Adagas Cujas Jóias Velhas Galas
Adagas cujas jóias velhas galas…
Opalesci amar-me entre mãos raras,
E fluido a febres entre um lembrar de aras,
O convés sem ninguém cheio de malas…O íntimo silêncio das opalas
Conduz orientes até jóias caras,
E o meu anseio vai nas rotas claras
De um grande sonho cheio de ócio e salas…Passa o cortejo imperial, e ao longe
O povo só pelo cessar das lanças
Sabe que passa o seu tirano, e estrugeSua ovação, e erguem as crianças
Mas o teclado as tuas mãos pararam
E indefinidamente repousaram…
Passagens sobre Íntimos
283 resultadosSou brasileira naturalizada, quando, por questão de meses, poderia ser brasileira nata. Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor.
Fazer amor, sim e sempre. Dormir com uma mulher, isso é que nunca. Dormir com alguém é a intimidade maior. Não é fazer amor. Dormir, isso é que é íntimo. Um homem dorme nos braços de uma mulher e a sua alma transfere-se de vez. Nunca mais ele encontra as suas interioridades.
É Preciso Regressar ao Amigo Íntimo
Custa, mas o melhor é ver o problema a toda a luz. No conceito do homem abstracto é necessário afinal meter tanto estrume, que não há entusiasmo que resista. Feito de mil incoerências, movido por sentimentos ocasionais, preso a necessidades rudimentares, o bípede real, ao ser premido no molde da abstracção, rebenta a forma. E é preciso regressar ao amigo íntimo, ao compadre, para se calcar terra firme. Numa palavra: não há um homem-símbolo que se possa venerar: há simples indivíduos cujas virtudes e defeitos toleram um convívio social urbano.
O Lucro de Um é Prejuízo de Outro
O ateniense Dêmades condenou um homem da sua cidade que tinha por ofício vender as coisas necessárias para os enterros, sob a alegação de que exigia um lucro excessivo e esse lucro não lhe podia vir sem a morte de muitas pessoas. Tal julgamento parece estar mal pronunciado, na medida em que não se obtém benefício algum a não ser com prejuízo de outrem, e que dessa maneira seria preciso condenar toda a espécie de ganho.
O mercador só faz bem os seus negócios por causa da devassidão dos jovens; o lavrador, pela carestia dos cereais; o arquitecto, pela ruína das casas; os oficiais de justiça, pelos processos e contendas dos homens; mesmo as honras e a actividade dos ministros da religião provêm da nossa morte e dos nossos vícios. Nenhum médico se alegra com a saúde mesmo dos seus amigos, diz o antigo cómico grego, nem o soldado com a paz da sua cidade; e assim sucessivamente. E o que é pior: cada um sonde dentro de si mesmo, e descobrirá que a maioria dos nossos desejos íntimos nascem e alimentam-se às expensas de outrem.
Considerando isso, veio-me à mente que nisso a natureza não contradiz a sua organização geral,
Tornamo-nos Mais Objectivos Depois de Reconhecermos a Nossa Subjectividade
Toda a arte da psicologia ou da ciência da psicologia, se lhe quisermos chamar assim, é baseada numa inversão do processo de objectividade. Não que não possamos tornar-nos objectivos, mas que apenas possamos tornar-nos objectivos depois de termos confrontado as nossas atitudes não objectivas, as nossas atitudes não racionais. Atingir uma objectividade honesta significa termos de saber quais os pontos da nossa natureza que são propensos a determinado preconceito, que parte de nós é defensiva, que parte de nós distorce o que ouvimos. E é necessária uma tremenda auto-honestidade para começar a remover essas distorções e a clarificar a nossa visão. De modo que só podemos atingir a objectividade depois de termos descoberto quais as áreas da nossa psique que não são objectivas.
Além disso, o reconhecimento básico da psicologia é que, lá bem no íntimo, a maior parte da nossa vida é desconhecida da mente consciente e que, quanto mais nos tornamos consciente dela, mais honestos e mais objectivos nos podemos tornar. Nós não vemos os outros com clareza, e o que obscurece a nossa visão são os preconceitos que a pessoa supostamente objectiva se recusa a reconhecer. Uma pessoa objectiva diria que não é responsável pela guerra,
Redenção
I
Vozes do mar, das árvores, do vento!
Quando às vezes, n’um sonho doloroso,
Me embala o vosso canto poderoso,
Eu julgo igual ao meu vosso tormento…Verbo crepuscular e íntimo alento
Das cousas mudas; psalmo misterioso;
Não serás tu, queixume vaporoso,
O suspiro do mundo e o seu lamento?Um espírito habita a imensidade:
Uma ânsia cruel de liberdade
Agita e abala as formas fugitivas.E eu compreendo a vossa língua estranha,
Vozes do mar, da selva, da montanha…
Almas irmãs da minha, almas cativas!II
Não choreis, ventos, árvores e mares,
Coro antigo de vozes rumorosas,
Das vozes primitivas, dolorosas
Como um pranto de larvas tumulares…Da sombra das visões crepusculares
Rompendo, um dia, surgireis radiosas
D’esse sonho e essas ânsias afrontosas,
Que exprimem vossas queixas singulares…Almas no limbo ainda da existência,
Acordareis um dia na Consciência,
E pairando, já puro pensamento,Vereis as Formas, filhas da Ilusão,
Cair desfeitas, como um sonho vão…
E acabará por fim vosso tormento.
São mui pequenos os perigos exteriores; os grandes estão no íntimo.
O Prazer Puro do Amor para uma Rapariga Honesta
O que, subconscientemente, na rapariga honesta torna agradável o namoro, é nitidamente distrinçável. Um acto agradável é agradável não só no acto mas na antecipação dele; e, ausentes certos elementos psicológicos não orientadores desse acto, em geral, na antecipação ainda não imediata, porque na antecipação para daí a pouco a ânsia de chegar a ele, amorna (ou, perturba) um tanto o […] da esperança. — Ora o «flirt», o namoro, não é senão, analisada sem escrúpulo a sua essência íntima, uma antecipação da possibilidade de uma cópula. Repare-se que não é a antecipação de uma cópula, o que, por mais directo, é mais perturbante. O que se chama o prazer puro do amor (no que é namoro ou «flirt») não é senão um prazer muito grande porque isento (e nesse sentido puro) do elemento perturbante do directo desejo, ou imediata esperança, do coito.
Cântico da Noite
Sumiu-se o sol esplêndido
Nas vagas rumorosas!
Em trevas o crepúsculo
Foi desfolhando as rosas!
Pela ampla terra alargar-se
Calada solidão!
Parece o mundo um túmulo
Sob estrelado manto!
Alabastrina lâmpada,
Lá sobe a lua! Entanto
Gemidos d’aves lúgubres
Soando a espaços vão!
Hora dos melancólicos,
Saudosos devaneios!
Hora que aos gostos íntimos
Abres os castos seios!
Infunde em nossos ânimos
Inspiração da fé!
De noite, se um revérbero
De Deus nos alumia,
Destila-se de lágrimas
A prece, a profecia!
A alma elevada em êxtase
Terrena já não é!
Antes que o sono tácito
Olhos nos cerre, e os sonhos
Nos tomem no seu vórtice,
Já rindo, e já medonhos,
Hora dos céus, conserva-me
No extinto e no porvir.
Onde os que amei? sumiram-se.
Onde o que eu fui? deixou-me.
Deles, só vãs memórias;
De mim, só resta um nome:
No abismo do pretérito
Desfez-se choro e rúy
Desfez-se! e quantas lágrimas
Brotaram de alegrias! Desfez-se!
e quantos júbilos
Nasceram de agonias!
Há Dentro de Nós um Poço
Há dentro de nós um poço. No fundo dele é que estamos, porque está o que é mais nós, o que nos individualiza, a fonte do que nos enriquece no em que somos humanos. E a vida exterior, o assalto do que nos rodeia, o que visa é esse íntimo de nós para o ocupar, o preencher, o esvaziar do que nos pertence e nos faz ser homens. Jamais como hoje esse assalto foi tão violento, jamais como hoje fomos invadidos do que não é nós. É lá nesse fundo que se gera a espiritualidade, a gravidade do sermos, o encantamento da arte. E a nossa luta é terrível, para nos defendermos no último recesso da nossa intimidade. Porque tudo nos expulsa de lá Quando essa intimidade for preenchida pelo exterior, quando a materialidade se nos for depositando dentro, o homem definitivamente terá em nós morrido.
Já há exemplos disso. Um dos mais perfeitos chama-se robot. É invencível pensarmos o que será o homem amanhã. E nenhuma outra imagem se nos impõe com mais força. Mas o que desse visionar mais nos enriquece a alma é que o homem então será possivelmente feliz. Porque ser homem não é ter felicidade mas apenas ser humano.
A Impossibilidade de Renunciar
Eu decido correr a uma provável desilusão: e uma manhã recebo na alma mais uma vergastada – prova real dessa desilusão. Era o momento de recuar. Mas eu não recuo. Sei já, positivamente sei, que só há ruínas no termo do beco, e continuo a correr para ele até que os braços se me partem de encontro ao muro espesso do beco sem saída. E você não imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!… Há na minha vida um bem lamnetável episódio que só se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento em que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável. Mas não era, não era. É que eu, se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebê-lo até ao fim. Porque – coisa estranha! – sofro menos esgotando-o até à última gota, do que lançando-o apenas encetado. Eu sou daqueles que vão até ao fim. Esta impossibilidade de renúncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas na vida é uma triste coisa. Os actos da minha existência íntima, um deles quase trágico, são resultantes directos desse triste fardo. E, coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguém as compreende.
Não sou intimidativa no plano das relações mais íntimas. Aceito, evidentemente, que há uns mediocrezinhos para aí que não gostam de ver uma mulher manifestar-se criadoramente.
Vida Incipiente
O facto real da vida é que estamos de novo todos juntos sem se saber como nem porquê, é o imponderável que liga os seres e os deixa andar á deriva como pedaço de cortiça em praia batida pelo norte – o resto, se se quiser analisar, é uma babugem de relações sem eira nem beira ao deslizar da corrente que tanto vem dos outros lados do Atlântico como da disposição em cada um de nós. Os dias foram andando dentro de cada um de nós e na marcha de pormenores domésticos gastámos horas preciosas de nós mesmos. Acerca de comédias fizemos considerações pessoais e quando se tratava de analisar uma tragédia usufruíamos um gozo espiritual de dever cumprido sexualmente.
Passaram-se anos, também não sei quantos. Houve uns que casaram, outros que ficaram para ornamento ímpar de jantares familiares e ainda outros que se ambulanteiam pelas esquinas do vício à procura de óleo para uma máquina donde se desprendeu já a mola real do entendimento.
Afinal também não importa que o ritmo das coisas tenha sido o mesmo, se todas as coisas existem para um ritmo que lhes é íntimo à sua própria expressão de coisas. Houve sábados e domingos sextas e quintas segundas e terças e sempre uma quarta-feira a comandar no equilíbrio do princípio e do fim.
Bea diz que a arte de ler está morrendo muito aos poucos, que é um ritual íntimo, que um livro é um espelho e só podemos encontrar nele o que carregamos dentro de nós, que colocamos nossa mente e alma na leitura, e que esses bens estão cada dia mais escassos.
Amaritudo
Só por ti, astro ainda e sempre oculto,
Sombra do Amor e sonho da Verdade,
Divago eu pelo mundo e em ansiedade
Meu próprio coração em mim sepulto.De templo em templo, em vão, levo o meu culto,
Levo as flores d’uma íntima piedade.
Vejo os votos da minha mocidade
Receberem somente escárnio e insulto.À beira do caminho me assentei…
Escutarei passar o agreste vento,
Exclamando: assim passe quando amei! —Oh minh’alma, que creste na virtude!
O que será velhice e desalento,
Se isto se chama aurora e juventude?
O ser humano descobre o que pensa a respeito de si mesmo quando sua essência mais íntima está sob ataque.
A amizade está longe de autorizar que se digam coisas desagradáveis aos amigos íntimos.
Saber Avaliar as Situações
O que perturba os homens não são as coisas, mas os juízos que os homens formulam sobre as coisas. A morte, por exemplo, nada é de temível – e Sócrates, quando dele a morte se foi aproximando, de maneira nenhuma se apresentou a morte como algo de tremendamente terrível. Mas no juízo que fazemos da morte, considerando-a temível, é que reside o aspecto terrível da morte. Quando somos hostilizados, contrariados, perturbados, atormentados e magoados, não devemos sacar as culpas a outrem, mas a nós próprios, isto é, aos nossos juízos pessoais e mais íntimos. Acusar os outros das suas infelicidades é mera acção de um ignorante; responsabilizar-se a si próprio por todas as contrariedades é coisa de um homem que começa a instruir-se; e não culpabilizar ninguém nem tão pouco a si próprio, então, sim, então é já feito de um homem perfeitamente instruído.
Dorme sobre meu seio, Sem mágoa nem amor… No teu olhar eu leio O íntimo torpor De quem conhece o nada-ser De vida e gozo e dor.