É próprio da natureza humana, lamentavelmente, sentir necessidade de culpar os outros dos nossos desastres e das nossas desventuras.
Passagens sobre Próprio
3083 resultadosO Segredo é Amar
O segredo é amar. Amar a Vida
com tudo o que há de bom e mau em nós.
Amar a hora breve e apetecida,
ouvir os sons em cada voz
e ver todos os céus em cada olhar.Amar por mil razões e sem razão.
Amar, só por amar,
com os nervos, o sangue, o coração.
Viver em cada instante a eternidade
e ver, na própria sombra, claridade.O segredo é amar, mas amar com prazer,
sem limites, fronteiras, horizonte.
Beber em cada fonte,
florir em cada flor,
nascer em cada ninho,
sorver a terra inteira como o vinho.Amar o ramo em flor que há-de nascer,
de cada obscura, tímida raiz.
Amar em cada pedra, em cada ser,
S. Francisco de Assis.Amar o tronco, a folha verde,
amar cada alegria, cada mágoa,
pois um beijo de amor jamais se perde
e cedo refloresce em pão, em água!
Criar é dar forma ao próprio destino.
O Mal das Doutrinas Religiosas
– Bem, o que até agora me pareceu mais interessante foi verificar que a grande maioria de todas essas crenças parte de um facto ou de uma personagem de relativa probabilidade histórica, mas todas evoluem rapidamente para movimentos sociais subordinados e enformados pelas circunstâncias políticas, económicas e sociais do grupo que as aceita. Ainda está acordada?
Eulalia assentiu.
– Uma boa parte da mitologia que se desenvolve à volta de cada uma destas doutrinas, desde a liturgia até às normas e tabus, provém da burocracia que é gerada à medida que evoluem e não do suposto facto sobrenatural que lhes deu origem. A maior parte das anedotas simples e bonançosas, um misto de senso comum e folclore, e toda a carga beligerante que conseguem desenvolver provém da interpretação posterior daqueles princípios, quando não tendem a desvirtuar-se, nas mãos dos seus administradores. A questão administrativa e hierárquica parece ser a chave da sua evolução. A verdade é revelada em princípio a todos os homens, mas depressa aparecem indivíduos que se atribuem o poder e o dever de interpretar, administrar e, nalguns casos, alterar essa verdade em nome do bem comum, estabelecendo para isso uma organização poderosa e potencialmente repressiva.
Contemplarmos o desaparecimento de alguém acaba sempre por ser uma forma de anteciparmos e reflectirmos sobre o nosso próprio desaparecimento.
O Aviltante Conceito da Perfectibilidade Humana
Converter em realidades os nossos sentimentos e propensões individuais, transformar as nossas disposições de ânimo em medidas do universo, acreditar que, porque desejamos justiça ou amamos a justiça, a Natureza terá necessariamente de ter o mesmo desejo ou o mesmo amor, supor que, porque uma coisa é má, ela pode ser tornada melhor sem a piorar, estas são atitudes românticas e definem todos os espíritos que se revelam incapazes de conceber a realidade como algo situado fora deles próprios, como crianças implorando por luas nesta Terra.
Quase todas as modernas reformas sociais são concepções românticas, um esforço para acomodar a realidade aos nossos desejos. O aviltante conceito da perfectibilidade humana.
A Vantagem de Ter Pouca Memória
Não há outro homem a quem aventurar-se a falar de memória assente tão mal. Pois praticamente não reconheço em mim vestígio dela, e não creio que haja no mundo uma outra tão prodigiosa em insuficiência. Tenho banais e comuns todas as minhas outras qualidades. Mas nesta creio ser singular e muito raro, e digno de por ela ganhar nome e fama.
(…) Em certa medida, consolo-me. Em primeiro lugar porque esse é um mal pelo qual encontrei principalmente o meio de corrigir um mal pior que poderia facilmente ter surgido em mim, ou seja, a ambição, pois é uma falta (a falta de memória) inadmissível para quem se envolve nos negócios do mundo; e porque, como mostram vários exemplos semelhantes do andamento da natureza, esta de bom grado fortaleceu em mim outras faculdades na medida em que aquela se enfraqueceu, e facilmente eu iria deitando e enlaguescendo o meu espírito e o meu discernimento sobre os rastros de outrem, como faz o mundo, sem exercer as suas próprias forças, se as ideias e opiniões alheias estivessem presentes em mim pelo benefício da memória.
E porque as minhas falas são mais curtas, pois o armazém da memória costuma ser mais bem provido de matéria do que o da invenção;
Cada um de nós carrega consigo a riqueza e o peso da sua própria história, que o distingue de qualquer outra pessoa. A nossa vida, com as suas alegrias e as suas penas, é uma coisa única e irrepetível, que decorre sob o olhar misericordioso de Deus.
Francisco de Assis não se contentou em abraçar e dar esmola aos leprosos, mas decidiu ir a Gubbio para estar junto deles. Ele próprio viu neste encontro o ponto de viragem das sua conversão: «Quando estava nos meus pecados, parecia-me uma coisa insuportável ver os leprosos, e foi o próprio Senhor a conduzir-me para o meio deles. E ao afastar-me deles, aquilo que me parecia amargo transformou-se em doçura» (Fioretti 110).
O Poeta não é um Pequeno Deus
O poeta não é um «pequeno deus». Não, não é um «pequeno deus». Não está amrcado por um destino cabalístico superior ao de quem exerce outros misteres e ofícios. Exprimi amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se julga deus. Cumpre a sua majestosa e humilde tarefa de amassar, levar ao forno, dourar e entregar o pão de cada dia, com uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a atingir essa simples consciência, a simples consciência também se pode converter em parte de uma artesania colossal, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos.
Se o poeta se incorpora nessa nunca consumida luta para cada um confiar nas mãos dos outros a sua ração de compromisso, a sua dedicação e a sua ternura pelo trabalho comum de cada dia e de todos os homens, participa no suor, no pão, no vinho, no sonho de toda a humanidade. Só por esse caminho inalienável de sermos homens comuns conseguiremos restituir à poesia o vasto espaço que lhe vão abrindo em cada época,
O Talento na Juventude e na Velhice
Nada menos exacto do que supor que o talento constitui privilégio da mocidade. Não. Nem da mocidade, nem da velhice. Não se é talentoso por se ser moço, nem genial por se ser velho. A certidão de idade não confere superioridade de espírito a ninguém. Nunca compreendi a hostilidade tradicional entre velhos e moços (que aliás enche a história das literaturas); e não percebo a razão por que os homens se lançam tantas vezes recíprocamente em rosto, como um agravo, a sua velhice ou a sua juventude.
Ser idoso não quer dizer que se seja necessáriamente intolerante e retrógado; e engana-se quem supuser que a mocidade, por si só, constitui garantia de progresso ou de renovação mental. As grandes descobertas que ilustram a história da ciência e contribuiram para o progresso humano são, em geral, obra dos velhos sábios; e a mocidade literária, negando embora sistemáticamente o passado, é nele que se inspira, até que o escritor adquire (quando adquire) personalidade própria.
(…) A mocidade, em geral, não cria; utiliza, transformando-o, o legado que recebeu. Juventude e velhice não se opõem; completam-se na harmonia universal dos seres e das coisas. A vida não é só o entusiasmo dos moços;
Valoriza-se mais o Ter que o Ser
A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social em busca da acumulação de resultados económicos conduz a uma busca generalizada do ter e do parecer, de forma que todo o «ter» efectivo perde o seu prestígio imediato e a sua função última. Assim, toda a realidade individual tornou-se social e directamente dependente do poderio social obtido.
(…) O espectáculo é o herdeiro de toda a fraqueza do projecto filosófico ocidental, que foi uma compreensão da actividade dominada pelas categorias do ver; assim como se baseia no incessante alargamento da racionalidade técnica precisa, proveniente deste pensamento. Ele não realiza a filosofia, ele filosofa a realidade. É a vida concreta de todos que se degradou em universo especulativo.
A filosofia, enquanto poder do pensamento separado, e pensamento do poder separado, nunca pode por si própria superar a teologia. O espectáculo é a reconstrução material da ilusão religiosa. A técnica espectacular não dissipou as nuvens religiosas onde os homens tinham colocado os seus próprios poderes desligados de si: ela ligou-os somente a uma base terrestre.
As pessoas que cedem e concordam com tudo são sempre as mais saudáveis, as mais belas, e de figura mais harmoniosa. Basta alguém ter um defeito para ter a sua própria opinião.
Só confie numa testemunha quando ela fala de questões em que não se acham envolvidos nem o seu interesse próprio, nem as suas paixões, nem os seus preconceitos, nem o amor pelo maravilhoso. No caso de haver esse envolvimento, requeira evidência corroborativa em proporção exata à violação da probabilidade evocada pelo seu testemunho.
Insista em si mesmo; nunca imite. Seu próprio talento você pode apresentar a cada momento com a força acumulada pelo cultivo de uma vida inteira; mas do talento adotado de uma outra pessoa você tem apenas uma temporária posse parcial. Faça o que foi designado para você, e nenhuma esperança ou ousadia poderá ser demais.
Os Actos Valem mais que as Palavras
Nenhuma explicação verbal poderá alguma vez substituir a contemplação. A unidade do Ser não é transmissível pelas palavras. Se eu quisesse ensinar a homens, cuja civilização o desconhecesse, o que é o amor a uma pátria ou a uma quinta, não disporia de argumento algum para os convencer. São os campos, as pastagens e o gado que constituem uma quinta. Todos e cada um deles têm como missão produzir riqueza. No entanto, há alguma coisa na quinta que escapa à análise dos seus componentes, pois existem proprietários que, por amor à sua quinta, se arruinariam para a salvar. Pelo contrário, é essa «alguma coisa» que enriquece com uma qualidade particular os componentes. Estes tornam-se gado de uma quinta, prados de uma quinta, campos de uma quinta…
Assim se passa a ser homem de uma pátria, de um ofício, de uma civilização, de uma religião. Mas, para que alguém se reclame de tais Seres, convém, antes de mais, fundá-los em si próprio. E, se não existir o sentimento da pátria, nenhuma linguagem o transmitirá. O Ser de que nos reinvindicamos não o fundamos em nós senão por actos. Um Ser não pertence ao domínio da linguagem, mas dos actos. O nosso Humanismo desprezou os actos.
O homem é o único ser sensível que se destrói a si próprio no estado de absoluta liberdade; qualquer outro animal, quando se despedaça, é para destruir prisões e quebrar cadeias.
A Infelicidade do Desejo
Um desejo é sempre uma falta, carência ou necessidade. Um estado negativo que implica um impulso para a sua satisfação, um vazio com vontade de ser preenchido.
Toda a vida é, em si mesma, um constante fluxo de desejos. Gerir esta torrente é essencial a uma vida com sentido. Cada homem deve ser senhor de si mesmo e ordenar os seus desejos, interesses e valores, sob pena de levar uma vida vazia, imoderada e infeliz. Os desejos são inimigos sem valentia ou inteligência, dominam a partir da sua capacidade de nos cegar e atrair para o seu abismo.
A felicidade é, por essência, algo que se sente quando a realidade extravasa o que se espera. A superação das expectativas. Ser feliz é exceder os limites preestabelecidos, assim se conclui que quanto mais e maiores forem os desejos de alguém, menores serão as suas possibilidades de felicidade, pois ainda que a vida lhe traga muito… esse muito é sempre pouco para lhe preencher os vazios que criou em si próprio.Na sociedade de consumo em que vivemos há cada vez mais necessidades. As naturais e todas as que são produzidas artificialmente. Hoje, criam-se carências para que se possa vender o que as preenche e anula.
A Brevidade da Vida
MANIFESTA-SE A PRÓPRIA BREVIDADE DA VIDA, SEM PENSAR E COM PADECER, ASSALTADA PELA MORTE
Foi sonho ontem: será amanhã terra;
pouco antes, nada; pouco depois, fumo;
e destino ambições, até presumo
nem um momento o cerco que me encerra.Breve combate de importuna guerra,
p’ra defender-me, sou perigo sumo;
quando com minhas armas me consumo,
menos me hospeda o corpo, que me enterra.Foi-se o ontem; amanhã é esperado;
hoie passa, e é, e foi com movimento
que me conduz à morte despenhado.Enxadas são a hora e o momento;
pagas por minha pena e meu cuidado,
cavam em meu viver meu monumento.Tradução de José Bento
O crente aprende a ver-se a si mesmo a partir da fé que professa. A figura de Cristo é o espelho em que descobre realizada a sua própria imagem. E dado que Cristo abraça em Si mesmo todos os crentes que formam o Seu corpo, o cristão compreende-se a si mesmo neste corpo, em relação primordial com Cristo e os irmãos de fé.