Passagens sobre Cuidado

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Um Rafeiro Fiel de um Pastor Triste

Tó, Mondego, vem cá; pois tu somente
Alivias um pouco o meu cuidado;
Que em parte se consola um desgraçado,
Quando tem quem lhe escute o mal que sente.

Tu firme; tu leal; tu finalmente
Me tens na minha ausência acompanhado:
Raro impulso de amor! Porque ao seu lado
Ninguém quer suportar um descontente.

Ora deixa, que em prémio da piedade,
Com que o teu zelo ao meu tormento assiste,
Farei teu nome emblema da amizade.

E os versos meus que um tempo alegre ouviste
Cantarão, para exemplo da lealdade,
Um Rafeiro fiel de um Pastor triste.

LXIII

Já me enfado de ouvir este alarido,
Com que se engana o mundo em seu cuidado;
Quero ver entre as peles, e o cajado,
Se melhora a fortuna de partido.

Canse embora a lisonja ao que ferido
Da enganosa esperança anda magoado;
Que eu tenho de acolher-me sempre ao lado
Do velho desengano apercebido.

Aquele adore as roupas de alto preço,
Um siga a ostentação, outro a vaidade;
Todos se enganam com igual excesso.

Eu não chamo a isto já felicidade:

Ao campo me recolho, e reconheço,
Que não há maior bem, que a soledade.

Soneto Da Desesperança

De não poder viver sua esperança
Transformou-a em estátua e deu-lhe um nicho
Secreto, onde ao sabor do seu capricho
Fugisse a vê-la como uma criança.

Tão cauteloso fez-se em seus cuidados
De não mostrá-la ao mundo, que a queria
Que por zelo demais, ficaram um dia
Irremediavelmente separados.

Mas eram tais os seus ciúmes dela
Tão grande a dor de não poder vivê-la,
Que em desespero, resolveu-se: – Mato-a!

E foi assim que triste como um bicho
Uma noite subiu até o nicho
E abriu o coração diante da estátua.

O Desejo de Ser Sincero é Superficial

O desejo de ser sincero é superficial. Não é por acaso que muitos dos romances entre os últimos aparecidos são escritos na primeira pessoa, de modo a que o eu repetido e disseminado ao longo das páginas produza uma sensação de algo muito próximo a uma lembrança, a uma confissão, a um diário. Não é também por acaso que neles se evita com muito cuidado o enredo ou de certa forma tudo o que possa parecer invenção; e que se narre os factos com garra jornalística, como coisa que realmente tivesse acontecido. A sinceridade, no seu estrito sentido, não suporta a narração objectiva que é um princípio de artifício nem a invenção que em todas as ocasiões pode parecer falsa.
A sinceridade parece-se muito com o mar em certos dias. Há manhãs de tanta bonança que se andamos de barco e nos inclinamos para contemplar a água debaixo de nós, tem-se a impressão de que estamos suspensos sobre transparentes e tangíveis precipícios. A água, por muito profunda que seja, não se opõe a que se olhe a prumo para baixo e se veja, numa claridade esverdeada, o fundo areoso espargido de seixos e de trigueiras céspedes. Nasce então uma espécie de exaltação,

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Lembre-vos quão sem Mudança

Lembre-vos quão sem mudança,
Senhora, é meu querer,
perdida toda esperança;
e de mim vossa lembrança
nunca se pode perder.
Lembre-vos quão sem por quê
desconhecido me vejo;
e, com tudo, minha fé
sempre com vossa mercê,
com mais crecido desejo.

Lembre-vos que se passaram
muitos tempos, muitos dias,
todos meus bens se acabaram,
com tudo, nunca mudaram;
querer-vos, minhas porfias.
Lembre-vos quanta rezão
tive pera esquecer-vos,
e sempre meu coração,
quanto menos galardão,
tanto mais firme em querer-vos.

Lembre-vos que, sem mudar
o querer desta vontade,
me haveis sempre de lembrar,
té de todo me acabar,
vós e vossa saudade.
Lembre-vos como pagais
o tempo que me deveis,
olhai quão mal me tratais:
Sam o que vos quero mais,
o que menos vós quereis.

Lembre-vos tempo passado,
não porque de lembrar seja,
mas vereis quão magoado
devo de ser c’o cuidado
do que minha alma deseja.
Lembre-vos minha firmeza,
de vós tão desconhecida,
lembre-vos vossa crueza,
junta com minha tristeza,

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Lágrima de preta

Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

Ser Amigo

O coração de um amigo é uma coisa que sempre quer. Ser amigo é estar ao lado de quem não tem razão, contra qualquer inimigo que tenha, e apareça, dizendo com toda a justiça que o amigo não a tem. Não é suspender a razão – é usá-la friamente, aplicá-la, estar sempre consciente dela. E, contudo, não dizê-la, não mostrá-la, ficar sempre acima dela. Ser amigo é ter razão e não querer saber dela. Ser amigo é pensar duas vezes quando a última vez pertence ao que repensa o coração.

O amigo discordava dele. Dizia: Queres tu dizer que para se ser um bom amigo é preciso, às vezes, ser-se muito má pessoa? Sim, respondia ele, era isso que ele queria dizer. Porque ser amigo tem de ser uma coisa que custa. Às vezes é um trabalho, muitas horas, muitas dores; um trabalho que é o contrário do que seria natural, e do que apetece. Ser má pessoa para se ser um bom amigo (ou um bom português, ou um bom professor), é fazer fé que um outro fim faz valer o desconforto, faz valer o arrependimento, acaba por se abater sobre a vergonha. E sofrer bastante para que o outro nada sofra,

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Eu Perdi-me nela mesma

(Cantiga sua à senhora Maria Coresma)

Uns esperam a Coresma
para se nela salvar,
eu perdi-me nela mesma
para nunca me cobrar.

Mas com esta perda tal
eu m’hei por mui bem ganhado,
porque o melhor de meu mal
está todo no cuidado.
Os que cuidam qu’a Coresma
não é para condenar,
se a virem ela mesma,
mal se poderão salvar.

Nas estantes os livros ficam
(até se dispersarem ou desfazerem)
enquanto tudo
passa. O pó acumula-se
e depois de limpo
torna a acumular-se
no cimo das lombadas.
Quando a cidade está suja
(obras, carros, poeiras)
o pó é mais negro e por vezes
espesso. Os livros ficam,
valem mais que tudo,
mas apesar do amor
(amor das coisas mudas
que sussurram)
e do cuidado doméstico
fica sempre, em baixo,
do lado oposto à lombada,
uma pequena marca negra
do pó nas páginas.
A marca faz parte dos livros.
Estão marcados. Nós também.

Anoitecer

Ficou o céu descorado…
E a Noite, que se avizinha,
Vem descendo ao povoado,
Como trôpega velhinha.

Para a guiar com cuidado
Veio-lhe ao encontro a Tardinha,
Não fosse a Noite sozinha
Perder-se em caminho errado.

Vão as duas caminhando…
E como o Sol já não arde,
Para o caminho ir mostrando

A primeira estrela brilha…
Então diz a Noite à Tarde:
– Vai-te deitar minha filha.

O Primeiro Filho

A virgem de ontem é já hoje mãe:
O leito azul e branco do noivado
Ei-lo, em bem pouco tempo, transformado
Num berço onde existe mais alguém.

Na rósea alcova atapetada, além,
Uma velhota, ex-noiva do passado,
Beijando o pequenito com cuidado,
Diz: — Bom tempo em que eu fui assim, também.

No entanto a boa mãe cheia de Graça,
Estende-se no leito, exausta e lassa,
Cercada duma auréola de luz.

E beijando o filhito que adormece,
Olhada assim, de súbito, parece
A Virgem Mãe a acalentar Jesus…

Os Grandes Forjam-se na Adversidade

Todo o ambiente é favorável ao forte; de um modo ou de outro ele o ajuda a cumprir a missão que se impôs e a conseguir ir porventura mais além das barreiras marcadas. A derrota deve mais atribuir-se à invalidez do impulso interior do que aos obstáculos que lhe ponham diante, mais à alma incapaz de se bater com vigor e tenazmente do que às resistências, às invejas e às dificuldades que o mundo possa levantar perante Hércules que luta.
O mal que se vê é aguilhão para o bem que se deseja; e quanto mais duro, quanto mais agressivo, se bate em peito de aço, tanto mais valioso auxiliar num caminho de progresso; o querer se apura, a visão do futuro nos surge mais intensa a cada golpe novo; o contentamente e a mansa quietude são estufa para homens; por aí se habituaram a ser escravos de outros homens, ou da cega Natureza; e eu quero a terra povoada de rijos corações que seguem os calmos pensamentos e a mais nada se curvam.
Mais custa quebrar rochar do que escavar a terra; mais sólido, porém, o edifício que nela se firmou. A grandeza da obra é quase sempre devida à dificuldade que se encontra nos meios a empregar,

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A língua das mulheres é a sua espada e têm o cuidado de a não deixarem enferrujar.

Visto que nossa vida começa e termina com a necessidade de afeto e cuidados, não seria sensato praticarmos a compaixão e o amor ao próximo enquanto podemos?

LIV

Ninfas gentis, eu sou, o que abrasado
Nos incêndios de Amor, pude alguma hora,
Ao som da minha cítara sonora,
Deixar o vosso império acreditado.

Se vós, glórias de amor, de amor cuidado,
Ninfas gentis, a quem o mundo adora,
Não ouvis os suspiros, de quem chora,
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.

Ficai-vos; e sabei, que o pensamento
Vai tão livre de vós, que da saudade
Não receia abrasar-se no tormento.

Sim; que solta dos laços a vontade,
Pelo rio hei de ter do esquecimento
Este, aonde jamais achei piedade.

A Doutrina é o Verdadeiro Mantimento do Engenho

Os estudos dão sazão e gosto à alegria: amansam e consolam a tristeza; refreiam os ímpetos loucos da mocidade; aliviam o peso da velhice; em casa ou fora de casa, em público ou em segredo, na solidão ou na praça, na ociosidade ou no labor, sempre vos acompanham; estão presentes, guiam-vos, ajudam-vos, servem-vos. A doutrina é o verdadeiro mantimento do engenho, aquilo que o nutre e sustém; tanto que é grande despropósito ter o cuidado de manter o corpo quando o ânimo tem fome e carece de mantimento. Este manjar do ânimo dá verdadeiros deleites, traz gozos e regozijos firmes e perpétuos, que, nascidos uns dos outros e renovando-se entre si, jamais nos desertam nem nos fatigam.