Sonetos sobre Cegos

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Sonetos de cegos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Vanitas

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.

Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!

Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia…

Indo O Triste Pastor Todo Embebido

Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saído:

-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras não acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?

Oh! bela Ninfa, porque não respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?

Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vês, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.

Soneto XXXVII

Menos sente o não ver quem cego nasce
Que aquele, que depois de ter gozado
A frescura do rio, fonte e prado,
Nesta beleza os olhos já não pasce.

Menos, o que não viu a bela face
Da fortuna, que quem alevantado
No mais alto, caiu daquele estado,
Não temendo que esquiva se mostrasse.

Mas contudo não sente tanto o cego
Que já viu, o não ver, nem sente assi
O que já rico foi, ver-se em pobreza.

Como eu, e tanto mais nisto me emprego,
Quanto mor é o bem em que me vi
Que a vista de seus olhos e a riqueza.

Sentindo Se Tomada A Bela Esposa

Sentindo se tomada a bela esposa
de Céfalo, no crime consentido,
para os montes fugia do marido;
e não sei se de astuta, ou vergonhosa.

Porque ele, enfim, sofrendo a dor ciosa,
de amor cego e forçoso compelido,
após ela se vai como perdido,
já perdoando a culpa criminosa.

Deita se aos pés da Ninfa endurecida,
que do cioso engano está agravada;
já lhe pede perdão, já pede a vida.

Ó força de afeição desatinada!
Que da culpa contra ele cometida,
perdão pedia à parte que é culpada!

XLIV

Há quem confie, Amor, na segurança
De um falsíssimo bem, com que dourando
O veneno mortal, vás enganando
Os tristes corações numa esperança!

Há quem ponha inda cego a confiança
Em teu fingido obséquio, que tomando
Lições de desengano, não vá dando
Pelo mundo certeza da mudança!

Há quem creia, que pode haver firmeza
Em peito feminil, quem advertido
Os cultos não profane da beleza!

Há inda, e há de haver, eu não duvido,
Enquanto não mudar a Natureza
Em Nise a formosura, o amor em Fido.

Vossos Olhos, Senhora, Que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
co Sol em fermosura e claridade,
enchem os meus de tal suavidade
que em lágrimas, de vê-los, se derretem.

Meus sentidos vencidos se sometem
assi cegos a tanta majestade;
e da triste prisão, da escuridade,
cheios de medo, por fugir remetem.

Mas se nisto me vedes por acerto,
o áspero desprezo com que olhais
torna a espertar a alma enfraquecida.

Ó gentil cura e estranho desconcerto!
Que fará o favor que vós não dais,
quando o vosso desprezo torna a vida?

Soneto VI

Qual naufragante mísero que cai
Da rota barca no soberbo pego,
E, lidando c’os braços sem sossego,
A cada onda receia que desmaie,

Tal, sem ter já lugar onde se espraie
Neste mar de meu mal, cansado e cego
Ando, aqui desfaleço, ali me anego,
E a cada encontro seu [a] alma me sai.

Em meio de mil barcas clamo, e brado:
“Me lancem por piedade um cabo forte!”,
Mas a ninguém magoa meu cuidado.

Ah, não queirais que vida tal se corte
Que se vida me dais, ganhais dobrado,
Livrando muitas vidas de ua morte.

Flor Nirvanizadas

Ó cegos corações, surdos ouvidos,
Bocas inúteis, sem clamor, fechadas,
Almas para os mistérios apagadas,
Sem segredos, sem eco e sem gemidos.

Consciências hirsutas de bandidos,
Vesgas, nefandas e desmanteladas,
Portas de ferro, com furor trancadas,
Dos ócios maus histéricos Vencidos.

Desenterrai-vos das sangrentas furnas
Sinistras, cabalísticas, noturnas
Onde ruge o Pecado caudaloso…

Fazei da Dor, do triste Gozo humano,
A Flor do Sentimento soberano,
A Flor nirvanizada de outro Gozo!

LXXXII

Piedosos troncos, que a meu terno pranto
Comovidos estais, uma inimiga
E quem fere o meu peito, é quem me obriga
A tanto suspirar, a gemer tanto.

Amei a Lise; é Lise o doce encanto,
A bela ocasião desta fadiga;
Deixou-me; que quereis, troncos, que eu diga
Em um tormento, em um fatal quebranto?

Deixou-me a ingrata Lise: se alguma hora
Vós a vêdes talvez, dizei, que eu cego
Vos contei… mas calai, calai embora.

Se tanto a minha dor a elevar chego,
Em fé de um peito, que tão fino adora,
Ao meu silêncio o meu martírio entrego.

Cegos como as Peças de Ouro Reluzentes

A Fama, a Glória, as Armas, a Nobreza,
A Ciência, o Poder e tudo quanto
Em honra e distinção, de canto a canto,
Encerra deste mundo a vã Grandeza,

A Pluto, cego deus, com vil baixeza
Adoram de joelhos, como a santo:
Pois só o deus do reino atroz do espanto
Pode ser rei e Numen da riqueza.

Do dossel do seu trono estão pendentes
C’roas, mitras, lauréis, brazões, tiaras,
Que o cego deus reparte às cegas gentes.

Tudo of’rendar-lhe vai nas torpes aras,
Cegos co’as peças de ouro reluzentes,
A Honra, a Liberdade, as vidas caras.

Bem Sei, Amor, que é Certo o que Receio

Bem sei, Amor, que é certo o que receio;
Mas tu, porque com isso mais te apuras,
De manhoso, mo negas, e mo juras
Nesse teu arco de ouro; e eu te creio.

A mão tenho metida no meu seio,
E não vejo os meus danos às escuras;
Porém porfias tanto e me asseguras,
Que me digo que minto, e que me enleio.

Nem somente consinto neste engano,
Mas inda to agradeço, e a mim me nego
Tudo o que vejo e sinto de meu dano.

Oh poderoso mal a que me entrego!
Que no meio do justo desengano
Me possa inda cegar um moço cego?

Está O Lascivo E Doce Passarinho

Está o lascivo e doce passarinho
com o biquinho as penas ordenando;
o verso sem medida, alegre e brando,
espedindo no rústico raminho;

o cruel caçador (que do caminho
se vem calado e manso desviando)
na pronta vista a seta endireitando,
lhe dá no Estígio lago eterno ninho.

Dest’ arte o coração, que livre andava,
(posto que já de longe destinado)
onde menos temia, foi ferido.

Porque o Frecheiro cego me esperava,
para que me tomasse descuidado,
em vossos claros olhos escondido.

Não Canse o Cego Amor de me Guiar

Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas não cansadas de cansar-me;
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar;

Não canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me não deixar.

E se em montes, se em prados, e se em vales
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas;

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.

Elegia para Santa Rosa

Aurora chega, e permaneces fria
noite, imobilizado, cego e mudo
às coisas das manhãs que amanhecias:
cavalete, jornal, café no bule.

O mundo neutro e nu pede a pintura;
a tela virgem, teu pincel tranquilo,
As cores vêm chorando pela rua,
entram no atelier branco e vazio.

Quais os murais que irás compor no muro,
entre o que foste e o que serás, erguido,
o indevassável muro eterno e duro?

Ai, Santa, pesam sobre nós os dias
desta sobrevivência que te usurpa
o espaço e o tempo que te pertenciam.

Velho Tema IV

Eu não espero o bem que mais desejo:
Sou condenado, e disso convencido;
Vossas palavras, com que sou punido,
São penas verdades de sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,
Pois nem se esconde nem procura ensejo,
E anda à vista naquilo que mais vejo:
Em vosso olhar, severo ou distraído.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:
Ao meu amor desamparado e triste
Toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;
Conto-lhe o mal que vejo, e ele que é cego
Põe-se a sonhar o bem que não existe.

Quero-te Apenas Porque a Ti Eu Quero

Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.

Quero-te apenas porque a ti eu quero,
a ti odeio sem fim e, odiando-te, te suplico,
e a medida do meu amor viajante
é não ver-te e amar-te como um cego.

Consumirá talvez a luz de Janeiro,
o seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.

Nesta história apenas eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e fogo.

Aqui Morava Um Rei

“Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.

Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.”

Pacto Das Almas (I) Para Sempre!

Ah! para sempre! para sempre! Agora
Não nos separaremos nem um dia…
Nunca mais, nunca mais, nesta harmoia
Das nossas almas de divina aurora.

A voz do céu pode vibrar sonora
Ou do Inferno a sinistra sinfonia,
Que num fundo de astral melancolia
Minh’alma com a tu’alma goza e chora.

Para sempre está feito o augusto pacto!
Cegos serenos do celeste tacto,
Do Sonho envoltas na estrelada rede.

E perdidas, perdidas no Infinito
As nossas almas, no Clarão bendito,
Hão de enfim saciar toda esta sede…

Vossos Olhos, Senhora, que Competem

Vossos olhos, Senhora, que competem
Com o Sol em beleza e claridade,
Enchem os meus de tal suavidade,
Que em lágrimas de vê-los se derretem.

Meus sentidos prostrados se submetem
Assim cegos a tanta majestade;
E da triste prisão, da escuridade,
Cheios de medo, por fugir remetem.

Porém se então me vedes por acerto,
Esse áspero desprezo com que olhais
Me torna a animar a alma enfraquecida.

Oh gentil cura! Oh estranho desconcerto!
Que dareis c’ um favor que vós não dais,
Quando com um desprezo me dais vida?

O Cego Do Harmonium

Esse cego do harmonium me atormenta
E atormentando me seduz, fascina.
A minh’alma para ele vai sedenta
Por falar com a sua alma peregrina.

O seu cantar nostálgico adormenta
Como um luar de mórbida neblina.
O harmonium geme certa queixa lenta,
Certa esquisita e lânguida surdina.

Os seus olhos parecem dois desejos
Mortos em flor, dois luminosos beijos
Fanados, apagados, esquecidos…

Ah! eu não sei o sentimento vário
Que prende-me a esse cego solitário,
De olhos aflitos como vãos gemidos!