A Voltinha é uma Instituição Nacional

Agora que os Portugueses voltam a casar-se pela Igreja e a fazer juramentos solenes de fidelidade onde prometem que não irão enganar os cônjuges (mesmo que os cônjuges fiquem intoleravelmente leprosos ou maçadores ou miseráveis), as pessoas têm de saber enfrentar as facilidades, dificuldades e dúvidas da fidelidade.
Por exemplo, «a voltinha» é uma instituição nacional. Dar «uma voltinha» com alguém não é andar com alguém — é «ver como anda».
Como quem dá uma voltinha ao quarteirão na motocicleta do padeiro. Monta-se, pega-se de empurrão, dá-se a voltinha, desmonta-se e desliga-se. «Chegaste a andar com ele?», pergunta uma parola mais curta. «És parva!, — responde a mais alta, — dei só uma voltinha!».
A ideia é que a voltinha «não vale». Não se fala, não se paga, não se recorda, não se conta; enfim, «não conta». As voltinhas estão para as relações humanas como os brindes da Juá para o sistema económico português: não entram no orçamento. Quando se vai «dar uma voltinha» com alguém, não se vai nem com muita vontade nem com muita pressa — vai-se. Não faz sentido dizer que se «deseja» dar uma voltinha com alguém. As voltinhas não são o resultado de grandes planos e seduções — «proporcionam-se» (eis o verbo moderno mais estúpido). As pessoas não dizem que «querem» dar uma voltinha — dizem que «até davam». As voltinhas nem coisas que se dêem são — são coisas que «até se dão»… Enquanto se está a dá-las é possível que se ouçam os ecos distantes de uma pista de carrinhos de choques: «Mais uma corrida, mais uma voltinha!»
A «voltinha» é uma das nossas miseriazinhas, como os «biscatos», os «ganchos» e os «jeitinhos» — coisinhas sub-reptícias, combinadas e debitadas ao som das «Trocas e Baldrocas» num transistor fanado; vícios e vigarices de vendedores e viúvas em vãos de escada. A «voltinha» é a infidelidade fifizinha dos parolos e dos cobardes. Há quem lhe chame uma «escapulidela inocente», mas, mal por mal, é preferível um escandaloso e sumarento «adultério». Por alguma razão não há um mandamento que diga «Não dareis uma voltinha». Um adultério «comete-se», faz das pessoas adúlteras, dá a ideia que se vai para o Inferno, inspira os nossos melhores advogados a serem brilhantes nos tribunais. Uma voltinha não se comete — dá-se. E quem as dá não tem direito a opróbio nem a parábolas na Bíblia. Em tribunal nenhum se levantará o legítimo cônjuge, de cabeça perdida, gritando «Sua… sua dadora de voltinhas!».