A Ilusão Política das Grandes Manifestações Populares
Nisto de manifestações populares, o mais difícil é interpretá-las. Em geral, quem a elas assiste ou sabe delas ingenuamente as interpreta pelos factos como se deram. Ora, nada se pode interpretar pelos factos como se deram. Nada é como se dá. Temos que alterar os factos, tais como se deram, para poder perceber o que realmente se deu. É costume dizer-se que contra factos não há argumentos. Ora só contra factos é que há argumentos. Os argumentos são, quase sempre, mais verdadeiros do que os factos. A lógica é o nosso critério de verdade, e é nos argumentos, e não nos factos, que pode haver lógica.
Nisto de manifestações — ia eu dizendo — o difícil é interpretá-las. Porque, por exemplo, uma manifestação conservadora é sempre feita por mais gente do que toma parte nela. Com as manifestações liberais sucede o contrário. A razão é simples. O temperamento conservador é naturalmente avesso a manifestar-se, a associar-se com grande facilidade; por isso, a uma manifestação conservadora vai só um reduzido número da gente que poderia, ou mesmo quereria, ir. O feitio psíquico dos liberais é, ao contrário, expansivo e associador; as manifestações dos “avançados” englobam, por isso, os próprios indiferentes de saúde,
Passagens sobre Próprio
3083 resultadosLeia, Ouça, Veja, mas sobretudo, Pense
Se grandes invenções ou descobertas, como o fogo, a roda ou a alavanca, se fizeram antes que o homem fosse, historicamente, capaz de escrever, também se põe como fora de dúvida que mais rapidamente se avançou quando foi possível fixar inteligência em escrita, quando o saber se pôde transmitir com maior fidelidade do que oralmente, quando biblioteca, em qualquer forma, foi testamento do passado e base de arranque para o futuro. A livro se veio juntar arquivo, para o que mais ligeiro se afigurava; e fora de bibliotecas ou arquivos ficaram os milhões de páginas de discorrer ou emoção humana que mais ligeiras pareceram ainda, ou menos duradouras. Escrevendo ou lendo nos unimos para além do tempo e do espaço, e os limitados braços se põem a abraçar o mundo; a riqueza de outros nos enriquece a nós. Leia.
Milhões de homens, porém, no mundo actual estão incapacitados de escrever e de ler, muito menos porque faltam métodos e meios do que incitamento que os levante acima do seu tão difícil quotidiano e vontade de quem mais pode de que seus reais irmãos mais dependam de si próprios do que de exteriores e quase sempre enganadoras salvações. Mais se comunica falando do que de qualquer outra forma;
Esquecer-se dos mortos é esquecer-se de si próprio.
As Entranhas da Terra na Vida de um Homem
Ao fim dos primeiros dias de trabalho, deu por si de pé no centro do corredor, percorrendo as divisões com o olhar, e julgou perceber melhor a massa de que era feito o seu povo. Tudo oxidava. Os metais oxidavam, as madeiras oxidavam, as paredes e os tecidos e os objectos oxidavam — e o que não oxidava enchia-se de salitre, ressequia ao sol ou, sobrevivendo aos abalos de terra, tombava à fúria do vento. E, no entanto, havia algo de belo nisso também, como se ao cabo de uma só vida um homem pudesse dizer, sem grande esforço metonímico, que as entranhas da Terra se revolviam no interior do seu próprio estômago.
Não podemos ensinar a criatividade – como se tornar um bom escritor. Mas podemos ajudar um jovem escritor a descobrir, dentro de si próprio, que tipo de escritor ele gostaria de ser.
O tempo faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que me contaram que aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento.
Quem não se vê no espelho, não vê a própria feiura.
O homem que não é indulgente com os outros, ainda não se conhece a si próprio.
Há muita gente infeliz por não saber tolerar com resignação a sua própria insignificância.
Onde os homens se persuadem que os governos os devem fazer felizes, e não eles a si próprios, não há governo que os possa contentar nem agradar-lhes.
A beleza é uma luz divina, um raio celestial que diviniza os próprios objectos em que fulge.
Feliz, feliz Natal, que nos traz de volta as ilusões da infância, recorda ao idoso os prazeres da juventude e transporta o viajante de volta à própria lareira e à tranqüilidade do seu lar.
O amor adquire mais força quando oferecido ao próximo; a palavra adquire mais força quando pronunciada; o pensamento ganha mais força quando expressado. Aquele que é parcimonioso em oferecer o amor, pronunciar boas palavras e expressar bons pensamentos acaba diminuindo sua própria força. Mesmo quando duas pessoas se encontram, vence aquele que primeiro dirige palavras de cumprimento. Vencer significa progredir espiritualmente antes dos outros.
As pessoas nascem sempre sob o signo errado, e estar no mundo de forma digna significa corrigir dia a dia o próprio horóscopo.
A masculinidade só pode ser experimentada, alcançada, reconhecida, e personificada em oposição à feminilidade. Quando os homens colocam sexo, violência, e morte como verdades eróticas elementares, eles pretendem dizer isto — que sexo, ou foder, é o ato que os possibilita experimentarem sua própria realidade, ou identidade, ou masculinidade o mais concretamente; que violência, ou sadismo, é o meio pelo qual ele efetiva essa realidade, ou identidade, ou masculinidade; e que a morte, ou a negação, ou a inexistência, ou a contaminação pela fêmea é o que eles arriscam cada vez que penetram no que eles imaginam ser o vazio do buraco da fêmea.
É preciso fazer a própria vida como se faz uma obra de arte. É preciso que a vida de um homem inteligente seja produzida por ele. A verdadeira superioridade não passa disso.
Ambição e Poder
Examinemo-nos no momento em que a ambição nos trabalha, em que lhe sofremos a febre; dissequemos em seguida os nossos «acessos». Verificaremos que estes são precedidos de sintomas cuirosos, de um calor especial, que não deixa nem de nos arrastar nem de nos alarmar. Intoxicados de porvir por abuso de esperança, sentimo-nos de súbito responsáveis pelo presente e pelo futuro, no núcleo da duração, carregada esta dos nossos frémitos, com a qual, agentes de uma anarquia universal, sonhamos explodir. Atentos aos acontecimentos que se passam no nosso cérebro e às vicissitudes do nosso sangue, virados para o que nos altera, espiamos-lhe e acarinhamos-lhe os sinais. Fonte de perturbações, de transtornos ímpares, a loucura política, se afoga a inteligência, favorece em contrapartida os instintos e mergulha-os num caos salutar. A ideia do bem e sobretudo do mal que imaginamos ser capazes de cumprir regozijar-nos-á e exaltar-nos-á; e o feito das nossas enfermidades, o seu prodígio, será tal que elas nos instituirão senhores de todos e de tudo.
À nossa volta, observaremos uma alteração análoga naqueles que a mesma paixão corrói. Enquanto sofrerem o seu império, serão irreconhecíves, presas de uma embriaguez diferente de todas as outras. Tudo mudará neles, até o timbre da voz.
O Prestígio da Poesia
O prestígio da poesia é menos ela não acabar nunca do que propriamente começar. É um início perene, nunca uma chegada seja ao que for. E ficamos estendidos nas camas, enfrentando a perturbada imagem da nossa imagem, assim, olhados pelas coisas que olhamos. Aprendemos então certas astúcias, por exemplo: é preciso apanhar a ocasional distracção das coisas, e desaparecer; fugir para o outro lado, onde elas nem suspeitam da nossa consciência; e apanhá-las quando fecham as pálpebras, um momento, rápidas, e rapidamente pô-las sob o nosso senhorio, apanhar as coisas durante a sua fortuita distracção, um interregno, um instante oblíquo, e enriquecer e intoxicar a vida com essas misteriosas coisas roubadas. Também roubámos a cara chamejante aos espelhos, roubámos à noite e ao dia as suas inextricáveis imagens, roubámos a vida própria à vida geral, e fomos conduzidos por esse roubo a um equívoco: a condenação ou condanação de inquilinos da irrealidade absoluta. O que excede a insolvência biográfica: com os nomes, as coisas, os sítios, as horas, a medida pequena de como se respira, a morte que se não refuta com nenhum verbo, nenhum argumento, nenhum latrocínio.
Vivemos demoniacamente toda a nossa inocência.
O prazer que um objecto nos proporciona não se encontra no próprio objecto. A imaginação embeleza-o, cercando-o e quase o irradiando com imagens estimadas. Em suma, no objecto amamos aquilo que nós mesmos colocamos nele.
Ficou evidente para todos,e não menos para o próprio Xerxes, que havia muita gente com ele, mas poucos homens de verdade.