Textos sobre Sentidos

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Textos de sentidos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Não Tenho Ninguém em Quem Confiar

Estou cansado de confiar em mim próprio, de me lamentar a mim mesmo, de me apiedar, com lágrimas, sobre o meu próprio eu. Acabo de ter uma espécie de cena com a tia Rita acerca de F. Coelho. No fim dela senti de novo um desses sintomas que cada vez se tornam mais claros e sempre mais horríveis em mim: uma vertigem moral. Na vertigem física há um rodopiar do mundo externo em relação a nós: na vertigem moral, um rodopiar do mundo interior. Parece-me perder, por momentos, o sentido da verdadeira relação das coisas, perder a compreensão, cair num abismo de suspensão mental. É uma pavorosa sensação esta de uma pessoa se sentir abalada por um medo desordenado.
Estes sentimentos vão-se tornando comuns, parecem abrir-me o caminho para uma nova vida mental, que acabará na loucura. Na minha família não há compreensão do meu estado mental — não, nenhuma. Riem-se de mim, escarnecem-me, não me acreditam. Dizem que o que eu pretendo é mostrar-me uma pessoa extraordinária. Nada fazem para analisar o desejo que leva uma pessoa a querer ser extraordinária. Não podem compreender que entre ser-se e desejar-se ser extraordinário não há senão a diferença da consciência que é acrescentada ao facto de se querer ser extraordinário.

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A Eternidade do Amor

Ela disse: às vezes acredito na eternidade. Eu e tu como aquilo que nunca acaba.
Ele disse: deito-me todos os dias com essa fé na cabeça. Mas depois adormeço.
Ela disse: não nos consigo situar no tempo. Não sei quando começamos. Nem sei mesmo se alguma vez começámos. Quando começámos já estávamos a meio. Como se nunca tivesse havido um começo. E é isso que me faz acreditar que talvez não tenhamos fim.
Ele disse: faz sentido.
E a música ecoou.

O Ofuscante Poder da Escrita

O sentido da literatura, no meio dos muitos que tenha ou não tenha, é que ela mantém, purificadas das ameaças da confusão, as linhas de força que configuram a equação da consciência e do acto, com suas tensões e fracturas, suas ambivalências e ambiguidades, suas rudes trajectórias de choque e fuga. O autor é o criador de um símbolo heróico: a sua própria vida.

Mas, quando cria esse símbolo, está a elaborar um sistema sensível e sensibilizador, convicto e convincente, de sinais e apelos destinados a colocar o símbolo à altura de uma presença ainda mais viva que aquela matéria desordenada onde teve origem. O valor da escrita reside no facto de, em si mesma, tecer-se ela como símbolo, urdir ela própria a sua dignidade de símbolo. A escrita representa-se a si, e a sua razão está em que dá razão às inspirações reais que evoca.

E produz uma tensão muito mais fundamental do que a realidade. É nessa tensão real criada em escrita que a realidade se faz. O ofuscante poder da escrita é que ela possui uma capacidade de persuasão e violentação de que a coisa real se encontra subtraída.
O talento de saber tornar verdadeira a verdade.

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Alegria é Felicidade Imediata

Quem é alegre tem sempre razão de sê-lo, ou seja, justamente esta, a de ser alegre. Nada pode substituir tão perfeitamente qualquer outro bem quanto esta qualidade, enquanto ela mesma não é substituível por nada. Se alguém é jovem, belo, rico e estimado, então perguntemos, caso queiramos julgar a sua felicidade, se é também jovial. Se, pelo contrário, ele for jovial, então é indiferente se é jovem ou velho, erecto ou corcunda, pobre ou rico; é feliz.
Na primeira juventude, abri certa vez um livro velho e lá estava escrito: «Quem muito ri é feliz, e quem muito chora é infeliz» – uma observação bastante ingénua, mas que não pude esquecer devido à sua verdade singela, por mais que fosse o superlativo de uma verdade evidente. Por esse motivo, devemos abrir portas e janelas à jovialidade, sempre que ela aparecer, pois ela nunca chega em má hora, em vez de hesitar, como muitas vezes o fazemos, em permitir a sua entrada, só porque queremos saber primeiro, em todos os sentidos, se temos razão para estar contentes. Ou ainda, porque tememos que ela nos perturbe nas nossas ponderações sérias e preocupações importantes. Todavia, é muito incerto que elas melhorem a nossa condição;

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Sejamos Alegres

Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer — e respondo a toda essa infâmia com — exatamente isto que vai agora ficar escrito — e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas — porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou — apesar de tudo oh apesar de tudo — estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como,

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A Inteligência não é o Fundo do nosso Ser

A inteligência não é o fundo do nosso ser. Pelo contrário. É como uma pele sensível, tentacular que cobre o resto do nosso volume íntimo, o qual por si é sensu stricto ininteligente, irracional. Barrès dizia isto muito bem: L’intelligence, quelle petite chose à la surface de nous. Aí está ela, estendida como um dintorno sobre o nosso ser mais interior, dando uma face às coisas, ao ser – porque o seu papel não é outro senão pensar as coisas, pensar o ser, o seu papel não é ser o ser, mas reflecti-lo, espelhá-lo. Tanto não somos ela que a inteligência é uma mesma em todos, embora uns dela tenham maior porção que outros. Mas a que tiverem é igual em todos: 2 e 2 são para todos 4. Por isso Aristóteles e o averroísmo acreditaram que havia um único noûs ou intelecto no Universo, que todos éramos, enquanto inteligentes, uma só inteligência. O que nos individualiza está por trás dela.
Mas não vamos agora espicaçar uma tão difícil questão. Baste o que foi dito para sugerir que em vão pretenderá a inteligência lutar num match de convicção com as crenças irracionais, habituais. Quando um cientista sustém as suas ideias com uma fé semelhante à fé vital,

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O Abraço

O abraço. O abraço que parece estar a acabar. O abraço raro, o abraço verdadeiro. Da mãe que recebe o filho, da mulher que recebe o marido, do amigo que recebe o amigo. O abraço que não se pensa, que não se imagina. O abraço que não é; o abraço que tem de ser. O abraço que serve para viver. O abraço que acontece – e que não se esquece. Um dia hei-de passar todo o dia a ensinar o abraço. A visitar as escolas e a explicar que abraçar não é dois corpos unidos e apertados pelos braços. Abraçar é dois instantes que se fundem por dentro do que une dois corpos. Abraçar é um orgasmo de vida, um clímax de partilha – uma orgia de gente. Abraçar é fechar os olhos e abrir a alma, apertar os músculos e libertar o sonho. Abraçar é fazer de conta que se é herói – e sê-lo mesmo. Porque nada é mais heróico do que um abraço que se deixa ser. Porque nada é mais heróico do que ter a coragem de abraçar, em frente do mundo, em frente da dor, em frente do fim, em frente da derrota. Abraçar é a vitória do homem sobre o homem,

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História e Tempo são Sempre Contingentes

Querer predizer o futuro (profetizar) e querer ouvir a necessidade do passado são uma única e mesma coisa, e é apenas um problema de gosto se determinada geração acha uma coisa mais plausível que a outra.
(…) O distanciamento no tempo engana o sentido do espírito tal como o afastamento no espaço provoca o erro dos sentidos. O contemporâneo não vê a necessidade do que vem a ser, mas, quando há séculos entre o vir a ser e o observador, este vê então a necessidade, tal como aquele que vê à distância o quadradrado como redondo.
(…) Tudo o que é histórico é contingente, pois justamente pelo facto de acontecer, de se tornar histórico, recebe o seu momento de contingência, pois a contingência é precisamente o único factor de tudo o que vem a ser.

Não Estás a Ver

Todos os dias, todos nós assistimos – seja como utentes, vítimas ou observadores – a uma prática irritantemente portuguesa.
Alguém faz uma longa e pormenorizada descrição de uma coisa extraordinária (ou, mais amiúde, banal) que lhe aconteceu. Nós ouvimos, com paciência e empatia exageradas, e comentamos conforme as mais bem equilibradas expectativas.
Descrevem-nos um momento de horror (“atravessou-se um gato na estrada, tive de desviar-me e quase bati noutro carro”) e, quando nós simpatizamos (muitos de nós tendo passado pela mesma experiência de medo de morrer ou matar), o nosso interlocutor dá como perdidos os quartos de hora que gastou a dar-nos uma narrativa completa e, apesar da nossa sincera afirmação de empatia (“Coitado! Sei exactamente o que sentiste!”), atira-nos invariavelmente à cara a mesma psicopática acusação: “Não estás a ver!”
É português pensar que aquilo que se sente ou que nos acontece não pode ser sentido ou acontecer a mais ninguém. Temos a ideia estúpida, avançada por Camões – do saber de experiência feito -, que cada um sabe o que sabe e vive o que vive. Dizer “não estás a ver” a quem vê perfeitamente – o mais das vezes espontaneamente – é uma espécie de distanciação.

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O Sentido do Destino

O que verdadeiramente se passa não é que as coisas aconteçam a cada um segundo determinado destino, mas que cada um interpreta as coisas que lhe aconteceram, se tem capacidade para tal, dispondo-as em determinado sentido – o que significa, segundo determinado destino.

Sexo, Poder e Dinheiro

A nossa sociedade gravita em torno de 3 eixos. Muito poucos são os que não se deixam cair em nenhuma das reais tentações do aparente.
O culto destas dimensões imediatas da identidade remete para planos secundários todas as categorias interiores que a estruturam e consubstanciam, dispensando ponderação e reflexão, abrem alas a uma preguiça estranha que se contenta com o superficial. Quase uma animalidade consentida, mas sem sentido.
O sexo, fazendo parte da vida, não é contudo o mais importante. O hábito consome-se com tremenda rapidez, e o corpo é apenas uma ínfima parte do que somos, o albergue temporário de uma interioridade composta por, tantas vezes, tenebrosas podridões, vulgaridades comuns e, por vezes também, belezas indescritíveis. Felizmente, o ser humano é capaz de ver para bem mais longe do que a vista alcança, e ver o outro através do seu corpo.

O poder atrai e corrompe, muito antes de ser atingido. Promete o que há de melhor pela amplificação da liberdade, mas como não dá nunca o discernimento essencial às escolhas que determinam os passos que nos aproximam da felicidade, ilude enquanto afoga quem se julga por ele abraçado.

O dinheiro é o que parece mover com mais eficácia o mundo,

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Os Caminhos Desapareceram da Alma Humana

Caminho: faixa de terra sobre a qual se anda a pé. A estrada distingue-se do caminho não só por ser percorrida de automóvel, mas também por ser uma simples linha ligando um ponto a outro. A estrada não tem em si própria qualquer sentido; só têm sentido os dois pontos que ela liga. O caminho é uma homenagem ao espaço. Cada trecho do caminho é em si próprio dotado de um sentido e convida-nos a uma pausa. A estrada é uma desvalorização triunfal do espaço, que hoje não passa de um entrave aos movimentos do homem, de uma perda de tempo.
Antes ainda de desaparecerem da paisagem, os caminhos desapareceram da alma humana: o homem já não sente o desejo de caminhar e de extrair disso um prazer. E também a sua vida ele já não vê como um caminho, mas como uma estrada: como uma linha conduzindo de uma etapa à seguinte, do posto de capitão ao posto de general, do estatuto de esposa ao estatuto de viúva. O tempo de viver reduziu-se a um simples obstáculo que é preciso ultrapassar a uma velocidade sempre crescente.

Inteligência e Intuição

O instinto é simpatia. Se esta simpatia pudesse alargar o seu objecto e também reflectir sobre si mesma, dar-nos-ia a chave das operações vitais – do mesmo modo que a inteligência, desenvolvida e reeducada, nos introduz na matéria. Porque, não é de mais repeti-lo, a inteligência e o instinto estão orientados em dois sentidos opostos: aquela para a matéria inerte, este para a vida. A inteligência, por meio da ciência, que é obra sua, desvendar-nos-á cada vez mais completamente o segredo das operações físicas; da vida apenas nos dá, e não pretende aliás dar-nos outra coisa, uma tradução em termos de inércia. Gira em derredor, obtendo de fora o maior número de visões do objecto que chama até si, em vez de entrar nele. Mas é ao interior mesmo da vida que nos conduzirá a intuição, quero dizer o instinto tornado desinteressado, consciente de si mesmo, capaz de reflectir sobre o seu objecto e de o alargar indefinidamente.
Que um esforço deste género não é impossível, é o que demonstra já a existência no homem de uma faculdade estética ao lado da percepção normal. O nosso olhar apercebe os traços do ser vivo, mas justapostos uns aos outros, e não organizados entre si.

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Meditação e Opinião

Em matéria de arte, de amor ou de ideias creio serem pouco eficazes anúncios e programas. Pelo que toca às ideias, a razão de uma tal incredulidade é a seguinte: a meditação sobre qualquer tema, quando é positiva e autêntica, afasta inevitavelmente o meditador da opinião recebida ou já aí existente, do que com mais graves razões que quanto agora suponham, merece chamar-se «opinião pública» ou «vulgaridade». Todo o esforço intelectual que com rigor o seja afasta-nos solitários da praia comum, e, por rotas recônditas que precisamente o nosso esforço descobre, conduz-nos a lugares retirados, situa-nos sobre pensamentos insólitos. São estes o resultado da nossa meditação. Pois bem: o anúncio ou programa reduz-se a antecipar esses resultados, deles arrancando previamente a via ao cabo da qual foram descobertos. (…) Um pensamento separado da rota mental que a ele conduz, insulano e escarpado, é uma abstracção no pior sentido da palavra, e, por esse motivo, é ininteligível.

Mais do que Amor

O amor veio afirmar todas as coisas velhas de cuja existência apenas sabia sem nunca ter aceito e sentido. O mundo rodava sob seus pés, havia dois sexos entre os humanos, um traço ligava a fome à saciedade, o amor dos animais, as águas das chuvas encaminhavam-se para o mar, crianças eram seres a crescer, na terra o broto se tornaria planta. Não poderia mais negar… o quê? — perguntava-se suspensa. O centro luminoso das coisas, a afirmação dormindo em baixo de tudo, a harmonia existente sob o que não entendia.

Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água. Cada acontecimento vibrava em seu corpo como pequenas agulhas de cristal que se espedaçassem. Depois dos momentos curtos e profundos vivia com serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-se a tudo. Parecia-lhe fazer parte do verdadeiro mundo e estranhamente ter-se distanciado dos homens. Apesar de que nesse período conseguia estender-lhes a mão com uma fraternidade de que eles sentiam a fonte viva. Falavam-lhe das próprias dores e ela, embora não ouvisse, não pensasse, não falasse, tinha um olhar bom — brilhante e misterioso como o de uma mulher grávida.

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Felicidade com Poucos Bens

Embora a experiência me tenha ensinado que se descobrem homens felizes em maior proporção nos desertos, nos mosteiros e no sacrifício do que entre os sedentários dos oásis férteis ou das ilhas ditas afortunadas, nem por isso cometi a asneira de concluir que a qualidade do alimento se opusesse à natureza da felicidade. Acontece simplesmente que, onde os bens são em maior número, oferecem-se aos homens mais possibilidades de se enganarem quanto à natureza das suas alegrias: elas, efectivamente, parecem provir das coisas, quando eles as recebem do sentido que essas coisas assumem em tal império ou em tal morada ou em tal propriedade. Para já, pode acontecer que eles, na abastança, se enganem com maior facilidade e façam circular mais vezes riquezas vãs. Como os homens do deserto ou do mosteiro não possuem nada, sabem muito bem donde lhes vêm as alegrias e é-lhes assim mais fácil salvarem a própria fonte do seu fervor.

A Entrega Real

Enfim, enfim quebrara-se realmente o meu invólucro, e sem limite eu era. Por não ser, era. Até ao fim daquilo que eu não era, eu era. O que não sou eu, eu sou. Tudo estará em mim, se eu não for; pois ‘eu’ é apenas um dos espasmos instantâneos do mundo.
Minha vida não tem sentido apenas humano, é muito maior – é tão maior que, em relação ao humano, não tem sentido. Da organização geral que era maior que eu, eu só havia até então percebido os fragmentos. Mas agora, eu era muito menos que humana – e só realizaria o meu destino especificamente humano se me entregasse, como estava me entregando, ao que já não era eu, ao que já é inumano.
E entregando-me com a confiança de pertencer ao desconhecido. Pois só posso rezar ao que não conheço. E só posso amar à evidência desconhecida das coisas, e só me posso agregar ao que desconheço. Só esta é que é uma entrega real.

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Estatuto e Eternidade

Não me entendes, caríssimo Sebastião: dizes que misturo tudo. Dizes que é incomparável a liberdade de que hoje dispomos para imaginar, escolher, criar, viver. Pelo menos na nossa civilização, dizes. E eu rio-me do que tu dizes, e tu zangas-te com o meu riso, cuidando, como tanto se cuida naquilo a que chamas a nossa civilização, que me rio de ti. Querido Sebastião, rio-me porque aquilo a que chamas a nossa civilização ainda nem sequer começou. Importa-me a liberdade, sim, mas vejo que a usamos ainda e apenas como uma outra espécie de grilhão. Vestimos a liberdade como outrora vestíamos a submissão; ela não é mais do que um traje de baile, com um carnet em que apontamos os nomes daqueles com quem dançaremos para brilhar diante dos outros. Democratizou-se o anseio de estatuto, mas não conseguimos ainda sair dele. É isso que vejo, Sebastião.
Som e sentido, continente e conteúdo dilacerando-se, hoje como sempre, até que nada reste sob a superfície hiperbólica da realidade. Dizes que aquilo a que eu chamo estatuto pode também chamar-se ânsia de eternidade. Mas eu vejo tão pouca eternidade nos sonhos das pessoas, Sebastião. A eternidade que somos conduzidos a aspirar é a da juventude –

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A Evolução da Criatividade

A experiência humana é apenas ponto de partida, núcleo sólido e permanente onde assenta a experiência posterior da criação. Considero a criação o encaminhamento, até às consequências extremas, de uma experiência em si mesma não organizada. A descoberta do mundo não possui, por ela própria, finalidade ou coerência, nem constitui a salvação desse mundo. Desde que seja possível criar um corpo orgânico em que a experiência, devidamente articulada, se baste, surge uma harmonia entre o sujeito e a sua experiência, quero dizer, o sujeito participa do cosmos. Este esforço da superação do caos exprime-se pela busca de uma linguagem. È aliás na linguagem que a experiência se vai tornando real. Se nela não há, em sentido rigoroso, experiência do mundo. A esta conclusão vem chegando uma moderna filosofia da arte. A formação da linguagem é um paciente, extenso, doloroso e, muitas vezes, desesperante caminho. O erro aparece como uma constante, mas existe a possibilidade de ser sempre menor. Entre um grau máximo e um grau mínimo de erro, situa-se a evolução. Progresso de linguagem, de adequação às finalidades, superação da experiência, purificação do tema – eis onde se pode situar o sentido da evolução.

Conhecimento Interesseiro

Conhecer uma realidade é, no sentido habitual do termo «conhecer»: tomar conceitos já feitos, doseá-los, combiná-los até obter um equivalente prático do real. Mas não se deve esquecer que o trabalho da inteligência está longe de ser um trabalho desinteressado. Não visamos em geral conhecer por conhecer, mas conhecer para tomar uma decisão, para tirar algum proveito; enfim, para satisfazer algum interesse.