Pouco tenho, devo muito, o resto fica para os pobres (em seu testamento)
Passagens sobre Pobres
672 resultadosSoneto A Quatro Mãos
Tudo de amor que existe em mim foi dado
Tudo que fala em mim de amor foi dito
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.Tão pródígo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.
Os Amantes
Amor, é falso o que dizes;
Teu bom rosto é contrafeito;
Busca novos infelizes
Que eu inda trago no peito
Mui frescas as cicatrizes;O teu meu é mel azedo,
Não creio em teu gasalhado,
Mostras-me em vão rosto ledo;
Já estou muito escaldado,
Já d’águas frias hei medo.Teus prémios são pranto e dor;
Choro os mal gastados anos
Em que servi tal senhor,
Mas tirei dos teus enganos
O sair bom pregador.Fartei-te assaz a vontade;
Em vãos suspiros e queixas
Me levaste a mocidade,
E nem ao menos me deixas
Os restos da curta idade?És como os cães esfaimados
Que, comendo os troncos quentes
Por destro negro esfolados,
Levam nos ávidos dentes
Os ossos ensanguentados.Bem vejo a aljava dourada
Os ombros nus adornar-te;
Amigo, muda de estrada,
Põe a mira em outra parte
Que daqui não tiras nada.Busca algum fofo morgado
Que, solto já dos tutores,
Ao domingo penteado,
Vá dizendo à toa amores
Pelas pias encostado;
Que riqueza não é, até entre os pobres, ser filho de um bom pai.
Relações: pessoas com quem nós contamos ou que contam connosco, consoante sejam ricas ou pobres.
O Poeta Descreve O Que Era Naquele Tempo A Cidade Da Bahia.
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.Em cada porta um bem freqüentado olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
Anseios
Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha cais!Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais
Não valem o prazer duma saudade!Tu chamas ao meu seio, negra prisão!…
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbre o brilho do luar!Não estendas tuas asas para o longe…
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar!…
Viver Plenamente os Desejos
Quanto ao facto de saber se o sexual e o religioso são antagónicos e opostos, eu responderia do seguinte modo: todos os elementos ou aspectos da vida, por muito pobres, por muito duvidosos que sejam (para nós), são susceptíveis de conversão, e na verdade devem ser transpostos para outro nível, de acordo com a nossa maturidade e inteligência.O esforço visando eliminar os aspectos «repugnantes» da existência, que é a obsessão dos moralistas, não só é absurdo, como fútil. É possível ser-se bem sucedido na repressão dos pensamentos e desejos, dos impulsos e tendências feios e «pecaminosos». mas os resultados são manifestamente desastrosos. (É estreita a margem que separa um santo e um criminoso). Viver plenamente os seus desejos e, ao fazê-lo, modificar subtilmente a natureza destes, é o objectivo de todo o indivíduo que aspira a desenvolver-se. Mas o desejo é soberano e inextirpável, mesmo quando, como dizem os budistas, se converte no seu contrário. Para alguém se poder libertar do desejo, tem que desejar fazê-lo.
Ai! Onde se fizeram mais loucuras na terra do que entre os que têm dó, e que haverá que mais dano fizesse na terra do que a loucura dos que têm dó? Pobres dos que amam sem estar acima da sua piedade!
Pobre De Cristo
A José Emídio Amaro
Ó minha terra na planície rasa,
Branca de sol e cal e de luar,
Minha terra que nunca viste o mar,
Onde tenho o meu pão e a minha casa.Minha terra de tardes sem uma asa,
Sem um bater de folhas…a dormitar…
Meu anel de rubis a flamejar,
Minha terra moirisca a arder em brasa!Minha terra onde meu irmão nasceu
Aonde a mãe que eu tive e que morreu
Foi moça e loira, amou e foi amada!Truz…Truz…Truz… — Eu não tenho onde me acoite,
Sou um pobre de longe, é quase noite,
Terra, quero dormir, dá-me pousada!…
A Vida como Luta entre a Realidade e o Sonho
Somos um sonho divino que não se condensou, por completo, dentro dos nossos limites materiais. Existe, em nós, um limbo interior; um vago sentimental e original que nos dá a faculdade mitológica de idealizar todas as coisas. (…) Se fôssemos um ser definido, seríamos então um ser perfeito, mas limitado, materializado como as pedras. Seríamos uma estátua divina, mas não poderíamos atingir a Divindade. Seríamos uma obra de arte e não vivente criatura, pois a vida é um excesso, um ímpeto para além, uma força imaterial, indefinida, a alma, a imperfeição.
A vida é uma luta entre os seus aspectos revelados e o limbo em que eles se perdem e ampliam até à suprema distância imaginável; uma luta entre a realidade e o sonho, a Carne e o Verbo.
Entre nós, o Verbo não encarnou inteiramente. Somos corpo e alma, verbo encarnado e verbo não encarnado, a matéria e o limbo, o esqueleto de pedra e um fumo que o enconbre e ondula em volta dele, e dança aos ventos da loucura…
E aí tendes um pobre tolo sentimental, uma caricatura elegíaca.
Neste limbo interior, neste infinito espiritual, vive a lembrança de Deus que alimenta a nossa esperança,
O Poder da Indústria Cultural
O poder magnético que sobre os homens exercem as ideologias, embora já se lhes tenham tornado decrépitas, explica-se, para lá da psicologia, pelo derrube objectivamente determinado da evidência lógica como tal. Chegou-se ao ponto em que a mentira soa como verdade, e a verdade como mentira. Cada expressão, cada notícia e cada pensamento estão preformados pelos centros da indústria cultural. O que não traz o vestígio familiar de tal preformação é, de antemão, indigno de crédito, e tanto mais quanto as instituições da opinião pública acompanham o que delas sai com mil dados factuais e com todas as provas de que a manipulação total pode dispor. A verdade que intenta opor-se não tem apenas o carácter de inverosímil, mas é, além disso, demasiado pobre para entrar em concorrência com o altamente concentrado aparelho da difusão.
Muito melhor é ousar grande feitos, ganhar gloriosos triunfos, mesmo salpicados de falhas, do que se alinhar com aqueles pobres espíritos que nem se alegram muito nem sofrem muito, porque eles vivem no crepúsculo cinzento que não conhece vitória ou derrota.
O orgulho, em homem pobre, é uma paixão terrível. No rico expande-se em pompas, que deslumbram os seus inimigos. No outro respira pela vingança surda, quando o não devora lentamente.
Da justiça, o pobre só conhece os castigos.
A Realidade não Está nos Livros
Como toda a gente, só disponho de três meios para avaliar a existência humana: o estudo de nós próprios, o mais difícil e o mais perigoso, mas também o mais fecundo dos métodos; a observação dos homens, que na maior parte dos casos fazem tudo para nos esconder os seus segredos ou para nos convencer de que os têm; os livros, com os erros particulares de perspectiva que nascem entre as suas linhas. Li quase tudo quanto os nossos historiadores, os nossos poetas e mesmo os nossos narradores escreveram, apesar de estes últimos serem considerados frívolos, e devo-lhes talvez mais informações do que as que recebi das situações bastante variadas da minha própria vida. A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana, assim como as grandes atitudes imóveis das estátuas me ensinaram a apreciar os gestos. Em contrapartida, e posteriormente, a vida fez-me compreender os livros.
Mas estes mentem, mesmo os mais sinceros. Os menos hábeis, por falta de palavras e de frases onde possam abrangê-la, traçam da vida uma imagem trivial e pobre; alguns, como Lucano, tornam-na mais pesada e obstruída com uma solenidade que ela não tem. Outros, pelo contrário, como Petrónio, aligeiram-na, fazem dela uma bola saltitante e vazia,
Purinha
O Espirito, a Nuvem, a Sombra, a Chymera,
Que (aonde ainda não sei) neste mundo me espera
Aquella que, um dia, mais leve que a bruma,
Toda cheia de véus, como uma Espuma,
O Sr. Padre me dará p’ra mim
E a seus pés me dirá, toda corada: Sim!
Ha-de ser alta como a Torre de David,
Magrinha como um choupo onde se enlaça a vide
E seu cabello em cachos, cachos d’uvas,
E negro como a capa das viuvas…
(Á maneira o trará das virgens de Belem
Que a Nossa Senhora ficava tão bem!)
E será uma espada a sua mão,
E branca como a neve do Marão,
E seus dedos serão como punhaes,
Fuzos de prata onde fiarei meus ais!
E os seus seios serão como dois ninhos,
E seus sonhos serão os passarinhos,
E será sua bocca uma romã,
Seus olhos duas Estrellinhas da Manhã!
Seu corpo ligeiro, tão leve, tão leve,
Como um sonho, como a neve,
Que hei-de suppor estar a ver, ao vel-a,
Cabrinhas montezas da Serra da Estrella…
E ha-de ser natural como as hervas dos montes
E as rolas das serras e as agoas das fontes…
Prefiro Ser Povo
Se comparo as duas condições mais opostas dos homens, quero dizer, os nobres e o povo, este último parece-me contente com o necessário e os outros inquietos e pobres com o supérfluo. Um homem do povo não saberia fazer nenhum mal; um nobre não quer nenhum bem e é capaz de grandes malefícios; um, só se forma e se exerce nas coisas úteis; o outro, acrescenta as perniciosas: ali, mostram-se ingenuamente a grosseria e a franqueza; aqui, esconde-se uma seiva maligna e corrompida sob a casca da polidez: o povo não tem espírito e os nobres não têm alma; aquele tem bom fundo e não tem boa aparência; estes só têm aparências e uma simples superfície. Será preciso optar? Não hesito: quero ser povo.
Supremo Orgulho
Nunca soube pedir…Nunca soube implorar…
Nasci, tendo este orgulho em minha lama irriquieta,
– há um brilho que incendeia o meu altivo olhar
de crente superior… de indiferente asceta…Minha fronte, jamais, eu soube curvar
na atitude servil de uma existência abjeta…
Ninguém é mais que eu!… Ninguém… e este meu ar
de orgulho, vem da glória imensa de ser poeta…Sou pobre – mas riqueza alguma há igul à minha,
– a mulher que eu amar terá a glória suprema
de um dia se sentir maior que uma rainha….Terá a glória de saber o seu nome
perpetuado por mim nas estrofes de um poema,
desses que a História guarda e o Tempo não consome!
Daqui, minha querida Vitória, nada tenho a dizer a respeito de política. Continuamos a não fazer muito, mas é preciso esperar que possamos arranjar uma câmara passável que possa fazer qualquer coisa de útil para o pobre país que tanto necessita.