Textos sobre Passageiros

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Textos de passageiros escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Europa é um Comboio Disparado e sem Freios

Foi a falta de solidariedade que fez na Europa 18 milhões de desempregados, ou são eles tão-somente o efeito mais visível da crise de um sistema para o qual as pessoas não passam de produtores a todo o momento dispensáveis e de consumidores obrigados a consumir mais do que necessitam? A Europa, estimulada a viver na irresponsabilidade, é um comboio disparado, sem freios, onde uns passageiros se divertem e os restantes sonham com isso.

A Essência da Poesia

Não aprendi nos livros qualquer receita para a composição de um poema; e não deixarei impresso, por meu turno, nem sequer um conselho, modo ou estilo para que os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Se narrei neste discurso alguns sucessos do passado, se revivi um nunca esquecido relato nesta ocasião e neste lugar tão diferentes do sucedido, é porque durante a minha vida encontrei sempre em alguma parte a asseveração necessária, a fórmula que me aguardava, não para se endurecer nas minhas palavras, mas para me explicar a mim próprio.
Encontrei, naquela longa jornada, as doses necessárias para a formação do poema. Ali me foram dadas as contribuições da terra e da alma. E penso que a poesia é uma acção passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e solidariedade, o sentimento e a acção, a intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e a revelação secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia – o homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia – numa comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos,

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A Razão da Minha Esperança

Meu bom amigo,

Sei que tens sofrido bastante.

Não posso esquecer que um dia me ensinaste: que leal é quem não abandona; que devemos procurar ser pessoas dignas de confiança, mais do que tentar encontrar alguém assim; e, que a vontade de amar já é, em si mesma, amor.

Permite-me que partilhe contigo, hoje, algumas ideias a respeito dos momentos difíceis…

São muitas as provas que na vida servem para testar quem somos, a força que temos em nós e o nosso valor. Algumas vezes uma pedra gigante vem cair mesmo diante de nós… outras vezes são séries infindáveis de pequenos obstáculos no caminho… longas etapas que nos obrigam a seguir adiante sem descansar, em percursos onde quase nunca se vê o horizonte.
A agitação permanente em que vivemos leva muitos a desistir de encontrar referências mais adiante, mas é preciso que nos afastemos do tempo para assim encontrarmos a posição mais segura, elevando-nos acima dos momentos passageiros para os compreender melhor. No meio da confusão é preciso ver para além do que se pode olhar… estabelecer os alicerces sobre o que é sólido, ainda que seja preciso escavar muito mais fundo do que o normal…

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Destino, Acaso ou Coincidência

Podemos muito bem, se for esse o nosso desejo, vaguear sem destino pelo vasto mundo do acaso. Que é como quem diz, sem raízes, exactamente da mesma maneira que a semente alada de certas plantas esvoaça ao sabor da brisa primaveril.
E, contudo, não faltará ao mesmo tempo quem negue a existência daquilo a que se convencionou chamar o destino. O que está feito, feito está, o que tem se ser tem muita força e por aí fora. Por outras palavras, quer queiramos quer não, a nossa existência resume-se a uma sucessão de instantes passageiros aprisionados entre o «tudo» que ficou para trás e o «nada» que temos pela frente. Decididamente, neste mundo não há lugar para as coincidências nem para as probabilidades.
Na verdade, porém, não se pode dizer que entre esses dois pontos de vista exista uma grande diferença. O que se passa – como, de resto, em qualquer confronto de opiniões – é o mesmo que sucede com certos pratos culinários: são conhecidos por nomes diferentes mas, na prática, o resultado não varia.

Amo-te, Portugal

Portugal,

Estou há que séculos para te escrever. A primeira vez que dei por ti foi quando dei pela tua falta. Tinha 19 anos e estava na Inglaterra. De repente, deixei de me sentir um homem do mundo e percebi, com tristeza, que era apenas mais um dos teus desesperados pretendentes.

Apaixonaste-me sem que eu desse por isso. Deve ter sido durante os meus primeiros 18 anos de vida, quando estava em Portugal e só queria sair de ti. Insinuaste-te. Não fui eu que te escolhi. Quando descobri que te amava, já era tarde de mais.

Eu não queria ficar preso a ti; queria correr mundo. Passei a querer correr para ti – e foi para ti que corri, mal pude.

Teria preferido chegar à conclusão que te amava por uma lenta acumulação de razões, emoções e vantagens. Mas foi ao contrário. Apaixonei-me de um dia para o outro, sem qualquer espécie de aviso, e desde esse dia, que remédio, lá fui acumulando, lentamente, as razões por que te amo, retirando-as uma a uma dentre todas as outras razões, para não te amar, ou não querer saber de ti.

Custou-me justificar o meu amor por ti.

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O Que Mais Contribui para a Felicidade

Já reconhecemos em geral que aquilo que somos contribui muito mais para a felicidade do que aquilo que temos ou representamos. Importa saber o que alguém é e, por conseguinte, o que tem em si mesmo, pois a sua individualidade acompanha-o sempre e por toda a parte, e tinge cada uma das suas vivências. Em todas as coisas e ocasiões, o indivíduo frui, em primeiro lugar, apenas a si mesmo. Isso já vale para os deleites físicos e muito mais para os intelectuais. Por isso, a expressão inglesa to enjoy one’s self é bastante acertada; com ela, dizemos, por exemplo, he enjoys himself at Paris, portanto, não «ele frui Paris», mas «ele frui a si em Paris». Entretanto, se a individualidade é de má qualidade, então todos os deleites são como vinhos deliciosos numa boca impregnada de fel.
Assim, tanto no bem quanto no mal, tirante os casos graves de infelicidade, importa menos saber o que ocorre e sucede a alguém na vida, do que a maneira como ele o sente, portanto, o tipo e o grau da sua susceptibilidade sob todos os aspectos. O que alguém é e tem em si mesmo, ou seja, a personalidade e o seu valor,

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A Infelicidade do Desejo

Um desejo é sempre uma falta, carência ou necessidade. Um estado negativo que implica um impulso para a sua satisfação, um vazio com vontade de ser preenchido.

Toda a vida é, em si mesma, um constante fluxo de desejos. Gerir esta torrente é essencial a uma vida com sentido. Cada homem deve ser senhor de si mesmo e ordenar os seus desejos, interesses e valores, sob pena de levar uma vida vazia, imoderada e infeliz. Os desejos são inimigos sem valentia ou inteligência, dominam a partir da sua capacidade de nos cegar e atrair para o seu abismo.
A felicidade é, por essência, algo que se sente quando a realidade extravasa o que se espera. A superação das expectativas. Ser feliz é exceder os limites preestabelecidos, assim se conclui que quanto mais e maiores forem os desejos de alguém, menores serão as suas possibilidades de felicidade, pois ainda que a vida lhe traga muito… esse muito é sempre pouco para lhe preencher os vazios que criou em si próprio.

Na sociedade de consumo em que vivemos há cada vez mais necessidades. As naturais e todas as que são produzidas artificialmente. Hoje, criam-se carências para que se possa vender o que as preenche e anula.

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Leitor e Autor, num Mundo á Parte

Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo comum e objectivo para viver noutro mundo. A janela iluminada noite adentro isola o leitor da realidade da rua, que é o sumidouro da vida subjectiva. Árvores ramalham. De vez em quando passam passos. Lá no alto estrelas teimosas namoram inutilmente a janela iluminada. O homem, prisioneiro do círculo claro da lãmpada, apenas ligado a este mundo pela fatalidade vegetativa do seu corpo, está suspenso no ponto ideal de uma outra dimensão, além do tempo e do espaço. No tapete voador só há lugar para dois passageiros: leitor e autor.

Náufragos que Navegam Tempestades

As tempestades são sempre períodos longos. Poucas pessoas gostam de falar destes momentos em que a vida se faz fria e anoitece, preferem histórias de praias divertidas às das profundas tragédias de tantos naufrágios que são, afinal, os verdadeiros pilares da nossa existência.

Gente vazia tende a pensar em quem sofre como fraco… quando fracos são os que evitam a qualquer custo mares revoltos, tempestades em que qualquer um se sente minúsculo, mas só os que não prestam o são verdadeiramente. Para a gente de coração pequeno, qualquer dor é grande. Os homens e mulheres que assumem o seu destino sabem que, mais cedo ou mais tarde, morrerão, mas há ainda uma decisão que lhes cabe: desviver a fugir ou morrer sofrendo para diante.
Da morte saímos, para a morte caminhamos. O que por aqui sofremos pode bem ser a forma que temos de nos aproximarmos do coração da verdade.

Haverá sempre quem seja mestre de conversas e valente piloto de naus alheias, os que sabem sempre tudo, principalmente o que é (d)a vida do outro, e mais especificamente se estiver a passar um mau bocado. Logo se apressam a dizer que depois da tempestade vem a bonança,

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O que Sempre Soube das Mulheres

Tratam-nos mal, mas querem que as tratemos bem. Apaixonam-se por serial-killers e depois queixam-se de que nem um postalinho. Escrevem que se desunham. Fingem acreditar nas nossas mentiras desde que tenhamos graça a pregá-las. Aceitam-nos e toleram-nos porque se acham superiores. São superiores. Não têm o gene da violência, embora seja melhor não as provocarmos. Perdoam facilmente, mas nunca esquecem. Bebem cicuta ao pequeno-almoço e destilam mel ao jantar. Têm uma capacidade de entrega que até dói. São óptimas mães até que os filhos fazem 10 anos, depois perdem o norte. Pelam-se por jogos eróticos, mas com o sexo já depende. Têm dias. Têm noites. Conseguem ser tão calculistas e maldosas como qualquer homem, só que com muito mais nível. Inventaram o telemóvel ao volante. São corajosas e quando se lhes mete uma coisa na cabeça levam tudo à frente. Fazem-se de parvas porque o seguro morreu de velho e estão muito escaldadas. Fazem-se de inocentes e (milagre!) por esse acto de vontade tornam-semesmo inocentes. Nunca perdem a capacidade de se deslumbrarem. Riem quando estão tristes, choram quando estão felizes. Não compreendem nada. Compreendem tudo. Sabem que o corpo é passageiro. Sabem que na viagem há que tratar bem o passageiro e que o amor é um bom fio condutor.

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Vencidos tornam-se Vencedores

Só os povos bárbaros aumentam subitamente após uma vitória; são como a vaidade passageira das torrentes opulentas com as águas da tempestade.
Aos povos civilizados, porém, mormente no tempo em que vivemos, não os eleva ou abate a boa ou má fortuna de um capitão, porque o seu peso específico no género humano resulta de mais alguma coisa do que de um combate. Graças a Deus, a sua honra, dignidade, luz e génio não são números que os heróis conquistadores, que são verdadeiros jogadores, arrisquem na lotaria das batalhas. Muitas vezes a perda de uma batalha é a conquista do progresso. Deslustra-se a glória, mas engrandece-se, alarga-se, torna-se mais ampla a liberdade; emudece o tambor para deixar falar a razão. Jogo é este, pois, em que quem perde ganha.

A Moral é a Base da Sociedade

A moral é a base da sociedade; se tudo, porém, é matéria em nós, não há realmente vício nem virtude, e por consequência não há moral.
As nossas leis, sempre relativas e mutáveis, não podem servir de ponto de apoio à moral, sempre absoluta e inalterável; é pois preciso que ela tenha origem numa região mais estável que esta, e cauções mais seguras que recompensas precárias ou castigos passageiros. Alguns filósofos acreditaram que a religião fôra inventada para a sustentar, sem se avisarem de que tomavam o efeito pela causa. Não é a religião que deriva da moral, é a moral que nasce da religião, pois é certo, como há pouco dissemos, que a moral não pode ter a sua origem no homem physico, ou na simples matéria; pois é certo ainda, que, quando os homens perdem a ideia de Deus, se despenham em todos os crimes, a despeito das leis e dos verdugos.

A Inveja só Incide sobre os Vivos

Por mais que vivamos juntos, e nos vejamos sempre, é por um modo como vago, e passageiro: as cousas nem por estarem muito perto se vêem melhor, e os Heróis o que os faz mais visíveis, é a distância, e desproporção dos outros homens em que os põem as suas acções; não só os homens, mas ainda os sucessos, quanto mais longe vão ficando, mais crescem, e nos vão parecendo maiores, até que os vimos a perder de vista, e muitas vezes da memória; porque no tempo também há um ponto de perspectiva, donde como em espelho vão crescendo todos os objectos, e em chegando a um certo termo, desaparecem. As empresas, que hoje vemos, talvez não sejam inferiores às que a tradição refere do tempo do heroísmo; porém têm de menos o estarem próximas a nós, e as outras têm de mais, o valor que recebem de uma antiguidade venerável: aquelas admiramos porque não temos inveja, nem vaidade, que nos preocupe contra os que passaram há muitos séculos; contra os que existem sim, e destes, se sabemos as acções, também sabemos as circunstâncias delas; por isso as desprezamos, porque é rara a empresa heróica, em que não entre algum fim indigno,

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Serenidade Desperta

Tenho tanta coisa para fazer. Pois, mas aquilo que faz, fá-lo com qualidade? Conduzir até ao emprego, falar com os clientes, trabalhar no computador, fazer recados, lidar com os incontáveis afazeres que preenchem a sua vida quotidiana – até que ponto é que se entrega às coisas que faz? E realiza-as com entrega, sem resistência, ou, pelo contrário, sem se entregar e resistindo à acção? É isto que determina o sucesso na vida e não a dose de esforço que se despende. O esforço implica stresse e desgaste físico, implica a necessidade absoluta de atingir um determinado objectivo ou de alcançar um determinado resultado.

É capaz de detectar dentro de si até a mais pequena sensação de não quererestar a fazer aquilo que está a fazer? Isso é uma negação da vida e, desse modo, não será possível obter resultados verdadeiramente bons.

Se for capaz de descobrir aquela sensação, será que também consegue abdicar dela e entregar–se completamente àquilo que faz?

“Fazer uma coisa de cada vez”, foi assim que um Mestre Zen definiu o espírito da filosofia Zen.

Fazer uma coisa de cada vez significa estar nela por inteiro, concentrar nela toda a sua atenção.

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Encarar a Morte

É talvez sinal de prisão ao mundo dos fenómenos o terror e a dor ante a chegada da morte ou a serena mas entristecida resignação com que a fizeram os gregos uma doce irmã do sono; para o espírito liberto ela deve ser, como o som e a cor, falsa, exterior e passageira; não morre, para si próprio nem para nós, o que viveu para a ideia e pela ideia, não é mais existente, para o que se soube desprender da ilusão, o que lhe fere os ouvidos e os olhos do que o puro entender que apenas se lhe apresenta em pensamento; e tanto mais alto subiremos quando menos considerarmos a morte como um enigma ou um fantasma, quanto mais a olharmos como uma forma entre as formas.

Não se Render a um Humor Vulgar

Grande homem é o que nunca se submete a impressões passageiras. É lição de advertência a reflexão sobre si; conhecer a sua real disposição e preveni-la, e ainda ponderar sobre o outro extremo para achar, entre o natural e o artificial, o fiel da sindérese. O princípio de corrigir-se é o conhecer-se, pois há monstros de impertinência: sempre estão de algum humor, variando com eles os seus afectos; e, arrastados eternamente por essa destemperança civil, empenham-se de modos contraditórios; e não só esse excesso arruína a vontade como também afronta o juízo, alterando o querer e o entender.

Da Duração das Obras

Algumas obras morrem porque nada valem; estas, por morrerem logo, são natimortas. Outras têm o dia breve que lhes confere a sua expressão de um estado de espírito passageiro ou de uma moda da sociedade; morrem na infância. Outras, de maior escopo, coexistem com uma época inteira do país, em cuja língua foram escritas, e, passada essa época, elas também passam; morrem na puberdade da fama e não alcançam mais do que a adolescência na vida perene da glória. Outras ainda, como exprimem coisas fundamentais da mentalidade do seu país, ou da civilização, a que ele pertence, duram tanto quanto dura aquela civilização; essas alcançam a idade adulta da glória universal. Mas outras duram além da civilização, cujos sentimentos expressam. Essas atingem aquela maturidade de vida que é tão mortal como os Deuses, que começam mas não acabam, como acontece com o Tempo; e estão sujeitas apenas ao mistério final que o Destino encobre para todo o sempre (…)

A Comédia do Ambicioso

Um homem que aspira a coisas grandes considera todo aquele que encontra no seu caminho, ou como meio, ou como retardamento e impedimento, – ou como um leito de repouso passageiro. A sua “bondade” para com os outros, que o caracteriza e que é superior, só é possível quando ele atinge o seu máximo e domina. A impaciência e a sua consciência de, até aqui, estar sempre condenado à comédia – pois mesmo a guerra é uma comédia e encobre, como qualquer meio encobre o fim -, estraga-lhe todo o convívio: esta espécie de homem conhece a solidão e o que ela tem de mais venenoso.

O Amor por Matilde e os Versos do Capitão

E vou contar-lhes agora a história deste livro, um dos mais controvertidos daqueles que escrevi. Foi durante muito tempo um segredo, durante muito tempo não ostentou o meu nome na capa, como se o renegasse ou o próprio livro não soubesse quem era o pai. Tal como os filhos naturais, filhos do amor natural, «Los versos del capitán» eram, também, um «libro natural».

Os poemas que contém foram escritos aqui e ali, ao longo do meu desterro na Europa. Foram publicados anonimamente em Nápoles, em 1952. O amor por Matilde, a nostalgia do Chile, as paixões cívicas, recheiam as páginas desse livro, que teve muitas edições sem trazer o nome do autor.

Para a 1ª edição, o pintor Paolo Ricci conseguiu um papel admirável e antigos tipos de imprensa «bodonianos», bem como gravuras extraídas dos vasos de Pompeia. Com fraternal fervor, Paolo elaborou também a lista dos assinantes. Em breve apareceu o belo volume, com tiragem limitada a cinquenta exemplares. Festejámos largamente o acontecimento, com mesa florida, «frutti di mare», vinho transparente como água, filho único das vinhas de Capri. E com a alegria dos amigos que amaram o nosso amor.
Alguns críticos suspicazes atribuíram a motivos políticos a publicação anónima do livro.

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A Moralidade dos Homens Exaustos

Parte do conservantismo da idade madura decorre da inteligência, que afinal percebe a complexidade das instituições e as imperfeições do desejo; e parte vem do enfraquecimento das energias, o que explica a imaculada moralidade dos homens exaustos. A princípio com incredulidade, depois com desepero, vamos percebendo que o nosso reservatório de energia já não se enche com a facilidade antiga; ou, como disse Schopenhauer, começamos a consumir o capital em vez da renda do capital. Essa descoberta anuvia por alguns anos o homem maduro e indu-lo a deblaterar contra a brevidade da vida e a impossibilidade de realização de grandes obras. Está ele já no alto da colina, de onde vê, lá no fundo, o fim inevitável – a morte. Até aquele momento não admitia a morte, só pensando nela como um tema académico, de desinteresse para os cofres. Subitamente tudo muda e começa a vê-la de perto, e por mais que se esforce para não descer a colina, há que descê-la. Os seus olhos voltam-se para o passado, para os dias em que tudo era ascensão descuidosa; e compraz-se na companhia dos moços e crianças porque deles haure, passageira e incompletamente embora, um pouco do divino esquecimento da morte.

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