O Mal dos Povos
O mal dos povos, o mal de nós todos, é só aparecermos à luz do dia no carnaval, seja o propriamente dito, seja a revolução. Talvez a solução se encontrasse numa boa e irremovível palavra-de-ordem: povo que desceu à rua, da rua não sai mais. Porque a luta foi sempre entre duas paciências: a do povo e a do poder. A paciência do povo é infinita, e negativa por não ser mais do que isso, ao passo que a paciência do poder, sendo igualmente infinita, apresenta a «positividade» de saber esperar e preparar os regressos quando o poder, acidentalmente, foi derrotado. Veja-se, para não ir mais longe, o caso recente de Portugal.
Passagens sobre Poder
1166 resultadosAs Nossas Dependências
Coisas há que dependem de nós – e outras há que de nós não dependem. O que depende de nós são os nossos juízos, as nossas tendências, os nossos desejos, as nossas aversões: numa palavra, todos os actos e obras do nosso foro íntimo. O que de nós não depende é o nosso corpo, a riqueza, a celebridade, o poder; enfim, todas as obras e actos que de maneira nenhuma nos constituem.
As coisas que dependem de nós são por natureza livres, sem impedimento, isentas de obstáculos; e as que de nós não dependem são inconsistentes, servis, susceptíveis de impedimento, estranhas.
Tem em mente, portanto, o seguinte: se avalias livre o que por natureza é servil, e julgas decente para ti o que te é estranho, sentir-te-ás embaraçado, aflito, inquieto – e em breve culparás os Deuses e os homens. Mas se crês teu o que unicamente é teu, e por estranho o que efectivamente estranho te é, então niguém te poderá constranger, nem tão pouco causar embaraços; não atacarás ninguém, a ninguém acusarás, nada farás contra a tua vontade; prejudicar-te, ninguém te prejudicará; e não terás um só inimigo – e prova disso é sobre ti a ausência de qualquer dano.
Eles pensavam poder abafar e vencer a verdade, que é sempre vitoriosa, ignorando que a própria essência da verdade é que quanto mais quisermos comprimi-la mais ela cresce e se eleva.
O Ideal Português como Ideal para o Mundo
Três pontos, segundo Camões, sobre os quais temos que meditar, e ver como é. Ponto número 1: é preciso que os corpos se apaziguem para que a cabeça possa estar livre para entender o mundo à volta. Enquanto nós estamos perturbados com existir um corpo que temos que alimentar, temos que fartar, que temos de tratar o melhor possível, cometendo para isso muitas coisas extremamente difíceis, nessa altura, quando a nossa cabeça estiver inteiramente livre e límpida, nós podemos ouvir aquilo que Camões chama «a voz da deusa». E que faz a voz da deusa? Arranca àqueles marinheiros as limitações do tempo e as limitações do espaço. Arranca-os às limitações do tempo o que faz que eles saibam qual vai ser o futuro de Portugal. E arranca-os às limitações do espaço porque eles vêem todo o mundo ao longe, o universo que está ao longe, a deusa lho mostra, embora com o sistema errado, digamos assim, ou imperfeito, de Ptolomeu, e eles estão portanto inteiramente fora do espaço. Aquilo que foi o ideal dos gregos, e que os gregos nunca conseguiram realizar. Então o que é que aconteceu? Aconteceu que um dia houve outro português que tinha ido para o Brasil,
A Génese de um Poema
A maior parte dos escritores, sobretudo os poetas, preferem deixar supor que compõem numa espécie de esplêndido frenesim, de extática intuição; literalmente, gelar-se-iam de terror à ideia de permitir ao público que desse uma espreitadela por detrás da cena para ver os laboriosos e incertos partos do pensamento, os verdadeiros planos compreendidos só no último minuto, os inúmeros balbucios de ideias que não alcançaram a maturidade da plena luz, as imaginações plenamente amadurecidas e, no entanto, rejeitadas pelo desespero de as levar a cabo, as opções e as rejeições longamente ponderadas, as tão difíceis emendas e acrescentas, numa palavra, as rodas e as empenas, as máquinas para mudança de cenário, as escadas e os alçapões, o vermelhão e os postiços que em 99% dos casos constituem os acessórios do histrião literário.
(…) No que a mim diz respeito, não compartilho da repugnância de que falei e nunca senti a mínima dificuldade em rememorar a marcha progressiva de todas as minhas obras. Escolho O Corvo por ser a mais conhecida. Proponho-me demonstrar claramente que nenhum pormenor da sua composição se pode explicar pelo acaso ou pela intuição, que a obra se desenvolveu, a par e passo, até à sua conclusão com a precisão e o rigor lógico de um problema matemático.
Se Portugal se perdeu, a culpa é nossa, mais do que quem manda em nós. Nos casos mais flagrantes de destruição, o poder político não tomou a iniciativa – fechou os olhos e, por subserviência ou suborno, tornou-se impotente, foi conivente -, deixou.
Cada Vez Nos Casamos Mais
Ao fim de 14 anos, cada vez que eu olho para a minha mulher, cada dia que acordo ao lado dela, o que mais me comove e impressiona é precisamente a novidade de vê-la, poder amá-la, ter a sorte de ser amado por ela.
Cada coisa que fazemos é ao mesmo tempo antiquíssima – como uma cerimónia que construímos juntos só para nós os dois – e novíssima, pelo desejo e pelo entusiasmo de lá estar, naquele lugar que ela abriu para mim e ela no lugar que só é dela, que sou eu.O casamento é só uma palavra: é verdade. Mas também pode ser a vontade de casarmos e ficarmos casados, todos os dias, com a mesma pessoa que amamos.
Cada vez nos casamos mais. As diferenças dela vão cabendo cada vez melhor nas minhas. Cada vez somos, a Maria João e eu, mais livres de sermos como somos, cada um de nós, e de sermos como somos, nós os dois.
Ela torna-se mais ela; eu torno-me mais eu, ela e eu com menos medo que o outro fuja por causa disso. Mas com medo à mesma. E ganância de viver e curiosidade em saber como é que o décimo quinto ano vai ser melhor do que este.
A Fonte da Felicidade Reside Dentro de Nós
O hábito de me recolher a mim mesmo acabou por me tornar imune aos males que me acossam, e quase me fez perder a memória deles. Desse modo, aprendi com base na minha própria experiência que a fonte da felicidade reside dentro de nós e que não está no poder dos homens fazer com que fique realmente desgostosa uma pessoa determinada a ser feliz. Por quatro ou cinco anos desfrutei regularmente de alegrias interiores que almas gentis e afectuosas encontram numa vida de contemplação.
O poder não é algo que possa ser assumido e posto de lado conforme apetece, como com a roupa interior.
O que um escritor pode fazer na solidão do seu quarto é algo que nenhum poder consegue destruir facilmente.
Uma das lições dos nossos tempos é que a transferência do poder para uma organização democrática não significa que as pessoas comuns tenham forçosamente a oportunidade de exercer os seus direitos democráticos.
O pouco que sei não dá para compreender a vida, então a explicação está no que desconheço e que tenho a esperança de poder vir a conhecer um pouco mais.
Nada nos Satisfaz
Se ocasionalmente nos ocupássemos em nos examinar, e o tempo que gastamos para controlar os outros e para saber das coisas que estão fora de nós o empregássemos em nos sondar a nós mesmos, facilmente sentiríamos o quanto todo esse nosso composto é feito de peças frágeis e falhas. Acaso não é uma prova singular de imperfeição não conseguirmos assentar o nosso contentamento em coisa alguma, e que, mesmo por desejo e imaginação, esteja fora do nosso poder escolher o que nos é necessário? Disso dá bom testemunho a grande discussão que sempre houve entre os filósofos para descobrir qual é o soberano bem do homem, a qual ainda perdura e perdurará eternamente, sem solução e sem acordo: Enquanto nos escapa, o objecto do nosso desejo sempre nos parece preferível a qualquer outra coisa; vindo a desfrutá-lo, um outro desejo nasce em nós, e a nossa sede é sempre a mesma. (Lucrécio).
Não importa o que venhamos a conhecer e desfrutar, sentimos que não nos satisfaz, e perseguimos cobiçosos as coisas por vir e desconhecidas, pois as presentes não nos saciam; em minha opinião, não que elas não tenham o bastante com que nos saciar, mas é que nos apoderamos delas com mão doentia e desregrada: Pois ele viu que os mortais têm à sua disposição praticamente tudo o que é necessário para a vida;
Todos Temos Duas Almas
Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro… Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; – e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. (…) Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma…
– Não?
– Não, senhor; muda de natureza e de estado. Não aludo a certas almas absorventes, como a pátria, com a qual disse o Camões que morria, e o poder,
Quando damos a toda a gente uma voz e damos a toda a gente poder, o sistema acaba por se tornar um lugar realmente melhor.
O valor fundamental da vida depende da percepção e do poder de contemplação ao invés da mera sobrevivência.
Todos os segmentos da sociedade têm as suas elites, usuárias do poder ou candidatas a ele.
A maior fraqueza do homem é poder tão pouco por aqueles que ama.
O poder conduz ao orgulho e, o orgulho, à insolência.
Não me interessa ter razão, não tenho apetência para esse tipo de poder, de marcar uma posição, dar um murro na mesa. Se entro numa discussão é à maneira chinesa, simplesmente para sugerir que pode haver outra maneira de olhar para as coisas.