Passagens sobre Corpo

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Frases sobre corpo, poemas sobre corpo e outras passagens sobre corpo para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Ode Marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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Ciumes

Pierrot dorme sobre a relva junto ao lago. Os cisnes junto d’elle passam sêde, não n’o acordem ao beber.

Uma andorinha travêssa, linda como todas, avôa brincando rente á relva e beija ao passar o nariz de Pierrot. Elle accorda e a andorinha, fugindo a muito, olha de medo atraz, não venha o Pierrot de zangado persegui-la pelos campos. E a andorinha perdia-se nos montes, mas, porque elle se queda, de nôvo volta em zig-zags travêssos e chilreios de troça. E chilreia de troça, muito alto, por cima d’elle. Pierrot já se adormecia, e a andorinha em descida que faz calafrios pousou-lhe no peito duas ginjas bicadas, e fugiu de nôvo.

De contente, ergueu-se sorrindo e de joelhos, braços erguidos, seus olhos foram tão longe, tão longe como a andorinha fugida nos montes.

De repente viu-se cego – os dedos finissimos da Colombina brincavam com elle. Desceu-lhe os dedos aos labios e trocou com beijos o arôma das palmas perfumadas. Depois dependurou-lhe de cada orelha uma ginja, á laia de brincos com joias de carmim. Rolaram-se na relva e uniram as boccas, e já se esqueciam de que as tinham juntas…

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O português é curto, mas tem o corpo bem feitinho. É feiote, mas tem os olhos profundos e um caracol moreninho. Em público, pode ser gingão e malandreco, mas quando se apanha a sós, é ternurento e maneirinho.

Coração Polar

Não sei de que cor são os navios
quando naufragam no meio dos teus braços
sei que há um corpo nunca encontrado algures
e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial
a tua promessa nos mastros de todos os veleiros
a ilha perfumada das tuas pernas
o teu ventre de conchas e corais
a gruta onde me esperas
com teus lábios de espuma e de salsugem
os teus naufrágios
e a grande equação do vento e da viagem
onde o acaso floresce com seus espelhos
seus indícios de rosa e descoberta.

Não sei de que cor é essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha
há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e não te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possível
há um mar imaginário aberto em cada página
não me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sítio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poentes me dizem quem tu és.

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Ilusão

Vens todas as madrugadas
prender-te nos meus sonhos,
—estátua de Bizâncio
esculpida em neve!
e poisas a tua mâo
mavia e leve
nas minhas pálpebras magoadas…

Vens toda nua, recortada em graça
rebrilhante, iluminada!
Vejo-te cegar
como uma alvorada
de sol!…
E o meu corpo freme,
e a minha alma canta,
como um enamorado rouxinol!

Sobre a nudez moça do teu corpo,
dois cisnes erectos
quedam-se cismando em brancas estesias
e na seda roxa
do meu leito,
em rúbidos clarões,
nascem, maceradas,
as orquídeas vermelhas
das minhas sensações!…

És linda assim; toda nua,
no minuto doce
em que me trazes
a clara oferta do teu corpo
e reclamas firmemente
a minha posse!…

Quero prender-me à mentira loira
do teu grácil recorte…
E os teus beijos perfumados,
nenúfares desfolhados
pela rajada dominante e forte
das minhas crispações,
tombam sobre eu meus nervos
partidos… estilhaçados!

……………………….

Acordo. E os teus braços,
muito ao longe,
desfiam ainda
a cabeleira fulva
do sol
por sobre os oiros adormecidos
da minha alcova…

Visão bendita!

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Em relação ao que foi outrora, nossa terra transformou-se num esqueleto de um corpo descarnado pela doença. As partes gordas e macias desapareceram e tudo que resta é carcaça nua.

GRITO

De ti que inventaste
a paz
a ternura
e a paixão
o beijo
o beijo fundo intenso e louco
e deixaste lá para trás
a côncava do medo
à hora entre cão e lobo
à hora entre lobo e cão.

De ti que em cada ano
cada dia cada mês
não paraste de acender
uma e outra vez
a flor eléctrica
do mais desvairado
coração.

De ti que fugiste à estepe
e obrigaste
à ordem dos caminhos
o pastor
a cabra e o boi
e do fundo do tempo
me chamaste teu irmão.

De ti que ergueste a casa
sobre estacas
e pariste
deuses e linguagens
guerras
e paisagens sem alento.

De ti que domaste
o cavalo e os neutrões
e conquistaste
o lírico tropel
das águas e do vento.

De ti que traçaste
a régua e esquadro
uma abóboda inquieta
semeada de nuvens e tritões
santidades e tormentos.

De ti que levaste
a volupta da ambição
a trepar erecta
contra as leis do firmamento.

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Tu e Eu Meu Amor

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nua a mão que segura
outra mão que lhe é dada
nua a suave ternura
na face apaixonada
nua a estrela mais pura
nos olhos da amada
nua a ânsia insegura
de uma boca beijada.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nu o riso e o prazer
como é nua a sentida
lágrima de não ver
na face dolorida
nu o corpo do ser
na hora prometida
meu amor que ao nascer
nus viemos à vida.

Tu e eu meu amor
meu amor eu e tu
que o amor meu amor
é o nu contra o nu.

Nua nua a verdade
tão forte no criar
adulta humanidade
nu o querer e o lutar
dia a dia pelo que há-de
os homens libertar
amor que a eternidade
é ser livre e amar.

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No mundo de hoje, no nosso tempo, sentimos que o sofrimento, a angústia, os tormentos do corpo e da alma, são maiores do que nunca foram na história da humanidade.

Desencontro

Só quem procura sabe como há dias
de imensa paz deserta; pelas ruas
a luz perpassa dividida em duas:
a luz que pousa nas paredes frias,
outra que oscila desenhando estrias
nos corpos ascendentes como luas
suspensas, vagas, deslizantes, nuas,
alheias, recortadas e sombrias.

E nada coexiste. Nenhum gesto
a um gesto corresponde; olhar nenhum
perfura a placidez, como de incesto,

de procurar em vão; em vão desponta
a solidão sem fim, sem nome algum –
– que mesmo o que se encontra não se encontra.

Poema de Amor

O céu, as linhas de luz na água,
caminhos diferentes para o coração.
A queda de sons diversos na atenta coincidência
dos ouvidos. A relação de uma límpida tarde
com um movimento de ombros junto do teu corpo,
na luminosa sequência da tua voz.
Um andar divino de transparente espectro
sobre o fundo de árvores;
o acentuar da impressão dos teus olhos
na quente atmosfera estagnada.
Mas o súbito levantar do vento dissipou
a primitiva aparência. Um canto lívido
de mortas recordações apenas subsistiu,
o indefinido desgosto dos teus braços,
o remorso de gestos incompletos
que a memória suspende.
Nem me espanto já com a tua proximidade.
Bem vindos, decompostos lábios!
O ranger da cama sobrepõe-se
ao ruído das cigarras.

A Voz que Ouço quando Leio

Quando leio, há uma voz que lê dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas não acredito que seja o meu olhar que lê. O meu olhar fica embaciado. É essa voz que lê. Quando é séria, ouço-a falar-me de assuntos sérios. Às vezes, sussurra-me. Às vezes, grita-me. Essa voz não é a minha voz. Não é a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lábios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, não me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas não é minha. Não é a voz dos meus pensamentos. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas é exterior a mim. É diferente de mim. Ainda assim, não acredito que alguém possa ter uma voz que lê igual à minha, por isso é minha mas não é minha. Mas, claro, não posso ter a certeza absoluta. Não só porque uma voz é indescritível, mas também porque nunca ninguém me tentou descrever a voz que ouve quando lê e porque eu nunca falei com ninguém da voz que ouço quando leio.

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Toda a ordem dos céus e todas as coisas que preenchem a terra – em suma, todos aqueles corpos que compõem a enorme estrutura do mundo – não possuem nenhuma subsistência sem uma mente.

Como o corpo sem o sopro da vida é morto, assim também é morta a fé sem obras

Como o corpo sem o sopro da vida é morto, assim também é morta a fé sem obras.

Sou muito grande, e muito superior é o destino para o qual nasci, para que eu possa permanecer escravo do meu corpo.

Poema para Galileo

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar – que disparate, Galileo!
– e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação –
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

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Actores Puros

Porque será que sentimos um desejo de proteger ao observarmos o ser amado que não se sabe observado? Porque será que nos dói o coração ao vermos um par de sapatos abandonado? Ou o ser amado que dorme? Pode ser que o corpo adormecido do ser amado expresse todo o patético desta ausência, todo o desamparo de quem ignora que está a ser observado…Os actores são pagos
para fingir que não sabem que estão a ser observados, mas é claro que eles esperam a cooperação de quem os observa, e quase sempre a obtêm. E também há os actores que não são pagos (pensei eu): esses é que é preciso observar.

Existência, Corpo e Costumes, Como Eixos do Gosto

Na nossa actual maneira de ser, a nossa alma aprecia três tipos de prazer: aqueles que ela retira do próprio fundo da sua existência; outros que resultam da sua união com o corpo; e por fim, outros que radicam nos costumes e preconceitos que certas instituições, certos usos e certos hábitos lhe levam a apreciar.
São esses diferentes prazeres da nossa alma que constituem os objectos do gosto, como o belo, o bom, o agradável, o cândido, o delicado, o terno, o gracioso, o não sei o quê, o nobre, o grande, o sublime, o majestoso, etc. Por exemplo, quando sentimos prazer ao ver uma coisa que possui uma utilidade para nós, dizemos que ela é boa; quando sentimos prazer ao vê-la, sem dela abstrairmos uma utilidade manifesta, chamamo-la bela.

Balada para um Homem na Multidão

Este homem que entre a multidão
enternece por vezes destacar
é sempre o mesmo aqui ou no japão
a diferença é ele ignorar.

Muitos mortos foram necessários
para formar seus dentes um cabelo
vai movido por pés involuntários
e endoidece ser eu a percebê-lo.

Sentam-no à mesa de um café
num andaime ou sob um pinheiro
tanto faz desde que se esqueça
que é homem à espera que cresça
a árvore que dá dinheiro.

Alimentam-no do ar proibido
de um sonho que não é dele
não tem mais que esse frasco de vidro
para fechar a estrela do norte.
E só o seu corpo abolido
lhe pertence na hora da morte.