Passagens sobre Dragões

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Frases sobre dragões, poemas sobre dragões e outras passagens sobre dragões para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Os Livros Não São Coisas Mortas

Porque os livros não são de todo coisas mortas (…) preservando, como um frasco, a mais pura extracção do intelecto que os criou. Sei que são tão vivos e vigorosamente produtivos como os fabulosos dentes de um dragão e sendo fomentados podem unir homens armados. Por outro lado, a não ser que se use de toda a prudência, destruir um bom homem é quase o mesmo que destruir um bom livro; quem destrói um homem destrói uma criatura razoável; mas aquele que destrói um bom livro destrói a própria razão, destrói a imagem de Deus. Muitos homens constituem um fardo para o mundo; mas um bom livro é a encarnação preciosa de um espírito superior, conservado e estimado com o objectivo de viver para além da morte.

O Amor E A Morte

(com tema de Augusto dos Anjos)

Sobre essa estrada ilumineira e parda
dorme o Lajedo ao sol, como uma Cobra.
Tua nudez na minha se desdobra
— ó Corça branca, ó ruiva Leoparda.

O Anjo sopra a corneta e se retarda:
seu Cinzel corta a pedra e o Porco sobra.
Ao toque do Divino, o bronze dobra,
enquanto assolo os peitos da javarda.

Vê: um dia, a bigorna desses Paços
cortará, no martelo de seus aços,
e o sangue, hão de abrasá-lo os inimigos.

E a Morte, em trajos pretos e amarelos,
brandirá, contra nós, doidos Cutelos
e as Asas rubras dos Dragões antigos.

Carta à Minha Filha

Lembras-te de dizer que a vida era uma fila?
Eras pequena e o cabelo mais claro,
mas os olhos iguais. Na metáfora dada
pela infância, perguntavas do espanto
da morte e do nascer, e de quem se seguia
e porque se seguia, ou da total ausência
de razão nessa cadeia em sonho de novelo.

Hoje, nesta noite tão quente rompendo-se
de junho, o teu cabelo claro mais escuro,
queria contar-te que a vida é também isso:
uma fila no espaço, uma fila no tempo
e que o teu tempo ao meu se seguirá.

Num estilo que gostava, esse de um homem
que um dia lembrou Goya numa carta a seus
filhos, queria dizer-te que a vida é também
isto: uma espingarda às vezes carregada
(como dizia uma mulher sozinha, mas grande
de jardim). Mostrar-te leite-creme, deixar-te
testamentos, falar-te de tigelas – é sempre
olhar-te amor. Mas é também desordenar-te à
vida, entrincheirar-te, e a mim, em fila descontínua
de mentiras, em carinho de verso.

E o que queria dizer-te é dos nexos da vida,
de quem a habita para além do ar.

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O Sofrimento do Hipócrita

Ter mentido é ter sofrido. O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício. A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga. Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso. O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita. Causa náuseas beber perpétuamente a impostura. A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjôo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento. Engolir essa saliva é coisa horrível. Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima. Há um eu desmedido no impostor.

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Rumor dos Fogos

hoje à noite avistei sobre a folha de papel
o dragão em celulóide da infância
escuro como o interior polposo das cerejas
antigo como a insónia dos meus trinta e cinco anos…

dantes eu conseguia esconder-me nas paisagens
podia beber a humidade aérea do musgo
derramar sangue nos dedos magoados
foi há muito tempo
quando corria pelas ruas sem saber ler nem escrever
o mundo reduzia-se a um berlinde
e as mãos eram pequenas
desvendavam os nocturnos segredos dos pinhais

não quero mais perceber as palavras nem os corpos
deixou de me pertencer o choro longínquo das pedras
prossigo caminho com estes ossos cor de malva
som a som o vegetal silêncio sílaba a sílaba o abandono
desta obra que fica por construir… o receio
de abrir os olhos e as rosas não estarem onde as sonhei
e teu rosto ter desaparecido no fundo do mar

ficou-me esta mão com sua sombra de terra
sobre o papel branco… como é louca esta mão
tentando aparar a tristeza antiga das lágrimas

A única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça, aparar-lhe as unhas não serve de nada.

O Amor é Mais Forte

Os amantes de hoje preferem a droga mais leve, o tabaco mais light ou o café descafeinado. Já ninguém quer ficar pedrado de amor ou sofrer de uma overdose de paixão. As emoções fortes são fracas e as próprias fraquezas revelam-se mais fortes. Os amantes, esses, são igualmente namorados da monotonia e amigos íntimos da disciplina. O que está fora de controlo causa-lhes confusão, e afecta-lhes uma certa zona do cérebro, mas quase nunca lhes toca o coração. O amor devia ser sonhado e devia fazê-los voar; em vez disso é planeado, e quanto muito, fá-los pensar.
Sobre o amor não se tem controlo. É um sentimento que nos domina, que nos sufoca e que nos mata. Depois dá-nos um pouco vida. No amor queremos viver, mas pouco nos importa morrer e estamos sempre dispostos a ir mais além. Deixamo-nos cair em tentação, e não nos livramos do mal, embora procuremos o bem. No amor também se tem fé, mas não se conhecem orações: amamos porque cremos, porque desejamos e porque sabemos que o amor existe. Amamos sem saber se somos amados, e por isso podemos acabar desolados, isolados e deprimidos. Que se lixe! O amor não é justo,

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A Taça de Chá

O luar desmaiava mais ainda uma máscara caida nas esteiras bordadas. E os bambús ao vento e os crysanthemos nos jardins e as garças no tanque, gemiam com elle a advinharem-lhe o fim. Em róda tombávam-se adormecidos os idolos coloridos e os dragões alados. E a gueisha, procelana transparente como a casca de um ovo da Ibis, enrodilhou-se num labyrinto que nem os dragões dos deuses em dias de lagrymas. E os seus olhos rasgados, perolas de Nankim a desmaiar-se em agua, confundiam-se scintillantes no luzidio das procelanas.

Elle, num gesto ultimo, fechou-lhe os labios co’as pontas dos dedos, e disse a finar-se:–Chorar não é remedio; só te peço que não me atraiçoes emquanto o meu corpo fôr quente. Deitou a cabeça nas esteiras e ficou. E Ella, num grito de garça, ergueu alto os braços a pedir o Ceu para Elle, e a saltitar foi pelos jardíns a sacudir as mãos, que todos os que passavam olharam para Ella.

Pela manhã vinham os visinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambús, e todos viram acocorada a gueisha abanando o morto com um leque de marfim.

A estampa do pires é igual.

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As Tuas Lágrimas

As tuas lágrimas respiram e florescem, o lugar onde te sentas é o rio que corre em sobressalto por dentro de uma árvore, seiva renovada que transporta palavras até às folhas felizes de~um amor demorado e ainda puro. E essa ávore fala através das tuas palavras, demora-se em conversas com as abelhas, com os gaios, com o vento.
As tuas lágrimas iluminam as páginas alucinadas dos livros de poesia, e as mesas claras tão cheias de frutos que se assemelham a fogueiras ruivas, alimento privilegiado de um imenso e intenso dragão que me aquece o sangue.
As tuas lágrimas transbordam os grandes lagos dos meus olhos e eu choro contigo os grandes peixes da ternura, esses mesmos peixes que são os arquitectos perturbados de uma relação sem tempo mas alimentada por primaveras que de tão altas são inquestionáveis.
As tuas lágrimas fertilizam as searas celestes, arrefecem o movimento dos vulcões, absorvem toda a beleza do arco-íris, embebedam-se com a doçura das estrelas. E são oferendas à mãe terra, o reconhecimento final do princípio do nosso pequeno mundo. As tuas lágrimas são minhas amigas. São as minhas lágrimas. A forma de chorar-te cheio de alegria, ferido por esta felicidade de amar-te muito,

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Todos nós nos preparamos para matar dragões e terminamos sendo devorados pelas formigas dos detalhes, às quais nunca prestamos atenção.

A Vida Oblíqua

Só agora pressenti o oblíquo da vida. Antes só via através de cortes retos e paralelos. Não percebia o sonso traço enviesado. Agora adivinho que a vida é outra. Que viver não é só desenrolar sentimentos grossos — é algo mais sortilégico e mais grácil, sem por isso perder o seu fino vigor animal. Sobre essa vida insolitamente enviesada tenho posto minha pata que pesa, fazendo assim com que a existência feneça no que tem de oblíquo e fortuito e no entanto ao mesmo tempo sutilmente fatal. Compreendi a fatalidade do acaso e não existe nisso contradição.

A vida oblíqua é muito íntima. Não digo mais sobre essa intimidade para não ferir o pensar-sentir com palavras secas. Para deixar esse oblíquo na sua independência desenvolta.
E conheço também um modo de vida que é suave orgulho, graça de movimentos, frustração leve e contínua, de uma habilidade de esquivança que vem de longo caminho antigo. Como sinal de revolta apenas uma ironia sem peso e excêntrica. Tem um lado da vida que é como no inverno tomar café num terraço dentro da friagem e aconchegada na lã.
Conheço um modo de vida que é sombra leve desfraldada ao vento e balançando leve no chão: vida que é sombra flutuante,

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A Guerra

Musa, pois cuidas que é sal
o fel de autores perversos,
e o mundo levas a mal,
porque leste quatro versos
de Horácio e de Juvenal,

Agora os verás queimar,
já que em vão os fecho e os sumo;
e leve o volúvel ar,
de envolta como turvo fumo,
o teu furor de rimar.

Se tu de ferir não cessas,
que serve ser bom o intento?
Mais carapuças não teças;
que importa dá-las ao vento,
se podem achar cabeças?

Tendo as sátiras por boas,
do Parnaso nos dois cumes
em hora negra revoas;
tu dás golpes nos costumes,
e cuidam que é nas pessoas.

Deixa esquipar Inglaterra
cem naus de alterosa popa,
deixa regar sangue a terra.
Que te importa que na Europa
haja paz ou haja guerra?

Deixa que os bons e a gentalha
brigar ao Casaca vão,
e que, enquanto a turba ralha,
vá recebendo o balcão
os despojos da batalha.

Que tens tu que ornada história
diga que peitos ferinos,

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O Interior da Alma

O olho do espírito em parte nenhuma pode encontrar mais deslumbramentos, nem mais trevas, do que no homem, nem fixar-se em coisa nenhuma, que seja mais temível, complicada, misteriosa e infinita. Há um espectáculo mais solene do que o mar, é o céu; e há outro mais solene do que o céu, é o interior da alma.
Fazer o poema da consciência humana, mas que não fosse senão a respeito de um só homem, e ainda nos homens o mais ínfimo, seria fundir todas as epopeias numa epopeia superior e definitiva. A consciência é o caos das quimeras, das ambições e das tentativas, o cadinho dos sonhos, o antro das ideias vergonhosas: é o pandemónio dos sofismas, é o campo de batalha das paixões. Penetrai, a certas horas, através da face lívida de um ser humano, e olhai por trás dela, olhai nessa alma, olhai nessa obscuridade. Há ali, sob a superfície límpida do silêncio exterior, combates de gigante como em Homero, brigas de dragões e hidras, e nuvens de fantasmas, como em Milton, espirais visionárias como em Dante.

Tu, de quantos dragões o Inferno encerra,
És o pior, Inveja pestilente!
Morde a virtude, ao mérito faz guerra
Teu detestável, teu maligno dente.

Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia.

Timor

Lavam-se os olhos nega-se o beijo
do labirinto escolhe-se o mar
no cais deserto ficam desejos
da terra quente por conquistar

Nobre soldado que vens senhor
por sobre as asas do teu dragão
beijas os corpos no chão queimado
nunca serás o nosso perdão

Ai Timor
calam-se as vozes
dos teus avós
Ai Timor
se outros calam
cantemos nós

Salgas os ventres que não tiveste
ceifando os filhos que não são teus
nobre soldado nunca sonhaste
ver uma espada na mão de Deus

Da cruz se faz uma lança em chamas
que sangra o céu no sol do meio dia
do meio dos corpos a mesma lama
leito final onde o amor nascia

Ai Timor
calam-se as vozes
dos teus avós
Ai Timor
se outros calam
cantemos nós

Contos de fada não dizem às crianças que dragões existem. Crianças já sabem que dragões existem. Contos de fada dizem às crianças que dragões podem ser mortos.

A Armadilha do Quotidiano

Enquanto, submetidos que andamos à monstruosidade, quase não conseguimos levantar os olhos e ver à nossa volta para decidir o que havemos de fazer e como havemos de aplicar o que de melhor existe nas nossas forças e na nossa actividade, e enquanto nos fizer falta o mais elevado dos entusiasmos, que só pode existir se não for de natureza empírica, há-de continuar a haver, não digo dragões, mas pelo menos vermes miseráveis a roer o nosso quotidiano.

Uma Gravura Fantástica

Um vulto singular, um fantasma faceto,
Ostenta na cabeça horrível de esqueleto
Um diadema de lata, – único enfeite a orná-lo
Sem espora ou ping’lim, monta um pobre cavalo,

Um espectro também, rocinante esquelético,
Em baba a desfazer-se como um epitético,
Atravessando o espaço, os dis lá vão levados,
O Infinito a sulcar, como dragões alados.

O Cavaleiro brande um gládio chamejante
Por sobre as multidões que pisa rocinante.
E como um gran-senhor, que seus reinos visite,

Percorre o cemitério enorme, sem limite,
Onde jazem, no alvor d’uma luz branca e terna,
Os povos da História antiga e da moderna.

Tradução de Delfim Guimarães