Citação de

O Homem que LĂŞ

Eu lia há muito. Desde que esta tarde
com o seu ruĂ­do de chuva chegou Ă s janelas.
Abstraí-me do vento lá fora:
o meu livro era difĂ­cil.
Olhei as suas páginas como rostos
que se ensombram pela profunda reflexĂŁo
e em redor da minha leitura parava o tempo. —
De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e em vez da tĂ­mida confusĂŁo de palavras
estava: tarde, tarde… em todas elas.
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
as longas linhas, e as palavras rolam
dos seus fios, para onde elas querem.
EntĂŁo sei: sobre os jardins
transbordantes, radiantes, abriram-se os céus;
o sol deve ter surgido de novo. —
E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
o que está disperso ordena-se em poucos grupos,
obscuramente, pelos longos caminhos vĂŁo pessoas
e estranhamente longe, como se significasse algo mais,
ouve-se o pouco que ainda acontece.

E quando agora levantar os olhos deste livro,
nada será estranho, tudo grande.
AĂ­ fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas me entreteço mais ainda com ele
quando o meu olhar se adapta Ă s coisas
e à grave simplicidade das multidões, —
entĂŁo a terra cresce acima de si mesma.
E parece que abarca todo o céu:
a primeira estrela Ă© como a Ăşltima casa.

Tradução de Maria João Costa Pereira