Raios não Peço ao Criador do Mundo
LX
Raios não peço ao Criador do Mundo,
Tormentas nĂŁo suplico ao Rei dos Mares,
Vulcões à terra, furacões aos ares,
Negros monstros ao báratro profundo:Não rogo ao deus de amor que furibundo
Te arremesse do pé de seus altares;
Ou que a peste mortal voe a teus lares,
E murche o teu semblante rubicundo.Não imploro em teu dano, ainda que os laços
Urdidos pela fé, com vil mudança
Fizeste, ingrata Nise, em mil pedaços:Não quero outro despique, outra vingança,
Mais que ver-te em poder de indignos braços,
E dizer quem te perde, e quem te alcança.
Passagens sobre Vulcões
37 resultadosEscuta, Amor
Quando damos as mãos, somos um barco feito de oceano, a agitar-se sobre as ondas, mas ancorado ao oceano pelo próprio oceano. Pode estar toda a espécie de tempo, o céu pode estar limpo, verão e vozes de crianças, o céu pode segurar nuvens e chumbo, nevoeiro ou madrugada, pode ser de noite, mas, sempre que damos as mãos, transformamo-nos na mesma matéria do mundo. Se preferires uma imagem da terra, somos árvores velhas, os ramos a crescerem muito lentamente, a madeira viva, a seiva. Para as árvores, a terra faz todo o sentido. De certeza que as árvores acreditam que são feitas de terra.
Por isto e por mais do que isto, tu estás aĂ e eu, aqui, tambĂ©m estou aĂ. Existimos no mesmo sĂtio sem esforço. Aquilo que somos mistura-se. Os nossos corpos sĂł podem ser vistos pelos nossos olhos. Os outros olham para os nossos corpos com a mesma falta de verdade com que os espelhos nos reflectem. Tu Ă©s aquilo que sei sobre a ternura. Tu Ă©s tudo aquilo que sei. Mesmo quando nĂŁo estavas lá, mesmo quando eu nĂŁo estava lá, aprendĂamos o suficiente para o instante em que nos encontrámos.
Aquilo que existe dentro de mim e dentro de ti,
A Alvorada do Amor
Um horror grande e mudo, um silĂŞncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:“Chega-te a mim! entra no meu amor,
E Ă minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação…
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufĂŁo de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estĂŁo cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o cĂ©u…Vamos! que importa Deus? Desata, como um vĂ©u,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chĂŁo; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
A natureza dá shows em forma de vulcão.
O Instante Antes do Beijo
NĂŁo quero o primeiro beijo:
basta-me
O instante antes do beijo.Quero-me
corpo ante o abismo,
terra no rasgão do sismo.O lábio ardendo
entre tremor e temor,
o escurecer da luz
no desaguar dos corpos:
o amor
nĂŁo tem depois.Quero o vulcĂŁo
que na terra nĂŁo toca:
o beijo antes de ser boca.
Maldição
Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
– Hoje, velha e cansada da amargura,
Minh’alma se abrirá como um vulcĂŁo.E, em torrentes de cĂłlera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silĂŞncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidĂŁo…Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!…
O desejo, quando aceso no corpo, Ă© como um vulcĂŁo em erupção. E o beijo sĂŁo gotas de lavas que se dissipam incandescentes pela boca…
A Lua é calma e tem vulcões no seio.
NĂŁo se Pode Viver Assim!
Temos na natureza muitas coisas contra as quais lutar, mas há um inimigo pior que todos os furacões e terramotos, o próprio ser humano. A natureza com todos os seus vulcões, terramotos, furacões e inundações não causou tantos mortos como a humanidade causou a si própria. Lutas de toda a ordem: guerras religiosas, guerras de interesses materiais, guerras absolutamente absurdas e estúpidas, como as dinásticas.
O entusiasmo é um vulcão em cuja cratera não cresce a relva da hesitação.
A Velhice Pede Desculpas
Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas,
acostumado apenas ao som das mĂşsicas,
à forma das letras.Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético
dos provisĂłrios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando
e uma voz que nĂŁo me canso, muito longe, de ouvir.Desculpai-me esta face, que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episĂłdios.Desculpai-me nĂŁo ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, Ă© certo,
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras.Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da maior glória,
são na verdade só destroços, destroços.
Ă€ Musa
Ă€ luz das noites serenas
A capela de açucenas
Te envolve em lúcido véu!
Ao meigo clarĂŁo da lua
És a imagem que flutua
No puro ambiente do céu!E os ternos suspiros soltos,
E os teus cabelos revoltos
Ao sabor da viração,
Perpassam brandos na mente
Como as brisas do poente
Na cratera do vulcĂŁo!Ă“ santa imagem querida,
Como Ă©s bela adormecida!
Que mistério em teu palor!
Que doçura no teu canto,
E que perfume tĂŁo santo
Nas tuas cismas d’amor!Deixa cair uma rosa
Da tua fronte mimosa,
Da vida no turvo mar!
Descerra-me o paraĂso
Que no teu fugaz sorriso
Nos faz viver e sonhar!
Natal
Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela mĂşsica acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silĂŞncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num sĂł tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcĂŁo. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Parece Que Nasceste, Oh! Pálida Divina
Parece que nasceste, oh! pálida divina,
Para seres o farol, a luz das puras almas!…
Parece que ao estridor, ao frĂŞmito das palmas
Exalças-te feliz a plaga cristalina!…Parece que se partem, angĂ©lica Bambina,
As campas glaciais dos Tassos e dos Talmas,
Lá quando no tablado as turbas sempre calmas
Transmutas em vulcĂŁo, em raio que fulmina!…E quando majestosa, em lance sublimado
Dardejas do olhar, olĂmpico, sagrado
Mil chispas ideais, titânicas, ardentes!…EntĂŁo sente-se n’alma o trĂŞmulo nervoso
Que deve ter o mar, fantástico, espumoso
Nos grossos vagalhões, indĂ´mitos, frementes!!…
A Mulher Inteligente
Sou doente pela mulher inteligente.
Sou fanático pela mulher inteligente. Sou viciado na inteligência da mulher inteligente. Preciso dela, exijo-a a toda a hora, persigo-a como um cão com fome persegue o osso. Sou obcecado pela mulher inteligente. A mulher inteligente é a criação suprema de Deus. A mulher inteligente é o próprio Deus. A mulher inteligente, suspeito, deve ser mesmo uma forma superior do próprio Deus. Até Deus tem inveja da mulher inteligente. Meu Deus.
A mulher inteligente despreza o que a mulher nĂŁo-inteligente ama.
A mulher inteligente não quer saber da conta bancária, não quer saber da marca do carro, da maquilhagem na cara. A mulher inteligente veste Prada a cada vez que fala, a cada vez que pensa. A mulher inteligente faz do que é um estilo, do que defende uma lei, do que parece uma moda. A mulher inteligente faz do tesão um estado de alma. A mulher inteligente dá-me tesão. Mmmm.
Partilhar a vida com uma mulher inteligente Ă© a Ăşnica forma de partilha possĂvel.
Só com ela consigo partilhar, só a ela consigo dizer tudo o que sinto, tudo o que sou. Só ela saberá como eu sei – e depois de pensar um pouco saberá muito melhor do que eu sei – aquilo que eu quero dizer com aquilo que eu estou a dizer.
O DilĂşvio
Há muitos dias já, há já bem longas noites
que o estalar dos vulcões e o atroar das torrentes
ribombam com furor, quais rábidos açoites,
ao crebro rutilar dos coriscos ardentes.Pradarias, vergéis, hortos, vinhedos, matos,
tudo desapar’ceu ao rude desabar
das constantes, hostis, raivosas cataratas,
que fizeram da Terra um grande e torvo mar.Ă€ flor do torvo mar, verde como as gangrenas,
onde homens e leões bóiam agonizantes,
imprecando com fĂşria e angĂşstia, erguem-se apenas,
quais monstros colossais, as montanhas gigantes.É aà que, ululando, os homens como as feras
refugiar-se vão em trágicos cardumes,
O mar sobe, o mar cresce. e os homens e as panteras,
crianças e reptis caminham para os cumes.Os fortes, sem haver piedade que os sujeite,
arremessam ao chĂŁo pobres velhos cansados.
e as mães largam. cruéis, os filhinhos de leite,
que os que seguem depois pisam, alucinados.Um sinistro pavor; crescente e sufocante,
desnorteia, asfixia a turba pertinaz:
ouvem-se urros de dor, e os que vĂŁo adiante
lançam pedras brutais aos que ficam pra trás.
O Verdadeiro Homem
É evidente que a natureza se preocupa bem pouco com o que o homem tem ou nĂŁo no espĂrito. O verdadeiro homem Ă© o homem selvagem, que se relaciona com a natureza tal como ela Ă©. Assim que o homem aguça a sua inteligĂŞncia, desenvolve as suas ideias e a forma de as exprimir, ou adquire novas necessidades, a natureza opõe-se aos seus desĂgnios em toda a linha. SĂł lhe resta violentá-la, continuamente. Ela, pelo seu lado, tambĂ©m nĂŁo fica quieta. Se ele suspende por momentos o trabalho que se impusera, ela torna-se de novo dominadora, invade-o, devora-o, destrĂłi ou desfigura a sua obra; dir-se-ia que acolhe com impaciĂŞncia as obras-primas da imaginação e da perĂcia do homem.
Que importam Ă ronda das estações, ao curso dos astros, dos rios e dos ventos, o PartĂ©non, SĂŁo Pedro de Roma e tantas outras maravilhas da arte? Um tremor de terra ou a lava de um vulcĂŁo reduzem-nos a nada; os pássaros farĂŁo os seus ninhos nas suas ruĂnas; os animais selvagens irĂŁo buscar os ossos dos construtores aos seus tĂşmulos entreabertos.