Textos sobre Tempo

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Textos de tempo escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Amor Comparado

Queres ter uma ideia do amor, vê os pardais do teu jardim; vê os teus pombos; contempla o touro que se leva à tua vitela; olha esse orgulhoso cavalo que dois valetes teus conduzem à égua em paz que o espera, e que desvia a cauda para recebê-lo; vê como os seus olhos cintilam; ouve os seus relinchos; contempla os seus saltos, camabalhotas, orelhas eriçadas, boca que se abre com pequenas convulsões, narinas que se inflam, sopro inflamado que delas sai, crinas que se revolvem e flutuam, movimento imperioso com o qual o cavalo se lança para o objecto que a natureza lhe destinou; mas não tenhas inveja, e pensa nas vantagens da espécie humana: elas compensam com amor todas as que a natureza deu aos animais, força, beleza, ligeireza, rapidez. Há até mesmo animais que não sabem o que é o gozo. Os peixes escamados são privados dessa doçura: a fêmea lança no lodo milhões de ovos; o macho que os encontra passa sobre eles e fecunda-os com a sua semente, sem saber a que fêmea eles pertencem. A maior parte dos animais que copulam só têm prazer por um sentido; e, assim que esse apetite é satisfeito, tudo se extingue.

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Estamos Nós Realmente Salvando o Mundo?

Hoje a pergunta com que nos confrontamos é simples: estamos nós realmente salvando o mundo? Não me parece que a resposta possa ser aquela que gostaríamos. O mundo só pode ser salvo se for outro, se esse outro mundo nascer em nós e nos fizer nascer nele.
Mas nem o mundo está sendo salvo nem ele nos salva enquanto seres de existência única e irrepetível. Alguns de nós estarão fazendo coisas que acreditam ser importantíssimas. Mas poucos terão a crença que estão mudando o nosso futuro. A maior parte de nós está apenas gerindo uma condição que sabemos torta, geneticamente modificada ao sabor de um enorme laboratório para o qual todos trabalhamos mesmo sem vencimento.

Se alguma coisa queremos mudar e parece que mudar é preciso, temos que enfrentar algumas perguntas. A primeira das quais é como estamos nós, biólogos, pensando a ciência biológica? Antes de sermos cientistas somos cidadãos críticos, capazes de questionar os pressupostos que nos são entregues como sendo «naturais». A verdade, colegas, é que estamos hoje perante uma natureza muito pouco natural.

E é aqui que o pecado da preguiça pode estar ganhando corpo. Uma subtil e silenciosa preguiça pode levar a abandonar a reflexão sobre o nosso próprio objecto de trabalho.

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Boa e Má Literatura

O que acontece na literatura não é diferente do que acontece na vida: para onde quer que se volte, depara-se imediatamente com a incorrigível plebe da humanidade, que se encontra por toda a parte em legiões, preenchendo todos os espaços e sujando tudo, como as moscas no verão.
Eis a razão do número incalculável de livros maus, essa erva daninha da literatura que tudo invade, que tira o alimento do trigo e o sufoca. De facto, eles arrancam tempo, dinheiro e atenção do público – coisas que, por direito, pertencem aos bons livros e aos seus nobres fins – e são escritos com a única intenção de proporcionar algum lucro ou emprego. Portanto, não são apenas inúteis, mas também positivamente prejudiciais. Nove décimos de toda a nossa literatura actual não possui outro objectivo senão o de extrair alguns táleres do bolso do público: para isso, autores, editores e recenseadores conjuraram firmemente.
Um golpe astuto e maldoso, porém notável, é o que teve êxito junto aos literatos, aos escrevinhadores que buscam o pão de cada dia e aos polígrafos de pouca conta, contra o bom gosto e a verdadeira educação da época, uma vez que eles conseguiram dominar todo o mundo elegante,

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A Decadência do Espírito de Competição

O espírito de competição, considerado como a principal razão da vida, é demasiado inflexível, demasiado tenaz, demasiado composto de músculos tensos e de vontade decidida para servir de base possível à existência durante mais de uma ou duas gerações. Depois desse espaço de tempo, deve produzir-se uma fadiga nervosa, vários fenómenos de evasão, uma procura de prazeres, tão tensa e tão penosa como o trabalho (pois o afrouxamento tornou-se impossível) e finalmente a desaparição da raça devido à esterilidade. Não somente o trabalho é envenenado pela filosofia que exalta o espírito de competição mas os ócios são-no na mesma medida.
O género de descanso que acalma e restaura os nervos chega a ser aborrecimento. Produz-se fatalmente uma aceleração contínua cujo fim normal são as drogas e a ruína. O remédio consiste na aceitação duma alegria sã e serena como elemento indispensável ao equilíbrio ideal da vida.

A Bíblia por Goethe

Discute-se muito e há-de continuar a discutir-se em torno das vantagens e inconvenientes da divulgação da Bíblia. Para mim o assunto é claro: será perniciosa, como sempre o foi, se for usada de modo dogmático e fantasista; e será útil, como sempre o foi, se for encarada de modo didático e sensível.
É minha convicção que a Bíblia se torna tanto mais bela quanto mais a entendemos, ou seja, quanto mais se percebe e simultaneamente se intui cada uma das palavras que vamos apreendendo como coisa geral e que aplicamos ao nosso caso como coisa particular teve um dia, em certa situação, em determinadas circunstâncias de tempo e de lugar, uma aplicação individual própria, específica, imediata.

Arte e Sensibilidade

1) Toda a arte se baseia na sensibilidade, e essencialmente na sensibilidade.
2) A sensibilidade é pessoal e intransmissível.
3) Para se transmitir a outrem o que sentimos, e é isso que na arte buscamos fazer, temos que decompor a sensação, rejeitando nela o que é puramente pessoal, aproveitando nela o que, sem deixar de ser individual, é todavia susceptível de generalidade, portanto, compreensível, não direi já pela inteligência, mas ao menos pela sensibilidade dos outros.
4) Este trabalho intelectual tem dois tempos: a) a intelectualização directa e instintiva da sensibilidade, pela qual ela se converte em transmissível (é isto que vulgarmente se chama “inspiração”, quer dizer, o encontrar por instinto as frases e os ritmos que reduzam a sensação à frase intelectual (prim. versão: tirem da sensação o que não pode ser sensível aos outros e ao mesmo tempo, para compensar, reforçam o que lhes pode ser sensível); b) a reflexão crítica sobre essa intelectualização, que sujeita o produto artístico elaborado pela “inspiração” a um processo inteiramente objectivo — construção, ou ordem lógica, ou simplesmente conceito de escola ou corrente.
5) Não há arte intelectual, a não ser, é claro, a arte de raciocinar. Simplesmente,

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A Missão da Assembleia da República

Se ontem se podia afirmar que a missão histórica da Assembleia Constituinte consistia em dar viabilidade à democracia em Portugal, hoje podemos dizer que sobre a Assembleia da República recai o essencial da tarefa de a concretizar na prática do Estado que a recente Constituição reformulou. (…) A Assembleia da República tem de vir a ser a consciência política visível deste Povo, tornando-se num espelho fiel das suas necessidades e anseios, das suas dificuldades e esperanças e, ao mesmo tempo, no centro impulsionador da acção colectiva. (…) A Assembleia da República tem de ser o espaço da crítica justa e lúcida ao Governo e à administração pública e da denúncia oportuna das situações que intoleravelmente oprimem, exploram e alienam a pessoa humana, lembrando também a cada momento o que, sendo exequível, ainda não foi feito no domínio da ação do Estado e dos poderes locais.

Entendimento Lúcido do Futuro

Uma diferença característica e muito frequente na vida diária entre as cabeças comuns e as sensatas é que as primeiras, na sua ponderação e avaliação sobre possíveis perigos, querem saber e levam em conta apenas o que de semelhante já terá acontecido. As outras, pelo contrário, ponderam o que possivelmente poderia acontecer. É como se tivessem em mente o provérbio espanhol: «O que não acontece num ano, acontece num instante». Decerto, a diferença em questão é natural, pois, para abarcar com a vista aquilo que pode acontecer, é preciso entendimento; já para ver aquilo que aconteceu, são suficientes os sentidos.
A nossa máxima, então, é: sacrifica-te aos demónios malignos. Por outras palavras, não se deve temer uma certa perda de esforço, tempo, desconforto, transtorno, dinheiro ou privação, para fechar as portas à possibilidade de uma desgraça. E quanto maior a desgraça, tanto menor, mais remota e improvável a sua possibilidade. O exemplo mais claro desta regra é o prémio do seguro. Ele é um sacrifício público oferecido por todos no altar dos demónios malignos.

A Desordem da Minha Natureza

(…) enfrentei pela primeira vez o meu ser natural enquanto decorriam os meus noventa anos. Descobri que a minha obsessão de que cada coisa estivesse no seu lugar, cada assunto no seu tempo, cada palavra no seu estilo, não era o prémio merecido de uma mente ordenada mas, pelo contrário, um sistema completo de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, mas como reacção contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir a minha mesquinhez, que passo por prudente por ser pessimista, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que não se saiba que pouco me importa o tempo alheio. Descobri, por fim, que o amor não é um estado de alma mas um signo do Zodíaco.

Não há Nada Tão Enjoativo Quanto a Abundância

O amor bem nutrido e excessivamente submisso logo nos enjoa e cansa, como o excesso de uma iguaria agradável cansa o estômago (Ovídio). Julgam que os meninos de coro têm grande prazer com a música? A saciedade toma-a antes tediosa. Os festins, as danças, as mascaradas, os torneios alegram os que não os vêem amiúde e que desejaram vê-los; mas para quem o faz habitualmente o seu gosto torna-se insípido e desagra­dável; também as mulheres não excitam aquele que delas desfruta à saciedade. Quem não se dá tempo para sentir sede não poderia ter prazer em beber. As farsas dos saltimbancos divertem-nos, mas para os actores servem de obrigação. E a prova disso é que para os príncipes são de­lícias, é festa poderem às vezes travestir-se e descer à for­ma de vida baixa e popular, frequentemente aos grandes apraz mudar; e refeições frugais e asseadas sob o tecto de um pobre, sem tapete nem púrpura, desenrugaram-­lhes a fronte inquieta (Horácio).
Não há nada tão incómodo, tão enjoativo quanto a abundância. Que apetite não se repugnaria ao ver tre­zentas mulheres à sua mercê, como as que tem o grande se­nhor no seu serralho? E que prazer e que espécie de ca­çada buscara aquele ancestral seu que nunca ia para os campos com menos de sete mil falcoeiros?

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Nada é Tão Fatigante Como a Indecisão

A fadiga (do homem da cidade) é devida a inquietações que poderiam ser evitadas por uma melhor filosofia da vida e um pouco mais de disciplina mental. A maior parte dos homens e mulheres não governam eficazmente os seus pensamentos. Quero com isto dizer que eles não podem deixar de pensar nos assuntos que os atormentam, mesmo quando nesse momento nenhuma solução lhes podem dar. Os homens levam muitas vezes para a cama as suas inquietações em matérias de negócios e, durante a noite, quando deviam ganhar novas forças para enfrentar os dissabores do dia seguinte, é nelas que pensam, repetidas vezes, embora nesse instante nada possam fazer; e pensam nos problemas que os inquietam, não de forma a encontrar uma linha de conduta firme para o dia seguinte, mas nessa semi-demência que caracteriza as agitadas meditações da insónia.
De manhã, qualquer coisa dessa demência nocturna persiste ainda neles, obscurece-lhes o julgamento, rouba-lhes a calma, de forma que qualquer obstáculo os enfurece. O homem sensato só pensa nas suas inquietações quando julga de interesse fazê-lo; no restante tempo pensa noutras coisas e à noite não pensa em coisa nenhuma. Não quero dizer que numa grande crise, por exemplo, quando a ruína está iminente,

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As Melhores Coisas da Vida São à Borla

As melhores coisas da vida são à borla.

Vivemos em abundância.

Não parece, pois há muito tempo que se dá mais valor à matéria, aos bens que possuímos e às contas que temos no banco do que àquilo que verdadeiramente importa, mas é um facto. A terra dá-nos tudo. É tão generosa que mesmo após tanta destruição continua a regenerar-se e a alimentar-nos a alma e o corpo. Os melhores alimentos vêm do solo que pisamos. As praias encontram-se o ano todo no mesmo lugar. 0 mar e a areia não desaparecem. Existem desde sempre e para sempre e estão à tua disposição sempre que entenderes senti-los. As florestas, os bosques e os jardins, a mesma coisa. A essência do verde, apesar de amarelar no outono e cair no inverno, mantém-se intacta, disponível para a respirares e te entregares sempre que precisares de te curar. O vento sopra todos os dias. O sol intercala com a chuva para poderes sentir sempre algo novo quando vais à janela ou sais à rua. O céu está sempre estrelado ou cheio de formas para que possas agradecer ou dar asas à tua criatividade. Mas há mais. Os nossos amigos são de graça.

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Bens materiais e até saúde podem ser recuperados. Mas o tempo que se deixou passar, sem aproveitá-lo, é irrecuperável. O ócio é um pecado capital e um perigo, porque facilmente se torna pai de muitos pecados.

O Domínio da Ira

Querer extinguir inteiramente a cólera é pretensão louca dos estóicos. A cólera deve ser limitada e confinada, tanto na extensão como no tempo. Diremos em primeiro lugar como a inclinação natural e o hábito adquirido para se encolerizar podem ser temperados e acalmados. Diremos, em segundo lugar, como os movimentos particulares da cólera podem ser reprimidos, ou pelo menos refreados, para que não façam mal. Diremos, em terceiro lugar, como suscitar ou apaziguar a cólera nas outras pessoas.
Quanto ao primeiro ponto. Não há outro caminho senão o de meditar e ruminar muito bem os efeitos da cólera, de ver quanto ela perturba a vida humana. E a melhor ocasião de fazer isso, será depois de o acesso ter passado, reflectindo sobre as desvantagens da cólera. Séneca disse muito bem que «a cólera é como uma ruína que se quebra contra o que derruba». (…) Deve o homem cuidar de temperar a cólera mais pelo desdém do que pelo temor, para que assim possa estar acima da injúria e não abaixo dela: o que será coisa fácil, para quem quiser obedecer a esta lei.
Quanto ao segundo ponto. Há três causas e motivos principais da cólera. Primeiro, ser demasiado sensível ao toque,

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O Lugar Certo

O tempo mudava de um momento para o outro, juntando, no curto espaço de vinte e quatro horas, a Primavera e o Outono, o Verão e até Inverno. Mas José Artur sentia-se vivo como um lobo das estepes libertado. Tinha a tensão alta dos heróis românticos e, em muitas circunstâncias, dava por si a citar Thoreau:

“Fui para os bosques viver de livre vontade. Vara sugar todo o tutano da vida, para aniquilar tudo o que não era vida e para, quando morrer, não descobrir que não vivi.”

Lamentava que Darwin ou Twain não tivessem encontrado naquelas ilhas o mesmo que ele encontrava agora, mas percebeu que, no século dezanove, ainda restavam outros paraísos no planeta. E, de qualquer modo, havia Chateaubriand, Raul Brandão, até Melville, impressionado com a valentia dos marinheiros das ilhas a leste de Nantucket. Não, ele não estava louco. Havia uma sabedoria naquilo — havia ecos e refracções, como se algo de mais profundo se insinuasse. Tinha a certeza de que, se a terra tremesse agora, conseguiria senti-la.

Aquele era o seu lugar. Não havia por que sentir falta dos privilégios da cidade. Um homem que soubesse povoar-se tinha alimento para uma vida na fotografia de um labandeira,

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A Minha Poesia

Aquilo que dentro da minha produção poética pode eventualmente definir-me, entre os poetas da minha geração, é o resultado do esforço para conquistar um espaço independente, ou seja, a minha forma particular de universalizar. Pertenço ao número dos que atribuem à poesia uma enorme responsabilidade: a de transformar o mundo. A poetização das coisas não é senão o aperfeiçoamento delas. É para isto que se faz poesia e não para com ela se fazer literatura. Os transes de ironia e de revolta que muitas vezes tecem os meus poemas, são o regurgitar de um incontinente entusiasmo por um sonegado destino de amor e liberdade que o poeta escuta ao estimular a superação das coisas e dos seres e que não vê cumprida. A luta contra o tempo gerando o sublime engendra-lhe o reverso que é a abjecção de se viver condicionalmente. Aquilo que Jaspers chama o incondicional e que emana de uma liberdade que não pode ser de outra maneira, que não é causa de leis naturais mas o seu fundamento transcendente e que é o sublime de cada um, resulta na maior traição, porque não é dado ao homem como sua existência, mas deslumbrado num estado de superação. A luta pelo incondicional em choque com a minha condicionalidade,

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O Inseguro

A eterna canção: Que fiz durante o ano, que deixei de fazer, por que perdi tanto tempo cuidando de aproveitá-lo? Ah, se eu tivesse sido menos apressado! Se parasse meia hora por dia para não fazer absolutamente nada — quer dizer, para sentir que não estava fazendo coisas de programa, sem cor nem sabor. Aí, a fantasia galopava, e eu me reencontraria como gostava de ser; como seria, se eu me deixasse…
Não culpo os outros. Os outros fazem comigo o que eu consinto que eles façam, dispersando-me. Aquilo que eu lhes peço para fazerem: não me deixarem ser eu-um. Nem foi preciso rogar-lhes de boca. Adivinharam. Claro que eu queria é sair com eles por aí, fugindo de mim como se foge de um chato. Mas não foi essa a dissipação maior. No trabalho é que me perdi completamente de mim, tornando-me meu próprio computador. Sem deixar faixa livre para nenhum ato gratuito. Na programação implacável, só omiti um dado: a vida.

Que sentimento tive da vida, este ano? Que escavação tentei em suas jazidas? A que profundidade cheguei? Substituí a noção de profundidade pela de altura. Não quis saber de minerações. Cravei os olhos no espaço,

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O Professor como Mestre

Não me basta o professor honesto e cumpridor dos seus deveres; a sua norma é burocrática e vejo-o como pouco mais fazendo do que exercer a sua profissão; estou pronto a conceder-lhe todas as qualidades, uma relativa inteligência e aquele saber que lhe assegura superioridade ante a classe; acho-o digno dos louvores oficiais e das atenções das pessoas mais sérias; creio mesmo que tal distinção foi expressamente criada para ele e seus pares. De resto, é sempre possível a comparação com tipos inferiores de humanidade; e ante eles o professor exemplar aparece cheio de mérito. Simplesmente, notaremos que o ser mestre não é de modo algum um emprego e que a sua actividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.
A sua contribuição terá sido mínima se o não moveu a tomar o caminho de mestre um imenso amor da humanidade e a clara inteligência dos destinos a que o espírito o chama;

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Falar Sempre, Pensar Nunca

Desde que, com a ajuda do cinema, das soap operas e do horney, a psicologia profunda penetra nos últimos rincões, a cultura organizada corta aos homens o acesso à derradeira possibilidade da experiência de si mesmo. E esclarecimento já pronto transforma não só a reflexão espontânea, mas o discernimento analítico, cuja força é igual à energia e ao sofrimento com que eles se obtêm, em produtos de massas, e os dolorosos segredos da história individual, que o método ortodoxo se inclina já a reduzir a fórmulas, em vulgares convenções.
Até a própria dissolução das racionalizações se torna racionalização. Em vez de realizar o trabalho de autognose, os endoutrinados adquirem a capacidade de subsumir todos os conflitos em conceitos como complexo de inferioridade, dependência materna, extrovertido e introvertido, que, no fundo, são pouco menos que incompreensíveis. O horror em face ao abismo do eu é eliminado mediante a consciência de que não se trata mais do que uma artrite ou de sinus troubles.
Os conflitos perdem assim o seu aspecto ameaçador. São aceites; não sanados, mas encaixados somente na superfície da vida normalizada como seu ingrediente inevitável. São, ao mesmo tempo, absorvidos como um mal universal pelo mecanismo da imediata identificação do indivíduo com a instância social;

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Da Duração das Obras

Algumas obras morrem porque nada valem; estas, por morrerem logo, são natimortas. Outras têm o dia breve que lhes confere a sua expressão de um estado de espírito passageiro ou de uma moda da sociedade; morrem na infância. Outras, de maior escopo, coexistem com uma época inteira do país, em cuja língua foram escritas, e, passada essa época, elas também passam; morrem na puberdade da fama e não alcançam mais do que a adolescência na vida perene da glória. Outras ainda, como exprimem coisas fundamentais da mentalidade do seu país, ou da civilização, a que ele pertence, duram tanto quanto dura aquela civilização; essas alcançam a idade adulta da glória universal. Mas outras duram além da civilização, cujos sentimentos expressam. Essas atingem aquela maturidade de vida que é tão mortal como os Deuses, que começam mas não acabam, como acontece com o Tempo; e estão sujeitas apenas ao mistério final que o Destino encobre para todo o sempre (…)