E, se de alguém ainda conseguia desdenhar com algum método, assim despertando da letargia que nos últimos anos me deixara impávido perante cada vez mais coisas, perante a dor e o próprio prazer, era daqueles que viviam longe há dez ou vinte ou trinta ou mesmo quarenta anos e,