Passagens sobre Corpo

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Frases sobre corpo, poemas sobre corpo e outras passagens sobre corpo para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Carrego as Estações Comigo

Carrego as estações comigo
e tenho as mãos cansadas.
No bolso esquerdo um riacho murmura.
Ali, onde pequenas pedras se acumulam,
uma canção exala seu vapor,
depois se perde.

Jardins de Primavera circulam no meu corpo
Um céu de ouro verte seu perfume
e um vento ignorado agita suas asas.
Pasto de segredos, mescla de memória
e desejo, meu corpo caminha com a chuva
(carrego as estações comigo)
à procura do sonho de uma nuvem fria.

Tantas folhas trago nos braços
que um pássaro, solidário, se oferece
para carregar as estações comigo.
Do peito aberto os meus jardins se vão
e o pássaro me ajuda, memória
e desejo, a semear meu corpo.

Ali planto meus braços.
Debaixo daquelas flores meus olhos ficam.
Os pés, roídos pela terra, penduro numa árvore.
O tronco multiplico em cem pedaços:
Lá vai, junto com as pedras,
no bojo do riacho antigo.

E pois que carrego as estações comigo
os lábios deixo além, no descampado.
E peço ao pássaro que pelos cabelos atire
o que sobrou de mim
àquele mar onde me espera a memória
e o desejo do tempo em que não soube
carregar as estações comigo.

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A Saúde da Alma

A célebre forma de medicina moral (a de Aríston de Chios), «a virtude é a saúde da alma», deveria ser pelo menos assim transformada para se tornar utilizável: «A tua virtude é a saúde da tua alma». Porque em nós não existe qualquer saúde, e todas as experiências que se fizeram para dar este nome a qualquer coisa malograram-se miseravelmente. Importa que se conheça o seu objectivo, o seu horizonte, as suas forças, os seus impulsos, os seus erros e sobretudo o ideal e os fantasmas da sua alma para determinar o que significa a saúde, mesmo para o seu corpo. Existem, portanto, inúmeras saúdes do corpo; e quanto mais se permitir ao indivíduo, a quem não podemos comparar-nos, que levante a cabeça, mais se desaprenderá o dogma da «igualdade dos homens», mais necessário será que os nossos médicos percam a noção de uma saúde normal, de uma dieta normal, de um curso normal da doença. Será só então que se poderá talvez reflectir na saúde e na doença da alma e colocar a virtude particular de cada um nesta saúde, que corre muito o risco de ser num o contrário do que sucede com outro. Restará a grande questão de saber se podemos dispensar a doença,

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Fica sabendo que você é um deus, se é deus aquele que possui força, sentimento e memória que prevê e que domina, modera e faz mover este corpo ao qual está ligado.

Requiem para um Defunto Vulgar

Antoninho morreu. Seu corpo resignado
é como um rio incolor, regressando à nascente
num silêncio de espanto e mistério revelado.
Está ali – estando ausente.

Jaz de corpo inteiro e fato preto.
Ele, da cabeça aos pés,
trivial e completo,
estátua de proa e moço de convés.

Jaz como se dormisse (pelo menos
é o que dizem as velhas carpideiras).
Jaz imóvel, sem gestos, sem acenos.
Jaz morto de todas as maneiras.

Jaz morto de cansaço, de pobreza, de fome
(sobretudo, de fome). Jaz morto sem remédio.
É apenas, sobre um papel azul, um nome.
De ser mais qualquer coisa, a morte impede-o.

Jaz alheio a tudo à sua volta,
à grita dos parentes, companheiros,
como um cavalo à rédea solta
ou no mar largo, os rápidos veleiros.

Jaz inútil, feio, pesado,
a colcha de crochet aconchega-o na cama.
Nunca esteve tão quente e animado.
Nunca foi tão menino de mama.

Os filhos olham-no e fazem contas cuidadosas:
padre, enterro, velório, certidão
de óbito… E discutem, com manhas de raposas,

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poema de combate

indecente rimar, uma criança
a esbugalhar os olhos de pavor.
uma cidade a arder. a governança
do mundo a esquivar-se: a sua dança
rima obscenamente com timor.

indecente rimar. lua assassina.
uma rajada e outra. um estertor.
um uivo, um corpo, um morto em cada esquina.
honra do mundo que se contamina
no arame farpado de timor.

indecente rimar sândalo e vândalo.
sacode a noite apenas o tambor
das sombras acossadas. tens o escândalo
que te invadiu a alma, mas comanda-lo?
onde te leva o grito por timor?

indecente rimar pois também rimam
temor, tremor, terror e invasor
por mais hipocrisias que se exprimam
enquanto de hora a hora se dizimam
os restos do que resta de timor.

indecente rimar: mas nas florestas
nunca rimaram tanta raiva e dor
a às vezes são precisas rimas destas,
bumerangue de sangue com arestas
da própria carne viva de timor.

A Escrita é o Desconhecido

A escrita é o desconhecido. Antes de escrever não sabemos nada acerca do que vamos escrever. Com toda a lucidez.
É o desconhecido de nós mesmos, da nossa cabeça, do nosso corpo. Não é sequer uma reflexão, escrever é uma espécie de faculdade que temos ao lado da nossa pessoa, paralelamente a ela, de uma outra pessoa que aparece e que avança, invisível, dotada de pensamento, de cólera, e que, por vezes, pelos seus próprios factos, está em perigo de perder a vida.
Se soubéssemos alguma coisa do que vamos escrever, antes de o fazer, antes de escrever, nunca escreveríamos. Não valeria a pena.
Escrever é tentar saber aquilo que escreveríamos se escrevêssemos – só o sabemos depois – antes, é a interrogação mais perigosa que nos podemos fazer. Mas é também a mais corrente.

Serpente De Cabelos

A tua trança negra e desmanchada
Por sobre o corpo nu, torso inteiriço,
Claro, radiante de esplendor e viço,
Ah! lembra a noite de astros apagada.

Luxúria deslumbrante e aveludada
Através desse mármore maciço
Da carne, o meu olhar nela espreguiço
Felinamente, nessa trance ondeada.

E fico absorto, num torpor de coma,
Na sensação narcótica do aroma,
Dentre a vertigem túrbida dos zeros.

És a origem do Mal, és a nervosa
Serpente tentadora e tenebrosa,
Tenebrosa serpente de cabelos!…

Pobrezinha

Nas nossas duas sinas tão contrárias
Um pelo outro somos ignorados:
Sou filha de regiões imaginárias,
Tu pisas mundos firmes já pisados.

Trago no olhar visões extraordinárias
De coisas que abracei de olhos fechados…
Em mim não trago nada, como os párias…
Só tenho os astros, como os deserdados…

E das riquezas e de ti
Nada me deste e eu nada recebi,
Nem o beijo que passa e que consola.

E o meu corpo, minh’alma e coração
Tudo em risos pousei na tua mão!…
…Ah! como é bom um pobre dar esmolas!…

O Mal da Cidade

O Homem pensa ter na Cidade a base de toda a sua grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trémulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem fibra, sem viço, torto, corcunda – esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na cidade findou a sua liberdade moral: cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimónias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel… A sua tranquilidade (bem tão alto que Deus com ela recompensa os Santos) onde está, meu Jacinto? Sumida para sempre, nessa batalha desesperada pelo pão, ou pela fama, ou pelo poder, ou pelo gozo, ou pela fugidia rodela de ouro!
Alegria como a haverá na Cidade para esses milhões de seres que tumultuam na arquejante ocupação de desejar –

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Sensorial

Obturação, é da amarela que eu ponho.
Pimenta e cravo,
mastigo à boca nua e me regalo.
Amor, tem que falar meu bem,
me dar caixa de música de presente,
conhecer vários tons pra uma palavra só.
Espírito, se for de Deus, eu adoro,
se for de homem, eu testo
com meus seis instrumentos.
Fico gostando ou perdoo.
Procuro sol, porque sou bicho de corpo.
Sombra terei depois, a mais fria.

Estes Homens

estes homens
abrem as portas
do sol nascente

conhecem os íntimos latejos
da cal as soltas águas
os fermentos as uvas
os cílios discretos do pão

amam as urzes e as fontes
o suor dos fenos
a febre moira de um corpo
de mulher

estes homens
partem a pedra
com martelos de solidão
(os olhos abismados
nos goivos
da lonjura)

erguem as paredes
as janelas crepusculares
as asfaimadas antenas das cidades:
céu de cimento; baba remota
do cansaço

estes homens
tamisam cores: viajam nos navios
pescam no cisco das pérolas
do vidro
são garimpeiros
de uma esponja
de coral

moldam nas forjas
as sílabas secretas
do ferro
afeiçoam os seixos e o linho
o bafo marítimo
das palavras

estes homens
dizem casa com dezembro
nas veias
ternura com a sede de uma seara
grávida
assobiam comovidos contra as sombras
trazem na algibeira
o trevo rugoso das cantigas

estes homens:
guardadores de cabras
e de mágoas
de espantos e revoltas
servos emigrantes
contrabandistas
soldados andarilhos do mar
carabineiros da má sorte
trepadores das sete colinas
operários
azeitoneiros
ratinhos
levantam por maio
os cantis do lume: voz de musgo
concha entreaberta
estes homens
(pátria viva;

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A Evolução Opaca do Ser

Muitas vezes os seres são claros e translúcidos por serem primários e à medida que vão evoluindo é que se vão tornando opacos. Pensemos. Talvez seja isto: à medida que mais evoluindo vamos é que vão sendo precisos olhos mais penetrantes para se poder distinguir a qualidade de um ser. Então não será só à luz do sol que se deverá considerar a limpidez ou a translucidez do corpo de um ser mas à luz de outros princípios luminosos. (…) Aqui a razão precisava de ter evoluído paralelamente aos olhos, ora os nossos olhos vão de encontro aos seres como de encontro a um muro.

A Sua Verdadeira Realidade

Entre o que vejo de um campo e o que vejo de outro campo
Passa um momento uma figura de homem.
Os seus passos vão com “ele” na mesma realidade,
Mas eu reparo para ele e para eles, e são duas cousas:
O “homem” vai andando com as suas idéias, falso e estrangeiro,
E os passos vão com o sistema antigo que faz pernas andar.
Olho-o de longe sem opinião nenhuma.
Que perfeito que é nele o que ele é — o seu corpo,
A sua verdadeira realidade que não tem desejos nem esperanças,
Mas músculos e a maneira certa e impessoal de os usar.

O Abraço

O abraço. O abraço que parece estar a acabar. O abraço raro, o abraço verdadeiro. Da mãe que recebe o filho, da mulher que recebe o marido, do amigo que recebe o amigo. O abraço que não se pensa, que não se imagina. O abraço que não é; o abraço que tem de ser. O abraço que serve para viver. O abraço que acontece – e que não se esquece. Um dia hei-de passar todo o dia a ensinar o abraço. A visitar as escolas e a explicar que abraçar não é dois corpos unidos e apertados pelos braços. Abraçar é dois instantes que se fundem por dentro do que une dois corpos. Abraçar é um orgasmo de vida, um clímax de partilha – uma orgia de gente. Abraçar é fechar os olhos e abrir a alma, apertar os músculos e libertar o sonho. Abraçar é fazer de conta que se é herói – e sê-lo mesmo. Porque nada é mais heróico do que um abraço que se deixa ser. Porque nada é mais heróico do que ter a coragem de abraçar, em frente do mundo, em frente da dor, em frente do fim, em frente da derrota. Abraçar é a vitória do homem sobre o homem,

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Porque Há Desejo em Mim

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

Estar no Mundo

Ao corpo colados a silenciosas
colunas de sal pavimentados eis os muros
paralelos eis as rápidas deformações da
linguagem (cálido ascetismo)
de quem arde por dentro — estar no mundo
é teu caminho estar na cólera
lavrada
e sobre si mesma dobrada e a guerra
mastigar a morte seca a subalimentada
explosão do corpo deformações suicídio
quotidiano — tal a poesia
se reflecte na luz a erosão do poema
o apodrece e movimenta— cinza mineral
entre restos de música e pão —