Seleccionei para Ti
Seleccionei para ti
esta manhã de setembro
à margem dela
trabalho
para que
em canto e glória
sejas o centro unitário
no corpo dessa elegia
relacionei coisas miúdas
que possam complementar
o equilíbrio das formas
que te transitam eleita
na exaltação de meu sonho
e dentro desse equilíbrio
um núcleo de resistência
feito uma flor
uma fonte
que se iluminam feridas
de uma incidência de luz
o pouso breve de um pássaro
que em vigilância
nos olhos
preserva o voo completo
a música radical
do teu contexto moreno
a fala que não se escuta
na fundação dos abraços
evocação do momento
que defrontou
por acaso
a minha
e a tua vida
erguido o painel de espaço
és madrugada no dia
e retomada no tempo
és unidade centrada
compondo a mesma harmonia
assim usei tua ausência
num pressuposto de esquema
buscando tua presença
sobre alicerces de um poema
Passagens sobre Harmonia
205 resultadosA Simpatia pela Obra de Arte
Qualquer produto intelectual de valor que se pretende surta um efeito imediato, vasto e profundo, tem de conter uma secreta harmonia, uma afinidade mesmo entre o destino pessoal do autor e o destino da generalidade dos seus contemporâneos. As pessoas não sabem por que razão atribuem fama a uma obra de arte. Longe de serem connaisseurs, julgam descobrir nela uma centena de virtudes para justificar tal apreço; mas o verdadeiro motivo do seu aplauso é imponderável – é a simpatia.
Passei Ontem A Noite Junto Dela.
Passei ontem a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós – e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela…Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela!Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando!Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando…
Cheio de amores! E dormir solteiro!
Os Malefícios da Rivalidade na Escola
Poucas serão as escolas em que o mestre não anime entre os alunos o espírito de emulação; aos mais atrasados apontam-se os que avançaram como marcos a atingir e ultrapassar; e aos que ocuparam os primeiros lugares servem os do fim da classe de constantes esporas que os não deixam demorar-se no caminho, cada um se vigia a si e aos outros e a si próprio apenas na medida em que se estabelece um desnível com o companheiro que tem de superar ou de evitar.
A mesquinhez de uma vida em que os outros não aparecem como colaboradores, mas como inimigos, não pode deixar de produzir toda a surda inveja, toda a vaidade, todo o despeito que se marcam em linhas principais na psicologia dos estudantes submetidos a tal regime; nenhum amor ao que se estuda, nenhum sentimento de constante enriquecer, nenhuma visão mais ampla do mundo; esforço de vencer, temor de ser vencido; é já todo o temperamento de «struggle» que se afina na escola e lançará amanhã sobre a terra mais uma turma dos que tudo se desculpam.
Quem não sabe combater ou não tem interesse pela luta ficará para trás, entre os piores; e é certamente esta predominância dada ao espírito de batalha um dos grandes malefícios dos sistemas escolares assentes sobre a rivalidade entre os alunos;
Flores Velhas
Fui ontem visitar o jardinzinho agreste,
Aonde tanta vez a lua nos beijou,
E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste,
Soberba como um sol, serena como um vôo.Em tudo cintilava o límpido poema
Com ósculos rimado às luzes dos planetas:
A abelha inda zumbia em torno da alfazema;
E ondulava o matiz das leves borboletas.Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem,
A imagem que inspirava os castos madrigais;
E as vibrações, o rio, os astros, a paisagem,
Traziam-me à memória idílios imortais.E nosso bom romance escrito num desterro,
Com beijos sem ruído em noites sem luar,
Fizeram-mo reler, mais tristes que um enterro,
Os goivos, a baunilha e as rosas-de-toucar.Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas
Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,
E eu não te beijarei, às horas sonolentas,
Os dedos de marfim, polidos e delgados…Eu, por não ter sabido amar os movimentos
Da estrofe mais ideal das harmonias mudas,
Eu sinto as decepções e os grandes desalentos
E tenho um riso meu como o sorrir de Judas.
Louvor A Unidade
“Escafandros, arpões, sondas e agulhas
“Debalde aplicas aos heterogêneos
“Fenômenos, e, há inúmeros milênios,
“Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas!“Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas,
“Com essa intuição monística dos gênios,
“À hirta forma falaz do are perennius
“A transitoriedade das fagulhas!”– Era a estrangulação, sem retumbância,
Da multimilenária dissonância
Que as harmonias siderais invade…Era, numa alta aclamação, sem gritos,
O regresso dos átomos aflitos
Ao descanso perpétuo da Unidade!
A doença não é um processo para a piora; é um processo para a purificação da alma. Também a desarmonia do lar é um processo para a purificação da alma. Em vez de ficares sofrendo por causa da desarmonia do lar, encare a situação com espírito humilde e esforça-te para solucionar os problemas e restabelecer a harmonia. Nisso consiste o forjamento e a purificação da alma.
A beleza é a harmonia entre o acaso e o bem.
O material da vida não é a estabilidade e a harmonia quieta, mas a luta permanente entre os contrários.
A idéia de harmonia é chocante em um mundo de seres desarmônicos.
A poesia não comporta gralhas como a prosa, que às vezes até fica melhor… É coisa tão delicada que só vive de ritmo e de harmonia. Quase dispensa as ideias. Quem lhe tocar, assassina-a sem piedade.
O Intelecto Como Exagero
A beleza, a verdadeira beleza, acaba onde a a expressão intelectual começa. O intelecto é já uma forma de exagero e destrói a harmonia de qualquer rosto. Assim que nos sentamos a pensar, ficamos só nariz, ou só testa, ou uma coisa horrível do género. Olha para os homens bem sucedidos em qualquer das profissões eruditas. Como são perfeitamente hediondos! A não ser, evidentemente, na Igreja. Mas a verdade é que na Igreja eles não pensam. Um bispo continua a dizer aos oitenta anos o que lhe mandaram dizer quando era um rapaz de dezoito e, por conseguinte, parece sempre perfeitamente encantador.
Liberta em Pedra
Livre, liberta em pedra.
Até onde couber
tudo o que é dor maior,
por dentro da harmonia jacente,
aguda, fria, atroz,
de cada dia.Não importam feições,
curvas de seios e ancas,
pés erectos à luz
e brancas, brancas, brancas,
as mãos.Importa a liberdade
de não ceder à vida,
um segundo sequer.Ser de pedra por fora
e só por dentro ser.
– Falavas? Não ouvi.
– Beijavas? Não senti.
Morreram? Ah! Morri, morri, morri!Livre, liberta em pedra,
voltada para a luz
e para o mar azul
e para o mar revolto…
E fugir pela noite,
sem corpo, nem dinheiro,
para ler os meus santos
e os meus aventureiros,
(para ser dos meus santos,
dos meus aventureiros),
filósofos e nautas,
de tantos nevoeiros.Entre o peso das salas,
da música concreta,
de espantalhos de deuses,
que fará o Poeta?
Os Cinco Sentidos
São belas – bem o sei, essas estrelas,
Mil cores – divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti – a ti!Divina – ai! sim, será a voz que afina
Saudosa – na ramagem densa, umbrosa.
será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti – a ti!Respira – n’aura que entre as flores gira,
Celeste – incenso de perfume agreste,
Sei… não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma
Que vem de ti – de ti!Formosos – são os pomos saborosos,
É um mimo – de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede… sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão… mas é de beijos,
É só de ti – de ti!Macia – deve a relva luzidia
Do leito – ser por certo em que me deito.
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
Última Folha
Musa, desce do alto da montanha
Onde aspiraste o aroma da poesia,
E deixa ao eco dos sagrados ermos
A última harmonia.Dos teus cabelos de ouro, que beijavam
Na amena tarde as virações perdidas,
Deixa cair ao chão as alvas rosas
E as alvas margaridas.Vês? Não é noite, não, este ar sombrio
Que nos esconde o céu. Inda no poente
Não quebra os raios pálidos e frios
O sol resplandecente.Vês? Lá ao fundo o vale árido e seco
Abre-se, como um leito mortuário;
Espera-te o silêncio da planície,
Como um frio sudário.Desce. Virá um dia em que mais bela,
Mais alegre, mais cheia de harmonias,
Voltes a procurar a voz cadente
Dos teus primeiros dias.Então coroarás a ingênua fronte
Das flores da manhã, — e ao monte agreste,
Como a noiva fantástica dos ermos,
Irás, musa celeste!Então, nas horas solenes
Em que o místico himeneu
Une em abraço divino
Verde a terra, azul o céu;Quando, já finda a tormenta
Que a natureza enlutou,
Olhar para as Coisas com alguma Distância
Percorrendo as ruas fui descobrindo coisas espantosas que lá ocorriam desde sempre, disfarçadas sob uma máscara ténue de normalidade: um viúvo que, depois de se reformar, passava as tardes sentado no carro, a porta aberta, a perna esquerda fora, a direita dentro; um sujeito tão magro que se podia tomar por uma figura de cartão, ideia reforçada por andar de bicicleta e, sobretudo, por nela carregar o papelão que recolhia nos contentores do lixo; a mulher que, com uma regularidade cronométrica, vinha à janela, olhava para um lado e para o outro, como se aguardasse há muito a chegada de alguém. Eram três exemplos de situações que – creio ser esta a melhor formulação – aconteciam desde sempre e pela primeira vez. Se olharmos para as coisas com alguma distância, retirando-as do contexto, deixando-nos contaminar pela estranheza, tudo, tudo mesmo, adquire uma aura macabra e repetitiva, singular, reconhecível, que se mistura com a substância dos sonhos, a matéria das mentes perturbadas. Penso sempre, não sei porque, que talvez a resposta esteja naquela revista antiga que não resistiu às traças: nos sobreviventes de Hiroxima, no clarão absoluto que os cegou, no mundo irreal em que foram condenados a viver a partir desse momento,
Não seria a música uma língua perdida, da qual esquecemos o sentido e conservamos apenas a harmonia?
As revoluções morais, como as sociais, se infiltram pouco a pouco nas idéias, germinam durante séculos, explodem de repente e fazem desabar o edifício apodrecido do passado, que não está mais em harmonia com as novas necessidades e aspirações.
Pode o homem mudar o seu passado? Sim. Não os factos em si, mas a importância que lhes é atribuída. Toda a harmonia e equilíbrios internos serão diferentes.
A (Má-)Emoção Controlada Pela Razão
Há a ideia de que quando se concede à razão inteira liberdade ela destrói todas as emoções profundas. Esta opinião parece-me devida a uma concepção inteiramente errada da função da razão na vida humana. Não é objectivo da razão gerar emoções, embora possa ser parte da sua função descobrir os meios de impedir que tais emoções sejam um obstáculo ao bem-estar. Descobrir os meios de dminuir o ódio e a inveja é sem dúvida parte da função da psicologia racional. Mas é um erro supor que diminuindo essas paixões, diminuiremos ao mesmo tempo a intensidade das paixões que a razão não condena.
No amor apaixonado, na afeição dos pais, na amizade, na benevolência, na devoção às ciências ou às artes, nada há que a razão deseje diminuir. O homem racional, quando sente essas emoções, ficará contente por as sentir e nada deve fazer para diminuir a sua intensidade, pois todas elas fazem parte da verdadeira vida, isto é, da vida cujo objectivo é a felicidade, a própria e a dos outros. Nada há de irracional nas paixões como paixões e muitas pessoas irracionais sentem sómente as paixões mais triviais. Ninguém deve recear que ao optar pela razão torne triste a vida.