Passagens sobre Manhã

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Frases sobre manhã, poemas sobre manhã e outras passagens sobre manhã para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

A Vida não Cabe numa Teoria

A vida… e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filósofos arquitectaram na severidade das bibliotecas, em quantos belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teólogos não entenderam na solidão das celas. Nisto, ou então na conta do sapateiro, na degradação moral do século, ou na triste pequenez de tudo, a começar por nós.
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.

Prazeres

O primeiro olhar da janela de manhã
O velho livro de novo encontrado
Rostos animados
Neve, o mudar das estações
O jornal
O cão
A dialéctica
Tomar duche, nadar
Velha música
Sapatos cómodos
Compreender
Música nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser amável.

Álvaro

… Diabo de homem, este Álvaro… Agora chama-se Álvaro de Silva… Vive em Nova Iorque… Passou quase toda a vida na selva nova-iorquina… Imagino-o a comer laranjas a horas insólitas, queimando com o fósforo o papel dos cigarros, fazendo perguntas vexatórias a toda a gente… Foi sempre um mestre desordenado, possuidor de uma brilhante inteligência, inteligência inquiridora que parecia não o levar a pparte nenhuma, excepto a Nova Iorque. Era em 1925…

Entre as violetas que se lhe escapavam da mão quando corria para as entregar a uma transeunte desconhecida, com a qual queria logo ir deitar-se, sem saber como ela se chamava nem donde era, e as suas intermináveis leituras de Joyce, revelou-me a mim e a muitos outros insuspeitadas opiniões, pontos de vist-a de grande cidadão que vive dentro da urbe, na sua cova, e sai a explorar a música, a pintura, os livros, a dança… Sempre a comer laranjas, a descascar maçãs, insuportável dietético, assombrosamente intrometido em tudo, víamos nele, por fim, o sonhado antiprovinciano que todos nós, os provincianos, tínhamos querido ser, sem as etiquetas coladas nas malas, antes circulando dentro de si próprio, com uma mistura de países e concertos, de cafés ao alvorecer,

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As Causas

Todas as gerações e os poentes.
Os dias e nenhum foi o primeiro.
A frescura da água na garganta
De Adão. O ordenado Paraíso.
O olho decifrando a maior treva.
O amor dos lobos ao raiar da alba.
A palavra. O hexâmetro. Os espelhos.
A Torre de Babel e a soberba.
A lua que os Caldeus observaram.
As areias inúmeras do Ganges.
Chuang Tzu e a borboleta que o sonhou.
As maçãs feitas de ouro que há nas ilhas.
Os passos do errante labirinto.
O infinito linho de Penélope.
O tempo circular, o dos estóicos.
A moeda na boca de quem morre.
O peso de uma espada na balança.
Cada vã gota de água na clepsidra.
As águias e os fastos, as legiões.
Na manhã de Farsália Júlio César.
A penumbra das cruzes sobre a terra.
O xadrez e a álgebra dos Persas.
Os vestígios das longas migrações.
A conquista de reinos pela espada.
A bússola incessante. O mar aberto.
O eco do relógio na memória.
O rei que pelo gume é justiçado.
O incalculável pó que foi exércitos.

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O Embuste dos Artistas e Escritores

Estamos habituados, perante tudo o que é perfeito, a omitir a questão do seu processo evolutivo, regozijando-nos antes com a sua presença, como se ele tivesse saído do chão por artes mágicas. Provavelmente, estamos ainda, neste caso, sob o efeito residual de um antiquíssimo sentimento mitológico. Quase nos sentimos ainda (por exemplo, num templo grego como o de Pesto) como se, numa manhã, um deus, brincando, tivesse construído a sua morada com tão gigantescos fardos. Outras vezes, como se um espírito tivesse subitamente sido metido por encanto dentro duma pedra e quisesse, agora, falar através dela. O artista sabe que a sua obra só produz pleno efeito, se fizer crer numa improvisação, numa miraculosa instantaneidade da sua criação; e, assim, ele ajuda mesmo a essa ilusão, introduzindo na arte, ao começo da sua criação, aqueles elementos de entusiástica inquietação, de desordem que tacteia às cegas, de sonho atento, como forma de iludir, a fim de dispor o espírito do espectador ou do ouvinte de modo a que ele creia no súbito brotar da perfeição.
A ciência da arte, como é evidente, tem de contradizer essa ilusão da maneira mais determinada e apontar as conclusões erróneas e os maus hábitos do intelecto,

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Manhãs de Além-Tunel

I

um túnel um túnel um túnel sem fim
ao fim do túnel sem fim um tonel
um tonel de mel de Além-Túnel

um tonel de toneladas de mel
do mel de um dia melado de luz sem
fim

que compus para ti
para mim

II

te possuí aqui acolá
em tantos sítios
cantados semprencantados

— mas nunca

te possuí ao fim de um túnel
nunca te possuí ao fim
nunca te possuí
nunca

mas quanto te desejei
vãs manhãs, já não sei

Um homem que compra dois exemplares do mesmo jornal de manhã, ao sair da boate com sua garota, esse é um cavalheiro.

Nós não Somos deste Mundo

Para a solidão nascemos. Outras vozes
nos chamam e invocam, outros corpos
se perfilam radiosos contra a noite.
Nós não somos daqui. Num intervalo
de campanhas esquecidas nos dizemos,
abrindo o coração aos de passagem.
Mas quando a manhã chega nós partimos,
mais livre o coração, longa a viagem.

Bate a Luz no Cimo…

Bate a luz no cimo
Da montanha, vê…
Sem querer eu cismo
Mas não sei em quê….

Não sei que perdi
Ou que não achei…
Vida que vivi,
Que mal eu a amei !…

Hoje quero tanto
Que o não posso ter,
De manhã há o pranto
E ao anoitecer…

Tomara eu ter jeito
Para ser feliz…
Como o mundo é estreito,
E o pouco que eu quis !

Vai morrendo a luz
No alto da montanha…
Como um rio a flux
A minha alma banha,

Mas não me acarinha,
Não me acalma nada…
Pobre criancinha
Perdida na estrada !…

O Amor Tornado Simples

o amor, de complicado que é, tem de ser tornado simples pelos amantes. cortar-lhes os espinhos todas as manhãs, ou à noite, se a lua o permite. para que os dois possam subir pelo tronco e roer as folhas odoríficas como as de certos arbustos ou de menta que lembra apenas as coisas doces. não há nada complicado no amor, a não ser vivê-lo com intensidade, não querendo outra coisa do mundo todo, durante esse instante.

Campesinas V

De manhã tu vais ao gado
A cantar entre as giestas,
Com tuas graças modestas,
Correndo e saltando o prado.

E a veiga e o rio e o valado
Que todos dormem as sestas
Acordam-se ante as honestas
Canções desse peito amado.

As aves nos ares gozam,
Entre abraços se desposam,
No mais amoroso enlace.

E as abelhas matutinas
Que regressam das boninas
Voam, te em torno da face.

Elegia dos Amantes Lúcidos

Na girândola das árvores (e não há quem as detenha)
Deixa de fora a tarde o vermelho que a tinge.
Se ao menos tu ficasses na pausa que desenha
O contorno lunar da noite que te finge!

Se ao menos eu gelasse uma corda do vento
para encontrar a forma exacta dum violino
Que fosse a sensibilidade deste pensamento
Com que a minha sombra vai pensando o meu destino

E não houvesse o sono dum telhado
Entre ter de haver eu e haver o tecto;
E a eternidade não estivesse ao lado
A colocar-nos nas costas as asas dum insecto

Meu amor, meu amor, teu gesto nasce
Para partir de ti e ser ao longe
A cor duma cidade que nos pasce
Como a ausência de deus pastando um monge

Ah, se uma súbita mão na hora a pique
Tangendo harpas geladas por segredos
Desprendesse uma aragem de repiques
Destes sinos parados pelo medo!

Mas só porque vieste fez-se tarde,
Ou é a vida que nasce já tardia
Como uma estrela que se acende e arde
Porque não cabe na rapidez do dia?

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Completas

A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

As Queixas dos Pais

É desagradável ouvir o meu pai falar, sempre cheio de insinuações, da boa sorte das pessoas de hoje e especialmente dos filhos dele, dos sofrimentos por que teve de passar quando era novo. Ninguém nega que, durante anos, por não ter roupa de Inverno capaz, ele teve feridas nas pernas, que andou muitas vezes com fome, que quando só tinha ainda dez anos empurrava uma carroça pelas aldeias, até de Inverno e de manhã muito cedo — mas, e isto é uma coisa que ele não compreende, estes factos, juntamente com o de eu não ter tido de passar por tudo isto, não levam a concluir que eu sou mais feliz do que ele, que ele se pode orgulhar das feridas que teve nas pernas, que é uma coisa de que se arroga e que afirma desde o princípio, que eu não posso avaliar os seus sofrimentos e que, finalmente, só porque não passei pelos mesmos sofrimentos, tenho de lhe estar eternamente grato. O prazer que eu não teria de o ouvir falar da sua juventude e dos pais, mas ouvir tudo isto naquele tom de orgulho e agressividade é um tormento. Está constantemente a erguer as mãos: «Quem é capaz de compreender isto hoje!

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Os Distraídos e os Organizados

O «distraído» é a figura mais privilegiada de uma família, de um grupo de amigos, de uma empresa. O «distraído» chega sempre atrasado – paciência, é distraído. O «distraído» chumba na escola primária – coitado, é distraído. O «distraído» não dá presentes no Natal – deixa lá, é distraído. O «distraído» não pergunta pelas análises com que nos andávamos a consumir – não foi por mal, já sabes que é distraído. O «distraído» é engraçado e é fofinho. O seu defeito, na verdade, é uma virtude. O «distraído» mete nojo e faz inveja – e, se há uma presença de que não gostamos nunca de dispensar-nos, é a do «distraído». Dá patine, andar com o «distraído». O «distraído» é um charme. O «distraído» é aquilo que nós seríamos se não fôssemos esta desgraça que somos.

Porque depois, ao longo da vida, o «distraído» fica com os melhores empregos. O «distraído», bem vistas as coisas, não é aluado: é criativo – é um artista. E o «distraído» fica sempre com as raparigas mais giras também. Naturalmente: só é distraído quem pode – e o «distraído» é o mais bonito de nós todos. Também por isso, aliás, nos dá jeito emparceirar com o «distraído»: sempre pode ser que a gorda sobre para nós.

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para uma canção de embalar

embalo a minha filha joana que acordou num berreiro.
a casa está às escuras, vou passando com cuidado
para não dar encontrões nos móveis, embalo esta menina
que se calou mas está de olho muito aberto e quer brincar,
e há um halo de luz parda a coar-se pelas persianas
e às vezes uns faróis riscando estrias a correrem pelo tecto.

levo-a bem presa ao colo, toda de porcelana pesadinha,
enquanto a irmã está a dormir meio atravessada nos lençóis.
ao chegar-me a outra janela vejo as luzes fugindo na auto-estrada
em direcção ao rio, a uma placa da lua sobre o rio,
e trauteio «já gostava de te ve-er», enquanto acendo o fogão
para aquecer o leite e embalo a minha filha e a outra está a dormir.

oxalá cresçam ambas airosas e bem seguras,
e possam ir na vida serenamente como os rios correm,
ou como os veleiros voam, ou como elas agora respiram
em cadências regulares neste silêncio táctil.
a meio da noite um homem acordou no sossego da casa
e pôs-se a cuidar do sono das suas filhas pequenas.

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Eu preciso de escrever romances. Neste momento da minha vida escrever romances é algo que me faz sentir válido e me dá força para acordar de manhã, para fazer tudo o que não me apetece fazer.