Passagens sobre Imprevistos

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Frases sobre imprevistos, poemas sobre imprevistos e outras passagens sobre imprevistos para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

A arte de viver é mais parecida com a luta do que com a dança, na medida em que está pronta para enfrentar tanto o inesperado como o imprevisto e não está preparada para cair.

O Encanto da Vida

Todas as noites acordado até desoras, à espera da última cena de pancadaria num jogo de futebol, do último insulto num debate parlamentar, do último discurso demagógico num comício eleitoral, da última pirueta dum cabotino entrevistado, da última farsa no palco internacional. Crucificações masoquistas, que a prudência desaconselha e a imprudência impõe. Vou deste mundo farto de o conhecer e faminto de o descobrir.

Mas não há perspicácia, nem constância de atenção capazes de lhe prefigurar os imprevistos. O que acontece hoje excede sempre o que sucedeu ontem. A violência, o facciosismo, a ambição de poder, a crueldade e o exibicionismo não têm limites. Felizmente que a abnegação, a generosidade e o altruísmo também não. E o encanto da vida é precisamente esse: nenhum excesso nela ser previsível. Nem no mal nem no bem. E não me canso de o verificar, de surpresa em surpresa, à luz dos acontecimentos.

Quando julgo que estou devidamente informado sobre o amor, sobre o ódio, sobre a santidade, sobre a perfídia, sobre as virtudes e os defeitos humanos, acabo por concluir que soletro ainda o á-bê-cê da realidade. Cabeçudo como sou, teimo na aprendizagem. Hoje fizeram-me a revelação surpreendente de que um avarento meu conhecido,

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Soneto das Metamorfoses

A Edmundo Morais

Carolina, a cansada, fez-se espera
e nunca se entregou ao mar antigo.
Não por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada que então era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.

Renascimento

A Alma não fica inteiramente morta!
Vagas Ressurreições do Sentimento
Abrem já, devagar, porta por porta,
Os palácios reais do Encantamento!

Morrer! Findar! Desfalecer! que importa
Para o secreto e fundo movimento
Que a alma transporta, sublimiza e exorta,
Ao grande Bem do grande Pensamento!

Chamas novas e belas vão raiando,
Vão se acendendo os límpidos altares
E as almas vão sorrindo e vão orando…

E pela curva dos longínquos ares
Ei-las que vêm, como o imprevisto bando
Dos albatrozes dos estranhos mares…

A Rua Dos Cataventos – X

Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos…
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!

Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos…
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!

“Meu Deus! Mas tu não tu não mudas o programa!”
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
“Que tédio!” o coro dos Amigos clama.

“Mas que vos dar de novo e de imprevisto?”
Digo… e retorço as pobres mãos cansadas:
“Eu sei chorar… eu sei sofrer… Só isto!”

A Indiferença ou a Paixão pelos Outros

O que é mais proveitoso — perguntava eu — representar o mundo como pequeno ou como grande? Vejamos como eu resolvia o assunto: os homens eminentes, os capitães famosos, os estadistas competentes, em suma, todos os conquistadores e todos os chefes que se elevam pela violência acima dos outros homens, devem ser feitos de tal maneira que o Mundo lhes deve parecer como um tabuleiro de damas. Se assim não fosse, eles não teriam a rudeza e a impassibilidade necessárias para subordinarem audaciosamente aos seus imprevisíveis planos a felicidade e os sofrimentos dos indivíduos isolados, sem se importarem nada com isso. Em contrapartida, uma tão limitada concepção pode levar os homens a não realizarem coisa alguma, porque todo aquele que considera a humanidade como uma coisa sem importância acabará por a achar insignificante e por soçobrar na indiferença e na passividade. Desdenhoso de tudo, preferirá a inércia à acção sobre os espíritos, sem contar que a sua insensibilidade, a sua ausência de simpatia e a sua letargia chocarão toda a gente, ofendendo constantemente um mundo imbuído do seu próprio valor. Assim se lhe fecharão todas as vias de um sucesso imprevisto. Será mais razoável — perguntava eu, então — ver na humanidade qualquer coisa de grande,

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O Implacável Antagonista Somos Nós Mesmos

O trajecto era interminável. Teria deixado escapar uma volta na estrada ou a próxima morada seria aquilo mesmo: um caixão que conduzíamos pelas trevas sem espaço, contanto e recontando os eventos incontroláveis que nos levaram a transformarmo-nos em alguém imprevisto. E tão depressa! Tão rapidamente! Tudo fica para trás, a começar por quem somos, e a certa altura indefinível acabamos por compreender parcialmente que o implacável antagonista somos nós mesmos.

Quando encontro uma pessoa a dormir ao relento, numa noite fria, posso sentir que esse vulto seja um imprevisto que me demora, um delinquente ocioso, um obstáculo no meu caminho, um aguilhão molesto para a mina consciência, um problema que os políticos devem resolver e, talvez até, uma imundície que suja o espaço público. Ou então posso reagir a partir da fé e da caridade e reconhecer nele um ser humano com a mesma dignidade que eu.

Às vezes não conseguimos realizar os nossos projetos, porque surge um imprevisto urgente que perturba os nossos planos e requer flexibilidade e disponibilidade para as necessidades dos outros.

Sobre os amantes e os soldados, sobre os homens condenados à morte, sobre todos aqueles que o poder cósmico da vida preenche, o poder do destino desce por vezes imprevisto numa súbita iluminação que será a sua graça e o seu fardo.

Prazer com Virtude

Que dizer do facto de tanto os homens bons como os maus terem prazer, e de os homens infames terem tanto gosto em cometer actos vergonhosos como os homens honestos têm nas suas acções excelentes? É por isso que os antigos prescreveram que se procurasse a vida melhor, não a mais agradável, de forma a que o prazer fosse, não o guia, mas um companheiro da vontade recta e boa. Na verdade, a natureza deve ser o nosso guia: a razão observa-a e consulta-a. Por isso, viver feliz é o mesmo que viver de acordo com a natureza. Passo a explicar o que quer isto dizer: se conservarmos os nossos dons corporais e as nossas aptidões naturais com diligência, mas também com impavidez, tomando-os como bens efémeros e fugazes; se não nos tornarmos servos deles, nem nos submetermos a coisas exteriores; se as coisas que são circunstanciais e agradáveis ao corpo forem para nós como auxiliares e tropas ligeiras num castro (que obedecem, não comandam); nesta medida, todas estas coisas serão úteis à mente.
Não se deixe o homem corromper pelas coisas externas e inalcançáveis, e admire-se apenas a si próprio, confiando no seu ânimo e mantendo-se preparado para tudo,

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Fábrica

Oh, a poesia de tudo o que é geométrico
e perfeito,
a beleza nova dos maquinismos,
a força secreta das peças
sob o contacto liso e frio dos metais,
a segura confiança

do saber-se que é assim e assim exactamente,
sem lugar a enganos,
tudo matemático e harmónico,
sem nenhum imprevisto, sem nenhuma aventura,
como na cabeça do engenheiro.
Os operários têm nos músculos, de cor,
os movimentos dia a dia repetidos:

é como se fossem da sua natureza,
longe de toda a vontade e de todo o pensamento;

como se os metais fossem carne do corpo
e as veias se abrissem
àquela vida estranha, dura, implacável
das máquinas.

Os motores de tantos mil cavalos
alinhados e seguros de si,
seguros do seu poder;

as articulações subtis das bielas,
o enlace justo das engrenagens:
a fábrica, todo um imenso corpo de movimentos
concordantes, dependentes, necessários.

Envelhecer

Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o sginificado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer… Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto,

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Originalidade Verdadeira e Originalidade Falseada

Em Arte, é vivo tudo o que é original. É original tudo o que provém da parte mais virgem, mais verdadeira e mais íntima duma personalidade artística. A primeira condição duma obra viva é pois ter uma personalidade e obedecer-lhe. Ora como o que personaliza um artista é, ao menos superficialmente, o que o diferencia dos demais, (artistas ou não) certa sinonímia nasceu entre o adjectivo original e muitos outros, ao menos superficialmente aparentados; por exemplo: o adjectivo excêntrico, estranho, extravagante, bizarro… Eis como é falsa toda a originalidade calculada e astuciosa.
Eis como também pertence à literatura morta aquela em que um autor pretende ser original sem personalidade própria. A excentricidade, a extravagância e a bizarria podem ser poderosas – mas só quando naturais a um dado temperamento artístico. Sobre outras qualidades, o produto desses temperamentos terá o encanto do raro e do imprevisto. Afectadas, semelhantes qualidades não passarão dum truque literário.

A Poesia

… Quantas obras de arte… Já não cabem no mundo… Temos de as pendurar fora dos quartos… Quantos livros… Quantos livrecos… Quem será capaz de os ler?… Se fossem comestíveis… Se numa panela de grande calado os fizéssemos em salada, os picássemos, os alinhássemos… Já não se pode mais… Estamos até ao pescoço… O mundo afoga-se na maré… Reverdy dizia-me: «Avisei o correio para que não me trouxesse mais livros… Não poderia abri-los. Não tenho espaço. Trepam pelas paredes, temi uma catástrofe, ruiriam em cima da minha cabeça»… Todos conhecem Eliot… Antes de ser pintor, de dirigir teatros, de escrever luminosas críticas, lia os meus versos… Sentia-me lisonjeado… Ninguém os compreendia melhor… Até que um dia começou a ler-me os seus e eu, egoisticamente, corri a protestar: «Não mos leia, não mos leia»… Fechei-me no quarto de banho, mas Eliot, através da porta, lia-mos… Fiquei muito triste… O poeta Frazer, da Escócia, estava presente… Increpou-me: «Porque tratas assim Eliot?»… Respondi: «Não quero perder o meu leitor. Cultivei-o. Conhece até as rugas da minha poesia… Tem tanto talento… Pode fazer quadros… Pode escrever ensaios… Mas eu quero manter este leitor, conservá-lo, regá-lo como planta exótica… Compreendes-me, Frazer?»… Porque a verdade, se isto continua,

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Regras Gerais da Arte da Guerra

Estou consciente de vos ter falado de muitas coisas que por vós mesmos haveis podido aprender e ponderar. Não obstante, fi-lo, como ainda hoje vos disse, para melhor vos poder mostrar, através delas, os aspectos formais desta matéria,e, ainda, para satisfazer aqueles – se fosse esse o caso – que não tivessem tido, como vós, a oportunidade de sobre elas tomar conhecimento. Parece-me que, agora, já só me resta falar-vos de algumas regras gerais, com as quais deveis estar perfeitamente identificados. São as seguintes:
– Tudo o que é útil ao inimigo é prejudicial para ti, e, tudo o que te é útil prejudica o inimigo.
– Aquele que, na guerra, for mais vigilante a observar as intenções do inimigo e mais empenho puser na preparação do seu exército, menos perigos correrá e mais poderá aspirar à vitória.
– Nunca leves os teus soldados para o campo de batalha sem, previamente, estares seguro do seu ânimo e sem teres a certeza de que não têm medo e estão disciplinados e convictos de que vão vencer.
– É preferível vencer o inimigo pela fome do que pelas armas. A vitória pelas armas depende muito mais da fortuna do que da virtude.

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Sexta-Feira Santa

Lua absíntica, verde, feiticeira,
Pasmada como um vício mosntruoso…
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaç fabuloso.

É esta a negra e santa Sexta-Feira!
Cristo está morto, como um vil leproso,
Chagado e frio, na feroz cegueira
Da morte, o sangue roxo e tenebroso.

A serpente do mal e do pecado
Um sinistro veneno esverdeado
Verte do Morto na mudez serena.

Mas da sagrada Redenção do Cristo,
Em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
Brotam fosforescências de gangrena!

A miséria do meu ser

A miséria do meu ser,
Do ser que tenho a viver,
Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.

Ninguém conhece quem sou
Nem eu mesmo me conheço
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.

É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto…
Sou assim. Mas isto é crível?

Hábito e Inércia

Ao princípio, somos carne animada pela alma; a meio caminho, meias máquinas; perto do fim, autómatos rígidos e gelados como cadáveres. Quando a morte chega, encontramo-nos em tudo semelhantes aos mortos. Esta petrificação progressiva é obra do hábito.
O hábito torna-nos cegos às maravilhas do mundo – indiferentes e inconscientes perante os milagres quotidianos -, embota a força dos sentidos e dos sentimentos – torna-nos escravos dos costumes, mesmo tristes e culpados: suprime a vista, espanto, fogo e liberdade. Escravos, frígidos, insensatos, cegos: tudo propriedade dos cadáveres. A subjugação aos hábitos é uma subjugação da morte; um suicídio gradual do espírito.
O hábito suprime as cores, incrusta, esconde: partes da nossa vida afundam-se gradualmente na inconsciência e deixam de ser vida para se tornarem peças de um mecanismo imprevisto. O círculo do espontâneo reduz-se; a liberdade e novidade decaem na monotonia do vulgar.
É como se o sangue se tornasse, a pouco e pouco, sólido como os ossos e a alma um sistema de correias e rodas. A matéria não passa de espírito petrificado pelos hábitos. Nasce-se espírito e matéria e termina-se apenas como matéria. A casca converteu em madeira a própria linfa.
A casca é necessária para proteger o albume,

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