Passagens sobre Manhã

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Frases sobre manhã, poemas sobre manhã e outras passagens sobre manhã para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Mais do que Amor

O amor veio afirmar todas as coisas velhas de cuja existência apenas sabia sem nunca ter aceito e sentido. O mundo rodava sob seus pés, havia dois sexos entre os humanos, um traço ligava a fome à saciedade, o amor dos animais, as águas das chuvas encaminhavam-se para o mar, crianças eram seres a crescer, na terra o broto se tornaria planta. Não poderia mais negar… o quê? — perguntava-se suspensa. O centro luminoso das coisas, a afirmação dormindo em baixo de tudo, a harmonia existente sob o que não entendia.

Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água. Cada acontecimento vibrava em seu corpo como pequenas agulhas de cristal que se espedaçassem. Depois dos momentos curtos e profundos vivia com serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-se a tudo. Parecia-lhe fazer parte do verdadeiro mundo e estranhamente ter-se distanciado dos homens. Apesar de que nesse período conseguia estender-lhes a mão com uma fraternidade de que eles sentiam a fonte viva. Falavam-lhe das próprias dores e ela, embora não ouvisse, não pensasse, não falasse, tinha um olhar bom — brilhante e misterioso como o de uma mulher grávida.

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A Sopa Azeda

A dita sopa azeda não se parecia com nada do que tivesse provado até àquele momento. Num ápice, desfilaram vários sabores vindos como que do próprio interior do tempo. E, quando ele se pôs a percorrê-los, sentiu que se sentavam em volta os seus antepassados, os pais e os avós e os avós destes, e os velhos da Terra Chã e da Terceira, e os açorianos dali até ao povoamento, e deste até ao próprio Génesis, quando na manhã do Sexto Dia o Senhor olhou sobre a sua obra e decidiu que estava, afinal, incompleta.

Nascer Todas as Manhãs

Apesar da idade, não me acostumar à vida. Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs.

A Coragem de Seres Só

Uma arma de triunfo te dei, sobre todas as outras: a coragem de seres só; deixou de te afectar como argumento ou força esmagadora a alheia opinião, as ligeiras correntes e os redemoinhos do mar; rocha pequena, mas segura, sobre ti se hão-de erguer, para que vençam a noite, as luzes salvadoras; não te prendem os louvores dos que te querem aliado, nem as ameaças dos contrários; traçaste a tua rota e hás-de segui-la até ao fim, sem que te desviem as variadas pressões. Só e constante, mesmo em face do tempo; os anos que rolam tu os consideras elemento de experiência; para os homens futuros episódios sem valor; se eles te abaterem, só terão abatido o que há de menos valioso; e contribuirão para que melhor se afirme o que puseste como lição da tua vida; a muitos absorve o actual; mas a ti, que tens como tua grande linha de cultura, e porventura tua alma, a posse das largas perspectivas, a hora começando te vê firme e firme te abandona. Nenhuma estóica rigidez neste teu porte; antes a compassada lentidão, a facilidade maleável de bom ginasta; não é por amor da Humanidade que hás-de perder as mais fundas qualidades de homem.

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Árvores Do Alentejo

Ao Prof. Guido Batelli

Horas mortas… Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido… e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol pospoente
A oiro, a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
– Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

Mário

Entre meditabundo e sonolento
Sobre a fofa delícia da almofada
Ele vai perseguindo na jornada
Através do Ottocento e o Novecento

Não o tires dali que dá pancada
Todo o resto prá ele é sofrimento
Vai colhendo da flor do pensamento
Toda a filosofia desejada

Só abandona voluntário o élan
Para o banho de poço da manhã
“Mens sana…” disse François Leblon

E às vezes, Carnaval, diz na folia
E passeia porrado pela orgia
Sob o signo pagão do rei Mammon.

Parem eu confesso sou poeta cada manhã que nasce me nasce uma rosa na face parem eu confesso sou poeta só meu amor é meu deus eu sou o seu profeta.

Que assim Sai a Manhã

Que assim sai a manhã, serena e bela!
Como vem no horizonte o sol raiando!
Já se vão os outeiros divisando,
já no céu se não vê nenhuma estrela.

Como se ouve na rústica janela
do pátrio ninho o rouxinol cantando!
Já lá vai para o monte o gado andando,
já começa o barqueiro a içar a vela.

A pastora acolá, por ver o amante,
com o cântaro vai à fonte fria;
cá vem saindo alegre o caminhante;

Só eu não vejo o rosto da alegria:
que enquanto de outro sol morar distante,
não há-de para mim nascer o dia.

Quando eu era jovem, de manhã alegrava-me,
de noite chorava; hoje que sou mais velho,
começo duvidoso o meu dia, mas
sagrado e sereno é o seu fim.

Contigo

Acordo na manhã de oiro
entre o teu rosto e o mar.

As mão afagam a luz,
prolongam o dia breve.

Entre o teu rosto e o mar
ninguém deseja ser neve.

Ninguém deseja o veneno
da noite despovoada.

Acorda-me a tua voz,
nupcial, branca, delgada.

Purinha

O Espirito, a Nuvem, a Sombra, a Chymera,
Que (aonde ainda não sei) neste mundo me espera
Aquella que, um dia, mais leve que a bruma,
Toda cheia de véus, como uma Espuma,
O Sr. Padre me dará p’ra mim
E a seus pés me dirá, toda corada: Sim!
Ha-de ser alta como a Torre de David,
Magrinha como um choupo onde se enlaça a vide
E seu cabello em cachos, cachos d’uvas,
E negro como a capa das viuvas…
(Á maneira o trará das virgens de Belem
Que a Nossa Senhora ficava tão bem!)
E será uma espada a sua mão,
E branca como a neve do Marão,
E seus dedos serão como punhaes,
Fuzos de prata onde fiarei meus ais!
E os seus seios serão como dois ninhos,
E seus sonhos serão os passarinhos,
E será sua bocca uma romã,
Seus olhos duas Estrellinhas da Manhã!
Seu corpo ligeiro, tão leve, tão leve,
Como um sonho, como a neve,
Que hei-de suppor estar a ver, ao vel-a,
Cabrinhas montezas da Serra da Estrella…
E ha-de ser natural como as hervas dos montes
E as rolas das serras e as agoas das fontes…

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O Machismo Português e as Traições Amorosas

Na gíria portuguesa, os palitos são a versão económica, e mais moderna, dos cornos. Os cornos, à semelhança do que aconteceu com os automóveis e os computadores, tornaram-se demasiado volumosos e pesados para as exigências do homem de hoje. Daí a crescente popularidade dos mais portáteis e menos onerosos palitos. Contudo, visto que se vive presentemente um período de transição, em que os novos palitos ainda se vêem lado a lado com os tradicionais cornos, continuam a existir algumas sobreposições. Uma delas, herdada do antigamente, deve-se ao facto dos palitos não se saldarem numa diminuição proporcional de sofrimento. Ou seja, não dão uma mera dor de palito — dão à mesma, incontrovertivelmente, dor de corno. Não é mais carinhoso, por isso, pôr os «palitos» a alguém — continua a ser exactamente o mesmo que pôr os outros.

Tudo isto vem a propósito da forma atípica, entre os povos latinos, que assume o machismo português. Não se trata do machismo triunfalmente dominador, género «Aqui quem manda sou eu!», do brutamontes que não dá satisfações à mulher. Não — o machismo português, imortalizado pelo fado «Não venhas tarde», é um machismo apologético, todo «desculpa lá ó Mafalda», que alcança os seus objectivos de uma maneira mais eficaz.

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Elogio da Amada

Ei-la que vem ubérrima numerosa escolhida
secreta cheia de pensamentos isenta de cuidados
Vem sentada na nova primavera
cercada de sorrisos no regaço lírios
olhos feitos de sombra de vento e de momento
alheia a estes dias que eu nunca consigo
Morde-lhe o tempo na face as raízes do riso
começa para além dela a ser longe
A amada é bem a infância que vem ter comigo
Há pássaros antigos nos límpidos caminhos
e mortes como antes nunca mais
Ei-la já que se estende ampla como uma pátria
no limiar da nossa indiferença
Os nossos átrios são para os seus pés solitários
Já todos nós esquecemos a casa dos pais
ela enche de dias as nossas mãos vazias
A dor é nela até que deus começa
eu bem lhe sinto o calcanhar do amor
Que importa sermos de uma só manhã e não haver
em volta
árvore mais açoitada pelos diversos ventos?
Que importa partirmos num desmoronar de poentes?
Mais triste mesmo a vida onde outros passarão
multiplicando-lhe a ausência que importa
se onde pomos os pés é primavera?

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Ó Minha Felicidade

Revejo os pombos de São Marcos:
A praça está silenciosa; ali se repousa a manhã.
Indolentemente envio os meus cantos para o seio da suave
frescura,
Como enxames de pombos para o azul
Depois torno a chamá-los
Para prender mais uma rima às suas penas.
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Calmo céu, céu azul-claro, céu de seda,
Planas, protector, sobre o edifício multicor
De que gosto, que digo eu?… Que receio, que invejo…
Como seria feliz bebendo-lhe a alma!
Alguma vez lha devolveria?
Não, não falemos disso, ó maravilha dos olhos!
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Severa torre, que impulso leonino
Te levantou ali, triunfante e sem custo!
Dominas a praça com o som profundo dos teus sinos…
Serias, em francês, o seu «accent aigu»!
Se, como tu, eu ficasse aqui,
Saberia a seda que me prende…
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Afasta-te, música. Deixa primeiro as sombras engrossar
E crescer até à noite escura e tépida.
É ainda muito cedo para ti, os teus arabescos de ouro
Ainda não cintilam no seu esplendor de rosa;

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Se te ocorrer, de manhã, de acordares com preguiça e indolência, lembra-te deste pensamento: «Levanto-me para retomar a minha obra de homem».

Pai, Quero que Saibas

É o teu rosto que encontro. Contra nós, cresce a manhã, o dia, cresce uma luz fina. Olho-te nos olhos. Sim, quero que saibas, não te posso esconder, ainda há uma luz fina sobre tudo isto. Tudo se resume a esta luz fina a recordar-me todo o silêncio desse silêncio que calaste. Pai. Quero que saibas, cresce uma luz fina sobre mim que sou sombra, luz fina a recortar-me de mim, ténue, sombra apenas. Não te posso esconder, depois de ti, ainda há tudo isto, toda esta sombra e o silêncio e a luz fina que agora és.

Uma Completa Fome por Ti

Anais,

Não esperes que continue são. Não vamos ser sensatos. Foi um casamento, em Louveciennes — não podes negá-lo. Voltei com pedaços de ti pegados a mim. Estou a andar, a nadar num oceano de sangue, o teu sangue andaluz, destilado e venenoso. Tudo o que faço e digo e penso tem a ver com o casamento. Vi-te como a senhora do teu lar, uma moura de cara pesada, uma negra com um corpo branco, olhos por toda a tua pele, mulher, mulher, mulher. Não consigo ver como conseguirei viver longe de ti — estas interrupções são uma morte. Como te pareceu quando o Hugo voltou? Eu continuava aí? Não consigo imaginar-te a moveres-te com ele como fizeste comigo. Pernas fechadas. Fragilidade. Doce, traiçoeira aquiescência. Docilidade de pássaro. Tornaste-te uma mulher comigo. Isso quase me aterrorizou. Não tens só trinta anos de idade… Tens mil anos de idade.

Aqui estou de volta e ainda fervilhando de paixão, como vinho a fermentar. Não uma paixão apenas da carne, mas uma completa fome por ti, uma fome devoradora. Leio no jornal acerca de suicídios e homicídios e compreendo-o perfeitamente. Sinto-me assassino, suicida. Sinto talvez ser uma desgraça nada fazer,

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