Passagens sobre Infâmia

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Frases sobre infâmia, poemas sobre infâmia e outras passagens sobre infâmia para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Maridos: deveis abster-vos de contar à esposa as infâmias que vos fizeram as que a precederam. Não convém sugerir-lhe ideias.

A Lusitânia

A terra mais ocidental de todas é a Lusitânia. E porque se chama Ocidente aquela parte do mundo? Porventura porque vivem ali menos, ou morrem mais os homens? Não; senão porque ali vão morrer, ali acabam, ali se sepultam e se escondem todas as luzes do firmamento. Sai no Oriente o Sol com o dia coroado de raios, como Rei e fonte da Luz: sai a Lua e as Estrelas com a noite, como tochas acesas e cintilantes contra a escuridade das trevas, sobem por sua ordem ao Zénite, dão volta ao globo do mundo resplandecendo sempre e alumiando terras e mares; mas em chegando aos Horizontes da Lusitânia, ali se afogam os raios, ali se sepultam os resplendores, ali desaparece e perece toda aquela pompa de luzes.
E se isto sucede aos lumes celestes e imortais; que nos lastimamos, Senhores, de ler os mesmos exemplos nas nossas Histórias? Que foi um Afonso de Albuquerque no Oriente? Que foi um Duarte Pacheco? Que foi um D. João de Castro? Que foi um Nuno da Cunha, e tantos outros Heróis famosos, senão uns Astros e Planetas lucidíssimos, que assim como alumiaram com estupendo resplendor aquele glorioso século, assim escurecerão todos os passados?

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Livre!

Livre! Ser livre da materia escrava,
Arrancar os grilhões que nos flagelam
E livre, penetrar nos Dons que selam
A alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Livre da humana, da terrestre bava
Dos corações daninhos que regelam
Quando os nossos sentidos se rebelam
Contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,
Mais junto à Natureza e mais seguro
Do seu amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,
Para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.

O Mal em Mim

Não sou capaz de explicar a sensação do mal em mim; representava, nesse período da minha vida de que falo, a fonte de uma angústia inexprimível. Os homens constroem teorias estranhas sobre o bem e o mal, sobre os castigos e as recompensas; procuram assim a verdade que nunca em vida poderão saber.
Foi muito bom para mim e para a minha família o facto de eu ter sempre ficado em casa e conservado sem esforço o meu antigo modo de ser calmo até aos quinze anos. Nessa altura, porém, mandaram-me para uma escola longe da minha casa, onde o ser latente em mim que tanto temia despertou e começou a agir e a insinuar-se na vida humana.
Quando digo que sentia haver muito mal dentro de mim, não quero dizer que estivesse desde sempre condenado a uma vida de infâmia ou de vício. Quero dizer, porém, isto — que havia em mim uma forte atracção por todas as coisas censuráveis que assediam o homem: podia controlar ou podia satisfazer esta atracção, mas uma vez satisfeita, mesmo só um pouco, era provável que eu nunca mais me pudesse controlar. Resolvi satisfazer essa atracção, e a partir desse momento,

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Desde que se cumpram certas cerimónias ou se respeitem certas fórmulas, consegue-se ser ladrão e escrupulosamente honesto – tudo ao mesmo tempo. A honradez deste homem assenta sobre uma primitiva infâmia. O interesse e a religião, a ganância e o escrúpulo, a honra e o interesse, podem viver na mesma casa, separados por tabiques. Agora é a vez da honra – agora é a vez do dinheiro – agora é a vez da religião. Tudo se acomoda, outras coisas heterogéneas se acomodam ainda. Com um bocado de jeito arranja-se-lhes sempre lugar nas almas bem formadas.

A Cada Virtude Corresponde um Vício

Habituo-me a só pensar bem dos meus amigos, a confiar-lhe os meus segredos e o meu dinheiro; não tarda que me traiam. Se me revolto contra uma perfídia sou eu, sempre, a sofrer o castigo. Esforço-me por amar os homens em geral; faço-me cego aos seus erros e deixo, indulgente ao máximo, passar infâmias e calúnias: uma bela manhã acordo cúmplice. Se me afasto de uma sociedade que considero má, bem depressa sou atacado pelos demónios da solidão; e procurando amigos melhores, acho os piores.
Mesmo depois de vencer as paixões más e chegar, pela abstinência, a uma certa tranquilidade de espírito, sinto uma auto-satisfação que me eleva acima do próximo; e temos à vista o pecado mortal, a vaidade imediatamente castigada.

O caminho da justiça é uma linha fina, desacerta-se ao milímetro. Já o caminho da infâmia é tudo o resto, pode avançar-se durante anos nesse terreno sem lhe achar o fim.

Nunca Competir

Toda a pretensão com oposição prejudica o crédito; a competição tira logo a desdourar, para deslustrar. São poucos os que fazem boa guerra. A emulação descobre os defeitos que a cortesia esqueceu; muitos viveram acreditados enquanto não tiveram adversários. O calor da contestação aviva ou ressuscita infâmias mortas, desenterra hediondezas passadas e antepassadas. Começa a competição com manifestos de desdouros, socorrendo-se de tudo o que pode e não deve; e, ainda que às vezes, e no mais das vezes, as ofensas não sejam armas proveitosas, delas tira vil satisfação para sua vingança, e esta sacode com tais ares que faz saltar pelos desares o pó do esquecimento. Sempre foi pacífica a benevolência e benévola a reputação.

O Sofrimento do Hipócrita

Ter mentido é ter sofrido. O hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um triunfo e sofre um suplício. A premeditação indefinida de uma ação ruim, acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma fadiga. Compor a candura com todos os elementos negros que trabalham no cérebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compor o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma beleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cócegas com o punhal, por açúcar no veneno, velar na franqueza do gesto e na música da voz, não ter o próprio olhar, nada mais difícil, nada mais doloroso. O odioso da hipocrisia começa obscuramente no hipócrita. Causa náuseas beber perpétuamente a impostura. A meiguice com que a astúcia disfarça a malvadez repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e há momentos de enjôo em que o hipócrita vomita quase o seu pensamento. Engolir essa saliva é coisa horrível. Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em que o hipócrita se estima. Há um eu desmedido no impostor.

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Sátira

Besta e mais besta! O positivo é nada…
(Perdoa, se em gramática te falo,
Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
Besta e mais besta! Na palavra embirro;
Que a besta anexa ao mais teu ser define.

Dás-me louvor servil na voz do prelo,
Grande me crês, proclamas-me famoso,
Excelso, transcendente, incomparável,
Confessas que d’Elmano a fúria temes…
E, débil estorninho, águias provocas,
Aves de Jove, que o corisco empunham!

És de rábula vil corrupta imagem;
Tu vendes o louvor, como ele as partes,
Mas ele na enxovia infâmias paga,
E tu, com tústios, que aos caloiros pilhas,
Compras gravatas, em que a tromba enorme
Sumas ao dia, que de a ver se embrusca,
Qual em tenra mãozinha esconde a face
Mimoso infante de papões vexado.
Útil descuido aos cárceres te furta,
À digna habitação de ti saudosa
(Digo, o Castelo), estância equivalente
Aos méritos morais, que em ti reluzem.

De saloios vinténs larápio sujo,
A glória do teu ódio restitui
A quem no teu louvor desacreditas.
Se honrada pelos sábios d’Ulisseia
(D’Ulisseia não só,

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Mais umas poucas Dúzias de Homens Ricos

Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? – Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico,

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Técnicas de Narrador

Os que me conheceram aos quatro anos dizem que era pálido e ensimesmado e que só falava para contar disparates, mas os meus relatos eram em grande parte episódios simples da vida diária, que eu tornava mais atraentes com pormenores fantásticos para que os adultos me prestassem atenção. A minha melhor fonte de inspiração eram as conversas que os mais velhos mantinham diante de mim, porque pensavam que não as entendia, ou as que cifravam de propósito para que não as entendesse. E, de facto, acontecia o contrário: absorvia-as como uma esponja, desmontava-as em peças, alterava-as para escamotear a origem, e quando as contava aos mesmos que as tinham contado ficavam perplexos pelas coincidências entre o que eu dizia e o que eles pensavam.

Às vezes não sabia o que fazer com a minha consciência e procurava dissimular com um rápido pestanejar. Tanto era assim que algum racionalista da família decidiu que eu fosse observado por um médico da vista, que atribuiu o meu pestanejar a uma infecção das amígdalas e me receitou um xarope de rábano iodado que me fez muito bem para aliviar os adultos. A avó, por seu lado, chegou à conclusão providencial de que o neto era adivinho.

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De Um e de Dois, de Todos

Sou o espectador o actor e o autor
Sou a mulher o marido e o filho
E o primeiro amor e o derradeiro amor
E o furtivo transeunte e o amor confundido

E de novo a mulher seu leito e seu vestido
E seus braços partilhados e o trabalho do homem
E seu prazer em flecha e a fêmea ondulação
Simples e dupla a carne nunca se exila

Pois onde começa um corpo ganho eu forma e
[consciência
E mesmo quando na morte um corpo se desfaz
Eu repouso em seu cadinho desposo o seu
[tormento
Sua infâmia me honra o coração e a vida.

Tradução de António Ramos Rosa

A Portugalite

Entre as afecções de boca dos portugueses que nem a pasta medicinal Couto pode curar, nenhuma há tão generalizada e galopante como a Portugalite. A Portugalite é uma inflamação nervosa que consiste em estar sempre a dizer mal de Portugal. É altamente contagiosa (transmite-se pela saliva) e até hoje não se descobriu cura.

A Portugalite é contraída por cada português logo que entra em contacto com Portugal. É uma doença não tanto venérea como venal. Para compreendê-la é necessário estudar a relação de cada português com Portugal. Esta relação é semelhante a uma outra que já é clássica na literatura. Suponhamos então que Portugal é fundamentalmente uma meretriz, mas que cada português está apaixonado por ela. Está sempre a dizer mal dela, o que é compreensível porque ela trata-o extremamente mal. Chega até a julgar que a odeia, porque não acha uma única razão para amá-la. Contudo, existem cinco sinais — típicos de qualquer grande e arrastada paixão — que demonstram que os portugueses, contra a vontade e contra a lógica, continuam apaixonados por ela, por muito afectadas que sejam as «bocas» que mandam.

Em primeiro lugar, estão sempre a falar dela. Como cada português é um amante atraiçoado e desgraçado pela mesma mulher,

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Sejamos Alegres

Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer — e respondo a toda essa infâmia com — exatamente isto que vai agora ficar escrito — e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas — porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou — apesar de tudo oh apesar de tudo — estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como,

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Aberração

Na velhice automática e na infância,
(Hoje, ontem, amanhã e em qualquer era)
Minha hibridez é a súmula sincera
Das defectividades da Substância.

Criando na alma a estesia abstrusa da ânsia,
Como Belerofonte com a Quimera
Mato o ideal; cresto o sonho; achato a esfera
E acho odor de cadáver na fragrância!

Chamo-me Aberração. Minha alma é um misto
De anomalias lúgubres. Existo
Como o cancro, a exigir que os sãos enfermem…

Teço a infâmia; urdo o crime; engendro o iodo
E nas mudanças do Universo todo
Deixo inscrita a memória do meu gérmen!

Ninguém se pode Encarar a si Próprio até ao Fundo

Ninguém pode com isto, ninguém pode encarar-se a si próprio e ver-se até ao fundo. A tua meticulosidade é de ferro, a tua meticulosidade está de tal maneira entranhada no teu ser que sem ela não existes. Pois até a tua meticulosidade se há-de dissolver! E tu sem o hábito não existes, nem tu sem o dever, nem tu sem a consciência. Sem estas palavras a vida não existe para ti, e sem escrúpulos que te resta? O que aí está é temeroso, seres estranhos, seres que, se dão mais um passo, nem eu nem tu podemos encarar com eles. Andam aqui interesses – e outra coisa. Com mil palavras diversas e ignóbeis, mil bocas que te empurram para a infâmia – outra coisa. Tens de confessá-lo. Não é a consciência – não é o remorso – não é o medo. É uma coisa inexplicável e imensa, profunda e imensa, que assiste a este espectáculo sem dizer palavra – e espera… És imundo, és a vida.