Quando Eu não te Tinha
Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo.
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima …
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza …
Tu mudaste a Natureza …
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Passagens sobre Maneiras
1011 resultadosHá três maneiras de viver numa civilização: com as convicções partidárias, com o julgamento dinâmico do homem livre, ou com os impulsos do coração. Todas elas podem ser honrosas ou infames; depende da inspiração que sofrem umas das outras. Pois nada é completamente necessário senão na medida em que depende duma outra realidade.
Parece que o amor-próprio é enganado pela bondade e se esquece de si mesmo quando trabalhamos pelos outros. E, no entanto, é tomar o caminho mais seguro para atingir os seus fins; é emprestar a juros, a pretexto de dar; é, finalmente, conquistar todos de maneira subtil e delicada.
O trabalho, afinal, ainda é a melhor maneira de tapear a vida. E ainda rende uns trocos
Em política, um absurdo não é um obstáculo. A melhor maneira de manter sua palavra e nunca dá-la
As palavras organizadas de maneira diversa produzem um sentido diverso, e os sentidos organizados de maneira diversa produzem efeitos diferentes.
Tudo o que se realiza em função de outra coisa é feito apenas de maneira parcial, e a verdadeira excelência só pode ser alcançada, em obras de todos os géneros, quando elas foram produzidas em função de si mesmas e não como meios para fins ulteriores.
A Libertação do Pensamento
Conforme o leitor vai crescendo, forma uma imagem mental sobre quem é, com base no condicionamento pessoal e cultural a que está sujeito. Podemos chamar de ego a este eu ilusório. Ele consiste em atividade mental e só pode ser mantido através do pensamento constante. O termo ego significa coisas diferentes para pessoas diferentes, mas quando eu o utilizo neste livro tem o significado de um falso eu, criado pela identificação inconsciente com a mente.
Para o ego, o momento presente praticamente não existe. Só o passado e o futuro são tidos como importantes. Esta contraposição total da verdade explica o facto de no modo ego a mente ser tão disfuncional. Preocupa-se sempre em manter o passado vivo, porque sem ele… quem é você? Ele projeta-se constantemente no futuro para garantir a sua sobrevivência contínua e para procurar lá algum tipo de libertação ou realização. Diz: «Um dia, quando isto, aquilo ou tal acontecer, vou ficar bem, feliz, em paz.»
Até quando o ego parece estar virado para o presente, não é o presente que ele vê: o ego interpreta o presente de forma totalmente errada porque o observa com os olhos do passado. Ou reduz o presente a um meio para atingir um fim,
Só Há Duas maneiras de se Ter Razão
Quando o público soube que os estudantes de Lisboa, nos intervalos de dizer obscenidades às senhoras que passam, estavam empenhados em moralizar toda a gente, teve uma exclamação de impaciência. Sim — exactamente a exclamação que acaba de escapar ao leitor…
Ser novo é não ser velho. Ser velho é ter opiniões. Ser novo é não querer saber de opiniões para nada. Ser novo é deixar os outros ir em paz para o Diabo com as opiniões que têm, boas ou más — boas ou más, que a gente nunca sabe com quais é que vai para o Diabo.
Os moços da vida das escolas intrometem-se com os escritores que não passam pela mesma razão porque se intrometem com as senhoras que passam. Se não sabem a razão antes de lha dizer, também a não saberiam depois. Se a pudessem saber, não se intrometeriam nem com as senhoras nem com os escritores.
Bolas para a gente ter que aturar isto! Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. Estudem ciências, se estudam ciências; estudem artes, se estudam artes; estudem letras, se estudam letras. Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra.
Aprendi que certas pessoas vão embora da nossa vida de qualquer maneira, mesmo que desejemos retê-las para sempre.
O rótulo de outras pessoas pode tentar chamar de falha, eu aprendi que é apenas a maneira de Deus apontando-lhe uma nova direção.
Viajar é interpretar. Duas pessoas vão ao mesmo país e, quando regressam, contam histórias diferentes, descrevem os naturais desse país de maneiras diferentes. Uma diz que são simpáticos, a outra diz que são antipáticos. Uma diz que são tímidos, a outra diz que não se calam durante um minuto.
A Sabedoria do Sofrimento
O sofrimento não tem menos sabedoria do que o prazer: tal como este, faz parte em elevado grau das forças que conservam a espécie. Porque se fosse de outra maneira há muito que esta teria desaparecido; o facto de ela fazer mal não é um argumento contra ela, é muito simplesmente a sua essência. Ouço nela a ordem do capitão: «Amainem as velas». O intrépido navegador homem deve treinar-se a dispor as suas de mil maneiras; de outro modo, não tardaria a desaparecer, o oceano havia de o engolir depressa. É preciso que saibamos viver também reduzindo a nossa energia; logo que o sofrimento dá o seu sinal, é chegado o momento; prepara-se um grande perigo, uma tempestade, e faremos bem em oferecer a menor «superfície» possível.
Há homens, contudo, que, quando se aproxima o grande sofrimento, ouvem a ordem contrária e nunca têm ar mais altivo, mais belicoso, mais feliz do que quando a borrasca chega, que digo eu! E a própria tempestade que lhes dá os seus mais altos momentos! São os homens heróicos, os grandes «pescadores da dor», esses raros, esses excepcionais de que é necessário fazer a mesma apologia que se faz para a própria dor!
Há apenas duas maneiras de se ver a vida: Uma é pensar que não existem milagres e a outra é acreditar que tudo é um milagre.
Viver pela Evidência
Creio que já falei disto. Mas de que é que diabo se não falou já? Se não falámos nós, falaram os outros, que também são gente. E no entanto, de cada vez se fala pela primeira vez, porque o que importa não é o que se sabe mas o que se vê. E ver é ver sempre de outra maneira para aquele que vê. Quantas vezes se falou da morte e da vida e do amor e de mil outras coisas sisudas? Mas volta-se sempre à mesma, porque o saber pela evidência é saber pela primeira vez; e uma dor que nos dói ou uma alegria que nos alegra não doeu nem alegrou senão a nós. De modo que de novo me intriga a extraordinária desproporção entre o complexo de uma vida e a coisa chilra que dela resulta.
Mesmo os grandes homens, que são maiores do que nós, que é que nos deixaram em testamento? Um livro, uma ideia, uma fórmula. E os que nada nos deixaram? Mas uma vida é fantástica pelo que nela aconteceu. Há assim um desperdício extraordinário, uma pura perda do que se amealhou. Relações, sentimentos, projectos, acções correntes que foram desencadear mil efeitos maus ou úteis.
Vive Plenamente
Vê se consegues apanhar-te a lamentar-te, quer por palavras quer por pensamentos, por causa de determinada situação em que te encontres, do que as outras pessoas fazem ou dizem, do teu meio envolvente, da situação da tua vida, ou até mesmo por causa do tempo. Uma lamentação é sempre uma não aceitação daquilo que é. E traz invariavelmente consigo uma carga negativa inconsciente. Quando te lamentas, tu próprio te fazes de vítima. Quando elevas a voz, estás no teu poder. Por isso muda a situação tomando providências, levantando a voz se for necessário ou possível; deixa a situação ou aceita-a. Tudo o mais é loucura.
De certa forma, a inconsciência ordinária está sempre ligada à recusa do Agora. O Agora, evidentemente, também significa o aqui. Estás a resistir ao teu aqui e agora? Há pessoas que só estão bem onde não estão. O seu “aqui” nunca é suficientemente bom. Através da auto-observação, vê se é esse o teu caso. Estejas onde estiveres, está lá plenamente. Se achares que o teu aqui e agora é intolerável e te deixa infeliz, tens três opções à escolha: ou te retiras da situação, ou a mudas, ou a aceitas totalmente. Se quiseres tomar a responsabilidade pela tua vida,
Natureza de Escravo
Desde quando é que se tornou digno de louvor o facto de alguém possuir uma natureza de escravo? Depois de todos os símbolos do poder terem desaparecido, já não tinhas qualquer razão para obedecer, mas continuaste a fazê-lo. Que força misteriosa te impelia a obedecer às ordens de pessoas tão desgraçadas como tu, tão nuas e miseráveis como tu? Eras demasiado cobarde para tentares fazer como os outros, para experimentares dizer uma vez que fosse ao capitão: vai buscar lenha, preciso de me aquecer à fogueira. Não, tinhas descoberto uma outra solução; enquanto estavas ainda saciado, calculavas friamente que chegaria a hora em que a tua fome seria maior do que a dos outros todos. E então pensavas: em breve ficarei faminto, tornar-me-ei selvagem e sem escrúpulos, revoltar-me-ei, não abertamente, mas de modo dissimulado, contra estes terroristas. Com a cabeça fria, fazias projectos sobre a maneira como utilizarias a tua embriaguez, e é isso que é desprezível.
Um Segredo de um Casamento Feliz
Desde que a Maria João e eu fizemos dez anos de casados que estou para escrever sobre o casamento. Depois caí na asneira de ler uns livros profissionais sobre o casamento e percebi que eu não percebo nada sobre o casamento.
Confesso que a minha ambição era a mais louca de todas: revelar os segredos de um casamento feliz. Tendo descoberto que são desaconselháveis os conselhos que ia dar, sou forçado a avisar que, quase de certeza, só funcionam no nosso casamento.
Mas vou dá-los à mesma, porque nunca se sabe e porque todos nós somos muito mais parecidos do que gostamos de pensar.
O casamento feliz não é nem um contrato nem uma relação. Relações temos nós com toda a gente. É uma criação. É criado por duas pessoas que se amam.
O nosso casamento é um filho. É um filho inteiramente dependente de nós. Se nós nos separarmos, ele morre. Mas não deixa de ser uma terceira entidade.
Quando esse filho é amado por ambos os casados – que cuidam dele como se cuida de um filho que vai crescendo -, o casamento é feliz. Não basta que os casados se amem um ao outro.
O Lucro de Um é Prejuízo de Outro
O ateniense Dêmades condenou um homem da sua cidade que tinha por ofício vender as coisas necessárias para os enterros, sob a alegação de que exigia um lucro excessivo e esse lucro não lhe podia vir sem a morte de muitas pessoas. Tal julgamento parece estar mal pronunciado, na medida em que não se obtém benefício algum a não ser com prejuízo de outrem, e que dessa maneira seria preciso condenar toda a espécie de ganho.
O mercador só faz bem os seus negócios por causa da devassidão dos jovens; o lavrador, pela carestia dos cereais; o arquitecto, pela ruína das casas; os oficiais de justiça, pelos processos e contendas dos homens; mesmo as honras e a actividade dos ministros da religião provêm da nossa morte e dos nossos vícios. Nenhum médico se alegra com a saúde mesmo dos seus amigos, diz o antigo cómico grego, nem o soldado com a paz da sua cidade; e assim sucessivamente. E o que é pior: cada um sonde dentro de si mesmo, e descobrirá que a maioria dos nossos desejos íntimos nascem e alimentam-se às expensas de outrem.
Considerando isso, veio-me à mente que nisso a natureza não contradiz a sua organização geral,
Acho que fiz tudo do jeito melhor, meio torto, talvez, mas tenho tentado da maneira mais bonita que sei