Memória Intrusiva
A tua memória passa através dos factos como de uma fila de vidraças, ou de estações, ou de folhas de álbum. Às vezes, porém, paras numa, e é como se toda a vida se fixasse aí. E giras em torno, numa obsessão. Somente às vezes também, em vez de te fixares realmente, quando menos o julgas estás parado noutra folha, noutra janela, noutra paisagem.
Passagens sobre Obsessão
33 resultadosO Grau da Nossa Emancipação
A esfera da consciência reduz-se na acção; por isso ninguém que aja pode aspirar ao universal, porque agir é agarrar-se às propriedades do ser em detrimento do ser, a uma forma de realidade em prejuízo da realidade. O grau da nossa emancipação mede-se pela quantidade das iniciativas de que nos libertámos, bem como pela nossa capacidade de converter em não-objecto todo o objecto. Mas nada significa falar de emancipação a propósito de uma humanidade apressada que se esqueceu de que não é possível reconquistar a vida nem gozá-la sem primeiro a ter abolido.
Respiramos demasiado depressa para sermos capazes de captar as coisas em si próprias ou de denunciar a sua fragilidade. O nosso ofegar postula-as e deforma-as, cria-as e desfigura-as, e amarra-nos a elas. Agito-me e portanto emito um mundo tão suspeito como a minha especulação, que o justifica, adopto o movimento que me transforma em gerador de ser, em artesão de ficções, ao mesmo tempo que a minha veia cosmogónica me faz esquecer que, arrastado pelo turbilhão dos actos, não passo de um acólito do tempo, de um agente de universos caducos.
Empanturrados de sensações e do seu corolário, o devir, somos seres não libertos, por inclinação e por princípio,
A Política ao Sabor dos Humores Pessoais e Colectivos
Bem quero, mas não consigo alhear-me da comédia democrática que substituiu a tragédia autocrática no palco do país. Só nós! Dá vontade de chorar, ver tanta irreflexão. Não aprendemos nenhuma lição política, por mais eloquente que seja. Cinquenta anos a suspirar sem glória pelo fim de um jugo humilhante, e quando temos a oportunidade de ser verdadeiramente livres escravizamo-nos às nossas obsessões. Ninguém aqui entende outra voz que não seja a dos seus humores.
É humoralmente que elegemos, que legislamos, que governamos. E somos uma comunidade de solidões impulsivas a todos os níveis da cidadania. Com oitocentos anos de História, parecemos crianças sociais. Jogamos às escondidas nos corredores das instituições.
Os descontentamentos surgem quando a mente fica obcecada por uma única coisa e não consegue enxergar as dádivas recebidas. O sofrimento está na mente e não na matéria. Liberta-te da obsessão e volve os olhos para as demais coisas. Verás que estás cercado de inúmeras dádivas.
A perfeição é uma obsessão.
Guerra
Guerra é esforço, é inquietude, é ânsia, é transporte…
E a dramatização sangrenta e dura
Vir Deus num simples grão de argila errante,
Da avidez com que o Espírito procuraÉ a Subconsciência que se transfigura
Em volição conflagradora… E a coorte
Das raças todas, que se entrega à morte
Para a felicidade da Criatura!É a obsessão de ver sangue, é o instinto horrendo
De subir, na ordem cósmica, descendo
A irracionalidade primitiva…É a Natureza que, no seu arcano,
Precisa de encharcar-se em sangue humano
Para mostrar aos homens que está viva!
Cólera – liberta o coração para razões que prolongam o desejo de viver. Quem não se encoleriza acaba por pedir socorro por meio de doenças, obsessões e livros de viagens.
Femeeiro Lírico e Femeeiro Épico
Os homens que têm a mania das mulheres dividem-se facilmente em duas categorias. Uns procuram em todas as mulheres a ideia que eles próprios têm da mulher tal como ela lhe aparece em sonhos, o que é algo de subjectivo e sempre igual. Aos outros, move-os o desejo de se apoderarem da infinita diversidade do mundo feminino objectivo.
A obsessão dos primeiros é uma obsessão lírica; o que procuram nas mulheres não é senão eles próprios, não é senão o seu próprio ideal, mas, ao fim e ao cabo, apanham sempre uma grande desilusão, porque, como sabemos, o ideal é precisamente o que nunca se encontra. Como a desilusão que os faz andar de mulher em mulher dá, ao mesmo tempo, uma espécie de desculpa melodramática à sua inconstância, não poucos corações sensíveis acham comovente a sua perseverante poligamia.
A outra obsessão é uma obsessão épica e as mulheres não vêem nela nada de comovente: como o homem não projecta nas mulheres um ideal subjecitvo, tudo tem interesse e nada pode desiludi-lo. E esta impossibilidade de desilusão encerra em si algo de escandaloso. Aos olhos do mundo, a obsessão do femeeiro épico não tem remissão (porque não é resgatada pela desilusão).
O ser humano não é assim tão vário; tão vário como se pretende. Nota que os livros são sempre os mesmos, infelizmente. Pintores, cineastas, músicos, escritores, poetas tratam sempre os mesmos assuntos, tentam analisar, sempre, as mesmas obsessões.
Colecção de perplexidades e obsessões, cada crónica de jornal é, no essencial, um fragmento da biografia do seu autor.
O desenvolvimento do económico e a aplicação crescente da técnica a todos os ramos geram a obsessão da eficiência.
Viver torna-se uma tão estúpida obsessão que dormir bem – sempre mais do que se precisaria, esticando a ronha até ao limite do olho fechado – é cada vez mais considerado como um abraço acamado que se dá à Morte. Que disparate: dormir é viver bem.
A Desordem da Minha Natureza
(…) enfrentei pela primeira vez o meu ser natural enquanto decorriam os meus noventa anos. Descobri que a minha obsessão de que cada coisa estivesse no seu lugar, cada assunto no seu tempo, cada palavra no seu estilo, não era o prémio merecido de uma mente ordenada mas, pelo contrário, um sistema completo de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, mas como reacção contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir a minha mesquinhez, que passo por prudente por ser pessimista, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que não se saiba que pouco me importa o tempo alheio. Descobri, por fim, que o amor não é um estado de alma mas um signo do Zodíaco.
É Impossível Fazer Amor sem um Certo Abandono
Mas é exactamente isso que é supreendente em ti: tu gostas de dar prazer. Gostas de fazer do teu corpo um objecto agradável, gostas de dar prazer com o teu próprio corpo: é precisamente isso o que os ocidentais já não conseguem fazer. Perderam completamente o sentimento da dádiva. Mesmo esforçando-se, não conseguem assumir o sexo como uma coisa natural. Além de terem vergonha do seu corpo, muito diferente do corpo das estrelas pornográficas, também não sentem uma verdadeira atracção pelo corpo dos outros. Ora, é impossível fazer amor sem um certo abandono, sem a aceitação, pelo menos temporária, de um certo estado de fraqueza e de dependência. Tanto a exaltação sentimental como a obsessão sexual têm a mesma origem, resultam ambas do esquecimento parcial do eu; é algo que não pode acontecer sem que a pessoa perca alguma coisa de si mesma. E nós tornámo-nos frios, racionais, extremamente conscientes dos nossos direitos e da nossa existência individual; primeiro que tudo, queremos evitar a alienação e a dependência; além disso, vivemos obcecados com a saúde e com a higiene: e não são essas as condições ideais para fazer amor.
A repulsa é uma das formas de obsessão e que, se desejamos alguma coisa, é mais fácil pensar nela com horror do que deixar de pensar.
Fragmento do Homem
Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.
E poderia ser de outro modo? Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?
Pensar o Meu País
Pensar o meu país. De repente toda a gente se pôs a um canto a meditar o país. Nunca o tínhamos pensado, pensáramos apenas os que o governavam sem pensar. E de súbito foi isto. Mas para se chegar ao país tem de se atravessar o espesso nevoeiro da mediocralhada que o infestou. Será que a democracia exige a mediocridade? Mas os povos civilizados dizem que não. Nós é que temos um estilo de ser medíocres. Não é questão de se ser ignorante, incompetente e tudo o mais que se pode acrescentar ao estado em bruto. Não é questão de se ser estúpido. Temos saber, temos inteligência. A questão é só a do equilíbrio e harmonia, a questão é a do bom senso. Há um modo profundo de se ser que fica vivo por baixo de todas as cataplasmas de verniz que se lhe aplicarem. Há um modo de se ser grosseiro, sem ao menos se ter o rasgo de assumir a grosseria. E o resultado é o ridículo, a fífia, a «fuga do pé para o chinelo». O Espanhol é um «bárbaro», mas assume a barbaridade. Nós somos uns campónios com a obsessão de parecermos civilizados. O Francês é um ser artificioso,
A mulher que se beijou e não se teve, que se adivinhou e não se possuiu, transforma-se para nós numa obsessão, numa preocupação doentia.
Viver Plenamente os Desejos
Quanto ao facto de saber se o sexual e o religioso são antagónicos e opostos, eu responderia do seguinte modo: todos os elementos ou aspectos da vida, por muito pobres, por muito duvidosos que sejam (para nós), são susceptíveis de conversão, e na verdade devem ser transpostos para outro nível, de acordo com a nossa maturidade e inteligência.O esforço visando eliminar os aspectos «repugnantes» da existência, que é a obsessão dos moralistas, não só é absurdo, como fútil. É possível ser-se bem sucedido na repressão dos pensamentos e desejos, dos impulsos e tendências feios e «pecaminosos». mas os resultados são manifestamente desastrosos. (É estreita a margem que separa um santo e um criminoso). Viver plenamente os seus desejos e, ao fazê-lo, modificar subtilmente a natureza destes, é o objectivo de todo o indivíduo que aspira a desenvolver-se. Mas o desejo é soberano e inextirpável, mesmo quando, como dizem os budistas, se converte no seu contrário. Para alguém se poder libertar do desejo, tem que desejar fazê-lo.
Nós queremos seguir um sonho, isso é verdade, mas uma coisa é seguir um sonho e outra é seguir uma obsessão. Um sonho é mais puro do que uma obsessão. Um sonho tem a ver com o orgulho.