Passagens sobre Papéis

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Frases sobre papéis, poemas sobre papéis e outras passagens sobre papéis para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Um Poema Que Se Perdeu

Hoje o dia é um dia chuvoso e triste
amortalhado
Naquela monotonia doente dos grandes dias.

Hoje o dia…
(a pena caiu-me das mãos)

Acabou-se o poema no papel.
Cá por dentro
Continua…

Oh! este marulhar das almas no silêncio!

Soneto XXXII

Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.

Fazia, de papel, toda uma armada;
e, estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino,
ao longo das sarjetas, na enxurrada…

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são feitos de papel, são como aqueles,

perfeitamente, exatamente iguais…
– Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!

Em Toda a Biblioteca há Espíritos

Penso que em toda a biblioteca há espíritos. Esses são os espíritos dos mortos que só despertam quando o leitor os busca. Assim, o acto estético não corresponde a um livro. Um livro é um cubo de papel, uma coisa entre coisas. O acto estético ocorre muito poucas vezes, e cada vez em situações inteiramente diferentes e sempre de modo preciso. (…) Detenhamo-nos nesta ideia: onde está a fé do leitor? Porque, para ler um livro, devemos acreditar nele? Se não acreditamos no livro, não acreditamos no prazer da leitura. (…) Acompanhamos a ficção como acontece, de alguma maneira, no sonho.

Preso Político

1

Quiseram pôr-me inteiro numa ficha.
O dia e a noite são iguais por dentro.
Não há papel que conte a minha vida
mais que estes versos de punhal à cinta.
A barba cresce, e cresce a voz armada
descendo pelos muros tão tranquila;
tão tranquila que já nem desespera
de ser apenas voz, não uma guerra.

Quiseram pôr-me inteiro numa ficha.
Não há papel que conte a minha vida.
Mais que estes versos, esta mão estendida
por sobre os muros só de medo e pedra.

2

Quando saíres, amigo, não me esqueças.
Fico à espera da tua novidade.
Olha bem que farás da liberdade:
quando saíres, amigo, não me esqueças.

Quero mais fazimento que promessas.
São de prata os enganos da cidade
com que outros sujeitam a vontade.
Não me esqueças, amigo, não me esqueças.

1966

O Perigo da Leitura Excessiva

Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: repetimos apenas o seu processo mental. Ocorre algo semelhante quando o estudante que está a aprender a escrever refaz com a pena as linhas traçadas a lápis pelo professor. Sendo assim, na leitura, o trabalho de pensar é-nos subtraído em grande parte. Isso explica o sensível alívio que experimentamos quando deixamos de nos ocupar com os nossos pensamentos para passar à leitura. Porém, enquanto lemos, a nossa cabeça, na realidade, não passa de uma arena dos pensamentos alheios. E quando estes se vão, o que resta? Essa é a razão pela qual quem lê muito e durante quase o dia inteiro, mas repousa nos intervalos, passando o tempo sem pensar, pouco a pouco perde a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que sempre cavalga e acaba por desaprender a caminhar. Tal é a situação de muitos eruditos: à força de ler, estupidificaram-se. Pois ler constantemente, retomando a leitura a cada instante livre, paralisa o espírito mais do que o trabalho manual contínuo, visto que, na execução deste último, é possível entregar-se aos seus próprios pensamentos.
No entanto, como uma mola que, pela pressão constante acarretada por meio de um corpo estranho,

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Tremo Sempre Diante do Amor

Nadia, deves ter visto a falta de jeito com que no último momento te pedi o número do telefone e este endereço de correio eletrónico para onde te escrevo, e deves ter-te apercebido também da peregrina desculpa: os dois sabemos que podes conseguir de mil outras maneiras diferentes 05 livros que fiquei de te emprestar. Há-os em muitos lados. Toda a gente os tem. Pode até acontecer que já façam parte da tua biblioteca há anos e que neste momento estejas a olhar as suas lombadas da cadeira onde estás sentada enquanto me lês; e também pode acontecer, na realidade não me admiraria nada, que seja eu quem não os tem nem os teve nunca. Durante o jantar não conseguia tirar os olhos de ti, mas isso já tu sabes. Perante isso, apenas posso esperar que o resto dos comensais, especialmente os teus amigos, não se tenham apercebido de até que ponto me eram indiferentes as restantes pessoas e conversas. Como viste, tenho já um longo caminho percorrido. Sou um homem com passado, como se costuma dizer, embora isso não faça com que seja mais fácil para mim escrever uma carta como esta. Porque isto é uma carta, não é verdade?

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A Falta de Cultura Ética da Nossa Civilização

Creio que o exagero da atitude puramente intelectual, orientando, muitas vezes, a nossa educação, em ordem exclusiva ao real e à prática, contribuiu para pôr em perigo os valores éticos. Não penso propriamente nos perigos que o progresso técnico trouxe directamente aos homens, mas antes no excesso e confusão de considerações humanas recíprocas, assentes num pensamento essencialmente orientado pelos interesses práticos que vem embotando as relações humanas.
O aperfeiçoamento moral e estético é um objectivo a que a arte, mais do que a ciência, deve dedicar os seus esforços. É certo que a compreensão do próximo é de grande importância. Essa compreensão, porém, só pode ser fecunda quando acompanhada do sentimento de que é preciso saber compartilhar a alegria e a dor. Cultivar estes importantes motores de acção é o que compete à religião, depois de libertada da superstição. Nesse sentido, a religião toma um papel importante na educação, papel este que só em casos raros e pouco sistematicamente se tem tomado em consideração.
O terrível problema magno da situação política mundial é devido em grande parte àquela falta da nossa civilização. Sem «cultura ética» , não há salvação para os homens.

Nada Pode Haver de mais Belo

Amigo Bernardo, dos desertos do Roncão d’el-Rei, na mais bela poética noite de luar que ver se possa, te escreve este teu amigo. Nada pode haver de mais belo; os rouxinóis cantam à desgarrada, o ar rescende dos milhares de loendros (laurier-rose) que cobrem as encostas alcantiladas do Guadiana. Que maravilha, que encanto, que tristeza (tu, com certeza, aqui choravas)! Neste momento, houve-se o sinistro roncar da coruja e o longínquo uivar dos lobos, misturado com o forte ladrar dos rafeiros e os nossos cavalos relincham inquietos nas quadras… É à luz dum prosaico castiçal (uma garrafa com uma vela) que te escrevo estas sentidas regras, que espraio sobre este branco papel as ondas da minha melancolia. E como não estar melancólico se acabamos de fazer dezasseis léguas a cavalo em oito horas e não descansámos e não dormimos a noite passada senão uma mísera hora e vemos apenas diante de nós umas velhas esteiras, as nossas mantas, e os aparelhos dos nossos cavalos como travesseiros, para passarmos umas noites.

Os Anos Quarenta

Amo-te mais quando olho quando
para a torneira do gás quando estou nu à noite quando
e começo a mexer em pânico os ossos da mão direita
há domingos há a infância em que se parou numas escadas altas
ouvia-se a guerra ia-se para a cama por causa do ciclone
e quando o vento vem e decepa e quando
as árvores da rua é a mãe que recorta
uns papéis
brancos para colar nos vidros
ou quando (da capo) esse homem
nu à noite quando olha

e vejo vê-se
o indicador direito
manchado de nicotina

depois uma vez desfila
a vitória! surpreendo-os na sala
que me dão dinheiro e corro a comprar barros
na feira e quando quando coisas assim
partia logo e isso era a tristeza

volto a pensar: que queria eu na infância
o sol? outro nome sobre o meu tão frágil?

amo-te mais à noite portanto
quando dobro as calças e começo
quando esse gesto útil quando
bate numas pernas e vê-se
de trinta e cinco anos

A Vida Raramente depende da Inciativa dos Homens

Poucas pessoas saberão, a meio da vida, como chegaram a ser o que são, aos seus prazeres, à sua visão do mundo, à sua mulher, ao seu carácter, à sua profissão e aos seus êxitos; mas sentem que a partir daí as coisas já não irão mudar muito. Poderia mesmo afirmar-se que foram enganadas, porque não se consegue descobrir em lugar nenhum a razão suficiente para que tudo tenha acontecido como aconteceu, quando teria sido perfeitamente possível ter acontecido de outra forma. O que acontece, aliás, raramente depende da iniciativa dos homens, mas quase sempre das mais variadas circunstâncias, dos caprichos, da vida e da morte de outras pessoas, e, de certo modo, limita-se a vir ter connosco naquele preciso momento. Na juventude, a vida está ainda à nossa frente como uma manhã inesgotável, plena de possibilidades e de vazio; mas logo ao meio-dia algo se anuncia que reclama ser a nossa própria vida, mas que é tão surpreendente como uma pessoa com quem nos correspondemos durante vinte anos sem a conhecer, e que um belo dia, de repente, temos diante de nós e constatamos que é completamente diferente do que havíamos imaginado.
Mas o mais estranho é que a maior parte das pessoas nem dêem por isso;

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A poesia é a arte que tecnicamente está ao alcance de todos: um pedaço de papel e um lápis e estamos prontos.

Enquanto escrevo queimo os sentimentos no papel e ao subir da fumaça se percebe, às vezes sim, às vezes não, o descer duma lágrima.

O Assombro da Incoerência do Nosso Ser

Sou um mero espectador da vida, que não tenta explicá-la. Não afirmo nem nego. Há muito que fujo de julgar os homens, e, a cada hora que passa, a vida me parece ou muito complicada e misteriosa ou muito simples e profunda. Não aprendo até morrer – desaprendo até morrer. Não sei nada, não sei nada, e saio deste mundo com a convicção de que não é a razão nem a verdade que nos guiam: só a paixão e a quimera nos levam a resoluções definitivas.
O papel dos doidos é de primeira importância neste triste planeta, embora depois os outros tentem corrigi-lo e canalizá-lo… Também entendo que é tão difícil asseverar a exactidão dum facto como julgar um homem com justiça.
Todos os dias mudamos de opinião. Todos os dias somos empurrados para léguas de distância por uma coisa frenética, que nos leva não sei para onde. Sucede sempre que, passados meses sobre o que escrevo – eu próprio duvido e hesito. Sinto que não me pertenço…
É por isso que não condeno nem explico nada, e fujo até de descer dentro de mim próprio, para não reconhecer com espanto que sou absurdo – para não ter de discriminar até que ponto creio ou não creio,

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O papel da mulher – que, em definitivo, é a mãe do homem – é importante no mundo, muito mais do que o homem.

Ocorreu-lhe que a vida toda de um homem era desempenhar um papel, e que achava perigoso abandonar, por um momento que fosse, sua falsa personalidade.

Deves cuidar bem dos objetos alheios como se fossem teus; do contrário, teu coração não estará em sintonia com a vontade de Deus. Em todas as coisas se aloja a Vida de Deus; por isso, aquele que não tem zelo por uma folha de papel ou uma xícara que seja, é uma pessoa que não ama a Deus. Vendo-se os pratos trincados na cozinha, pode-se perceber a escassez de amor da pessoa que deles cuida.

Para Ser Lido Mais Tarde

Um dia
quando já não vieres dizer-me Vem
jantar

quando já não tiveres dificuldade
em chegar ao puxador
da porta quando

já não vieres dizer-me Pai
vem ver os meus deveres

quando esta luz que trazes nos cabelos
já não escorrer nos papéis em que trabalho

para ti será o começo de tudo

Uma outra vida haverá talvez para os teus sonhos
um outro mundo acolherá talvez enfim a tua oferenda

Hás-de ter alguma impaciência enquanto falo
Ouvirás com encanto alguém que não conheço
nem talvez ainda exista neste instante

Mas para mim será já tão frio e já tão tarde

E nem mesmo uma lembrança amarga
ou doce ficará
desta hora redonda
em que ninguém repara