Passagens sobre Cordas

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Frases sobre cordas, poemas sobre cordas e outras passagens sobre cordas para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Preside O Neto Da Rainha Ginga

Preside o neto da rainha Ginga
À corja vil, aduladora, insana.
Traz sujo moço amostras de chanfana,
Em copos desiguais se esgota a pinga.

Vem pão, manteiga e chá, tudo à catinga;
Masca farinha a turba americana;
E o oragotango a corda à banza abana,
Com gesto e visagens de mandinga.

Um bando de comparsas logo acode
Do fofo Conde ao novo Talaveiras;
Improvisa berrando o rouco bode.

Aplaudem de contínuo as frioleiras
Belmiro em ditirambo, o ex-frade em ode.
Eis aqui de Lereno as quartas-feiras.

O Casulo

No casulo:
uma mesa quatro cinco estantes
livros por centenas ou milhares
tijolos de papel onde as traças
acasalam e o caruncho espreita
sólidas muralhas de elvezires onde
a rua não penetra
uma máquina de escrever olivetti
com a tinta acumulada nas letras mais redondas
cachimbos barros estanhos medalhas fotos
bonecos marafonas lembranças
retratos alguns gente ida ou vinda
gorros usbeques gorros bailundos leques
japoneses arpões açorianos sinos de não sei donde
ou sei esperem sinos da tróica em natais nocturnos
marfins africanos óleos desenhos calendários
feitiços da Baía a mão a fazer figas
tudo do melhor contra raios coriscos mau olhado
retratos dizia Jorge o de Salvador Júlio o da Morgadinha
Berglin o cientista Kostas o dramaturgo
e outros e outros
Afonso Duarte o das ossadas pórtico
destas lamúrias o sorriso sibilino e rugoso
que matou no Nemésio o bicho harmonioso
mais de agora o Umberto Eco barbudo
a filtrar-me com medievismo os gestos tontos
e outros e outros
suecos brasileiros romenos gregos
e ainda aqueles em que a Zita foi escrevendo
a minha sina de andarilho
Tolstoi patrono obcecante um pastor a tocar
pífaro algures nos Balcãs sinais da Bulgária da Polónia
da Finlândia sinais de tantas partes onde
fui um outro de biografia aberrante
sinais da minha terra também
a minha de verdade e não as outras
a que chamam minhas por distraído palpite
o Lima de Freitas num candeeiro alumiando
a mulher verde-azul em casas assombrada
mestre Marques d’Oliveira num esquisso
de alto coturno a carta de Abel Salazar
que o sol foi comendo não se lendo já
o que a censura omitiu
aqui a China também representada
um ícone de Sófia as plácidas cabras
do Calasans o tinteiro de quando
se usavam plumas roubaram-se o missal do Cicogna
um almofariz para esferográficas furta-cores
a caixa de madeira floreada veio da Rússia
deu-ma a Tatiana sob promessa (cumprida)
de a pôr bem em frente das minhas divagações
anémonas nórdicas da Anne
miosótis búlgaros da Rumiana
o poster é alemão Friede den Kindern
nunca pedi a ninguém a decifração
dois horóscopos face a face
cangaceiros nordestinos
o menino ajoelhado do Tó Zé
num gesso já sem braços nem rosto
objectos objectos o pote tem as armas de não lembro
[quem
embora o nome que venha por de cima
seja o meu e eu também no óleo carrancudo
do Zé Lima há um ror de anos
melhor não saber quantos
o molde para o bronze é um perfil onde
desenganadamente me reconheço
tanta bugiganga tanto bazar tanto papel
branco ou impresso uma faca para
apunhalar alguém a cassete de poesias na voz
da Maria Vitorino as esculturas astecas
do Miguel medalhas medalhas outra vez lembranças
agendas sem préstimo canetas gastas mais papéis
letras miúdas ou letras farfalhudas
depende da ocasião
um livro de filigrana
as paredes mal se vêem estantes copiosas já disse
quadros em demasia e ainda
as rendas de minha mãe em molduras destoadas
ela no retrato de cenho descontente
fitando-me até ao miolo dos desvairos
o bordão de régulo justiceiro
obliquando no trono de cactos
amuletos africanos o mata-borrão que foi
de um pide deu-mo o fuzileiro no pós-Abril
uma bela cabeça de mulher do João Fragoso
jarras de sacristia candeias de cobre
sem pavio um samovar de madeira um samurai de
[veludo
os painéis de São Vicente em miniatura
a áurea trombeta do troféu lusíada
de parceria com o Manuel Cargaleiro
áureos pesados troféus o marasmo branco
de Pavia na tela sem idade
livros livros os correios não páram
de mos trazer para maior sufocação
cartas a granel por responder relógio não há mas ouço-o
sem falhar um segundo há cordas cordões medalhas
[medalhões
armas lauréis proibições
perfumes em minaretes levantinos.

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O abismo do amor é a liberdade que nos tira, a certeza de que está uma corda junto ao pescoço que não conseguimos dominar.

Diz a mãe: a vida faz-se como uma corda. É preciso trançá-la até não distinguirmos os fios dos dedos.

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

A Matança

Não penses
que a carne apenas é aquela oca
lívida carcaça
em imóvel galope alucinado,
embarrada numa trave da adega.

Não penses
que o milagre anual da salgadeira
vem sem morte e sem trabalhos. Não:

Contar-te-ei
que primeiro atam o porco em sua loja
com uma corda em torno do focinho
e o arrastam à força para o ar lavado e frio.

Contar-te-ei
que o porco luta e resiste: ora sentado
sobre os quartos traseiros (os futuros presuntos),
ora comicamente no solo as quatro patas
fincando com bravura se defende
da mal-agourada violação. Por fim, cedendo,
colocam-no, ainda contrafeito,
entre roncos, bufos e sacões,
no banco, deitado sobre o lado,
por forma a expor o vulnerável,
comestível coração.

Contar-te-ei
que quando a faca penetra nas entranhas,
qual punhal vingador de antiga fome,
o grito é tal, tão desolado e aflito,
tão humano, tão digno de compaixão,
tão de criatura insultada e indefesa –
que tenho de tapar a mãos ambas os ouvidos
e recuar para os fundos da casa,

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As Mãos do Meu Pai

As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já cor de terra
— como são belas as tuas mãos —
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram
na nobre cólera dos justos…

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai,
essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam
nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, Como os fizeste arder, fulgir,
com o milagre das tuas mãos.

E é, ainda, a vida
que transfigura das tuas mãos nodosas…
essa chama de vida — que transcende a própria vida…
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma…

Os Arlequins – Sátira

Musa, depõe a lira!
Cantos de amor, cantos de glória esquece!
Novo assunto aparece
Que o gênio move e a indignação inspira.
Esta esfera é mais vasta,
E vence a letra nova a letra antiga!
Musa, toma a vergasta,
E os arlequins fustiga!

Como aos olhos de Roma,
— Cadáver do que foi, pávido império
De Caio e de Tibério, —
O filho de Agripina ousado assoma;
E a lira sobraçando,
Ante o povo idiota e amedrontado,
Pedia, ameaçando,
O aplauso acostumado;

E o povo que beijava
Outrora ao deus Calígula o vestido,
De novo submetido
Ao régio saltimbanco o aplauso dava.
E tu, tu não te abrias,
Ó céu de Roma, à cena degradante!
E tu, tu não caías,
Ó raio chamejante!

Tal na história que passa
Neste de luzes século famoso,
O engenho portentoso
Sabe iludir a néscia populaça;
Não busca o mal tecido
Canto de outrora; a moderna insolência
Não encanta o ouvido,
Fascina a consciência!

Vede; o aspecto vistoso,
O olhar seguro,

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Se pisares acidentalmente num pedaço de corda e julgares tratar-se de uma serpente, ficarás tão assustado com teu próprio equívoco, que até poderás adoecer. No entanto, a corda continua sendo corda mesmo que tenhas pensado ser uma serpente. Assim também é a Imagem Verdadeira do homem. Mesmo que a pessoa adoeça por ter uma visão errônea de sua Imagem Verdadeira, esta continua perfeita, isenta de envelhecimento, doença e morte.

Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida,

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Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome. – Sou pois um brinquedo a quem dão corda e que terminada esta não encontrará vida própria, mais profunda.

Tomamos a Vila depois de um Intenso Bombardeamento

A criança loura
Jaz no meio da rua.
Tem as tripas de fora
E por uma corda sua
Um comboio que ignora.

A cara está um feixe
De sangue e de nada.
Luz um pequeno peixe
— Dos que bóiam nas banheiras —
À beira da estrada.

Cai sobre a estrada o escuro.
Longe, ainda uma luz doura
A criação do futuro…

E o da criança loura?

A Melhor Maneira de Viajar é Sentir

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.

Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d’Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.

Cada alma é uma escada para Deus,
Cada alma é um corredor-Universo para Deus,
Cada alma é um rio correndo por margens de Externo
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.

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És Música e a Música Ouves Triste?

És música e a música ouves triste?
Doçura atrai doçura e alegria:
porque amas o que a teu prazer resiste,
ou tens prazer só na melancolia?

se a concórdia dos sons bem afinados,
por casados, ofende o teu ouvido,
são-te branda censura, em ti calcados,
porque de ti deviam ter nascido.

Vê que uma corda a outra casa bem
e ambas se fazem mútuo ordenamento,
como marido e filho e feliz mãe

que, todos num, cantam de encantamento:
É canção sem palavras, vária e em
uníssono: “só não serás ninguém”.

O Coração – II

A solidão é perfeita como um rasgo entre
as nuvens, ao último sonho. A solidão
que se cala em teu fundo e vai envelhecendo
na terra perdida do som descompassado.

Te guardas na intimidade dos armários,
onde a paz é negra e se desagrega a luz.
Nunca foste mais do que uma ficção, matriz
de riso e sombra, um poço verde, teorema

de ilusões, engrenagem de poentes roxos.
E, agora, frouxo, já nada designas ou
desenhas. És, apenas, testemunha efémera

e longínqua, trovão engolido de Deus,
fingidor ferido de doces cantos, mentira
precária nas cordas de uma harpa febril.