O Sentido TrĂĄgico do Amor
Todo o homem tende naturalmente para o amor. Acontece que o conceito comum de amor corresponde de forma quase universal a uma ideia genérica, ambivalente e, tantas vezes, errada, porque tão irreal.
Amar Ă© dar-se. Entregar a prĂłpria essĂȘncia a um outro, lutando em favor dele. De forma pura e gratuita, sem esperar outra recompensa senĂŁo a de saber que se conseguirĂĄ ser o que se Ă©. Amar, ao contrĂĄrio do que julgam muitos, nĂŁo Ă© uma fonte de satisfação… Amar Ă© algo sĂ©rio, arrebatador e tremendamente desagradĂĄvel. Quem ama sabe que isso mais se parece com uma espĂ©cie de maldição do que com narrativas infantis de final invariavelmente feliz…
Cavaleiros valentes e princesas encantadas sĂŁo, no entanto, excelentes metĂĄforas que pretendem passar a ideia da coragem e da nobreza de carĂĄcter essenciais a quem ama. Ama-se quando se Ă© capaz de se ser quem Ă©, verdadeiramente.
Esta luta herĂłica pelo valor da essĂȘncia do outro nĂŁo estĂĄ ao alcance de todos. A maior parte das pessoas sĂŁo egocĂȘntricas, alegram-se a entrançar os seus egoĂsmos em figuras improvisadas de resultado sempre disforme a que teimam chamar amor. Talvez porque assim consigam disfarçar o vazio que Ă© a prova de quĂŁo frustrante, frĂvola e inĂștil Ă© a sua passagem por este mundo.Quando alguĂ©m ama verdadeiramente, perde-se. A busca por uma felicidade prĂłpria nĂŁo faz sentido. Sem tempo nem espaço para pousar a cabeça, aquele que ama oferece-se generosamente ao outro num caminho por onde quase nunca Ă© de manhĂŁ. O sofrimento aparece como a ponte por onde se deve entrar num mundo onde a felicidade nĂŁo tem nada em comum com os amores daqui.
Amar é cumprir uma vida com força, sentido e valor.
A paz que serve de base ao amor nasce e alimenta-se da certeza que a vida que vivemos não é nossa, foi-nos oferecida com a condição e o propósito de amarmos.
Quando se ama, caminha-se por cima do nada. Mas se, a qualquer instante, se deixa de acreditar e se busca a firmeza de um chĂŁo, cai-se imediatamente no abismo por cima do qual antes se voava, num milagre que a inteligĂȘncia nĂŁo consegue nem conceber nem abarcar.
O amor nĂŁo Ă© racional, nĂŁo Ă© humano. Ă a verdade pura que nĂŁo se apreende com a inteligĂȘncia comum. As palavras pouco dizem, pouco ensinam, entretĂ©m quem nĂŁo quer viver… Ă© preciso uma grande humildade para se compreender que nem tudo pode ser compreendido. Acreditar no amor, com o coração, Ă© sentir a força de uma mĂŁo intangĂvel, que nos traz, nos leva e, por vezes, nos alenta… outras nos testa pela dor profunda.
Amar Ă© escolher um caminho por entre infinitas encruzilhadas. A eleição de um Ă© a renĂșncia de todos e de cada um dos demais, atravĂ©s de uma fĂ© que Ă© substĂąncia da esperança e tem forma do sonho. Amar Ă© escolher um caminho e fazĂȘ-lo… a partir do nada.
SĂł pela angĂșstia do amor Ă© que o espĂrito humano se torna digno de se assenhorear de si mesmo. A raiz do mal estĂĄ na inĂ©rcia dos espĂritos que tentam bastar-se a si mesmos… na preguiça â que Ă© o maior de todos os pecados, porque faz com que o homem se contente com o que tem, deixando de querer ser o que Ă©.
Amar Ă© dar a prĂłpria vida. De braços estendidos. Numa atitude perante o mundo semelhante Ă de um mendigo que estende a sua mĂŁo Ă caridade do estranho que passa… a solidĂŁo profunda de quem sente a terra tremer-lhe por baixo da alma que lhe segura os pĂ©s.
Eis a maior de todas as riquezas: Ser-se pobre por se ter dado tudo.
Amar apesar da vontade de ser feliz.