A Disciplina é Sempre Exterior
A disciplina é sempre exterior, embora nem sempre aplicada de fora. As leis do meu temperamento nunca podem constituir uma disciplina minha. Uma disciplina é um princípio regrador da vida e da obra, que a inteligência aceita como verdadeira, e a sensibilidade aceita por boa. Sem a acção sobre tanto sensibilidade como inteligência, não há disciplina: se a inteligência aceita e a sensibilidade não, há um mero diletantismo; se o inverso, há um conflito esterilizante, anarquisador.
Os românticos eram cristãos da sensibilidade e pagãos do pensamento; os neoclássicos eram cristãos do pensamento e pagãos da sensibilidade. Por isso a arte de uns e de outros resultou débil e, desde nada, caduca.
Textos sobre Princípio
229 resultadosFazer as Pazes
Para fazer as pazes é preciso haver uma guerra. Mas, quando não há uma guerra ou só a suspeita, ou ciúme, de haver uma ameaça, ou uma desatenção, de a paz que encanta e apaixona, se tornar num hábito, as pazes ficam feitas e celebra-se essa felicidade.
O conflito e a diferença de personalidades – a identidade pessoal de cada um e quanto estamos dispostos a sacrificarmo-nos por defendê-la – são grossamente exagerados. É a necessidade de se achar que se é diferente – nos afectos, nas necessidades – que provoca todos os mal-entendidos e a maior parte das infelicidades.
Muito ganharíamos – se perdêssemos só o que temos de perder e amargar -, se partíssemos do princípio que somos todos iguais, homens e mulheres, eu e tu, eles e nós. E que é o pouco que nos diferencia e distancia, por muito caro que nos saia, que consegue o milagre de tornarmo-nos mais atraentes uns aos outros.
As guerras imaginadas são mil vezes melhores do que as verdadeiras. A ilusão da diferença (de personalidades, sexos, sexualidades, culturas – e tudo o mais que arranjamos para chegar à ficção vaidosa que cada um é como é) passou a ser o que apreciamos ser a nossa nociva e dispensável individualidade.
O Enigma do Ser Humano
Encontramos uma pessoa que achamos interessante. Tentamos, como se costuma dizer, «situá-la». (Tenho o hábito de fazer isso até com os senhores e as senhoras que lêem as notícias na televisão.) Nas nossas recordações, procuramos rostos parecidos com o que temos agora diante de nós. O movimento lento das pálpebras faz lembrar um orador na Associação de Biologia, as comissuras dos lábios são iguais às de um docente de Química em Uppsala nos anos cinquenta. Em suma, uma entoação que conhecemos ali, uma expressão do rosto que recordamos de outro lado, e imaginamos que ficámos a compreender. Reconstituímos o desconhecido com o auxílio do que conhecemos.
O psicanalista no seu consultório (nem sei se é assim que se diz, nunca fui a nenhum) faz, em princípio, o mesmo: associa experiências, recordações, para encontrar as chaves do novo, do desconhecido, com que se confronta.
Mas as peças que vamos buscar, os factos a que recorremos, esse molho de chaves que são os rostos antes encontrados e que fazemos tilintar na nossa mão, é, também ele, o desconhecido. Explicamos um enigma com outro enigma. É a mesma coisa que comprar um novo exemplar do mesmo jornal para confirmar uma notícia em que não acreditamos.
O Universal Opõe-se a Qualquer Época
É admissível que o génio não seja apreciado na sua época porque a ela se opõe; mas pode-se perguntar por que razão é apreciado nas épocas vindouras. O universal opõe-se a qualquer época, pois as características desta são necessariamente particulares; porque será então que o génio, que se ocupa de valores universais e permanentes, é mais favoravelmente recebido por uma época do que por outra?
A razão é simples. Cada época resulta da crítica da época precedente e dos princípios subjacentes à vida civilizacional da mesma. Enquanto que um só princípio está subjacente, ou parece estar subjacente, a cada época, as críticas desse princípio único são variadas, tendo apenas em comum o facto de se ocuparem da mesma coisa. Ao opor-se à sua época, o homem de génio critica-a implicitamente, integrando-se implicitamente numa ou noutra das correntes críticas da época seguinte.
Ele próprio pode produzir uma ou outra dessas correntes, como Wordsworth; pode não produzir nenhuma, como Blake, e contudo viver de acordo com uma atitude paralela à sua, surgida naquela época sem ser por um discipulado propriamente dito.
Quanto mais universal é o génio, mais facilmente será aceite pela época imediatamente a seguir, pois mais profunda será a crítica implícita da sua própria época.
Saber Falar às Multidões
Longos discursos, agitar de punhos, socos na mesa, e resoluções expressas com emoção mas desligadas das condições objectivas, não produzem acção de massas e podem provocar grande dano à organização e à luta que servimos.
(…) Há uma fase na vida de todo o reformador social em que ele troveja nas tribunas, principalmente para se livrar de informação mal digerida que se lhe acumulou na cabeça, uma tentativa para impressionar as multidões, em vez de iniciar uma exposição calma e simples de princípios e ideias, cuja verdade universal se evidencia pela experiência pessoal e estudo mais aprofundado.
O Campo da Experiência Nunca nos Satisfaz
Sendo todos os princípios do nosso entendimento apenas aplicáveis a objectos da experiência possível, toma-se evidente que todo raciocínio racional, que se aplica às coisas situadas fora das condições da experiência, ao invés de alcançar a verdade, apenas deve necessariamente chegar a uma aparência e a uma ilusão.
Mas o que caracteriza tal ilusão é que ela é inevitável (…) a tal ponto que, mesmo quando já nos apercebemos da sua falsidade, nos não podemos libertar dela. (…) De facto, o campo da experiência nunca nos satisfaz. (…) A nossa razão, para se satisfazer, deve, pois, necessariamente, tentar ultrapassar os limites da experiência e, por consequência, persuadir-se infalivelmente de que por esse caminho alcançará a extensão e a integralidade dos seus conhecimentos, coisa que ela não pode encontrar no campo dos fenómenos. Mas esta persuasão é uma ilusão completa: estando totalmente para além dos limites da nossa experiência sensível todos os conceitos e princípios do entendimento, e não podendo então ser aplicados a qualquer objecto, a razão ilude-se a si mesma quando atribui um valor objectivo a máximas completamente subjectivas, que, na realidade, apenas admite para sua própria satisfação.
(…) Todos os nossos raciocínios que pretendem sair do campo da experiência são ilusórios e infundamentados.
O Que Sou e o Que Faço Neste Mundo
Involuntariamente, inconscientemente, nas leituras, nas conversas e até junto das pessoas que o rodeavam, procurava uma relação qualquer com o problema que o preocupava. Um ponto o preocupava acima de tudo: por que é que os homens da sua idade e do seu meio, os quais exactamente como ele, pela sua maior parte, haviam substituído a fé pela ciência, não sofriam por isso mesmo moralmente? Não seriam sinceros? Ou compreendiam melhor do que ele as respostas que a ciência proporciona a essas questões perturbadoras? E punha-se então a estudar, quer os homens, quer os livros, que poderiam proporcionar-lhe as soluções tão desejadas.
(…) Atormentado constantemente por estes pensamentos, lia e meditava, mas o objectivo perseguido cada vez se afastava mais dele. Convencido de que os materialistas nenhuma resposta lhe dariam, relera, nos últimos tempos da sua estada em Moscovo, e depois do seu regresso à aldeia, Platão e Espinosa, Kant e Schelling, Hegel e Schopenhauer. Estes filósofos satisfaziam-no enquanto se contentavam em refutar as doutrinas materialistas e ele próprio encontrava então argumentos novos contra elas; mas, assim que abordava – quer através das leituras das suas obras, quer através dos raciocínios que estas lhe inspiravam – a solução do famoso problema,
A Doutrina da Humanidade
Ter suficiente domínio sobre si mesmo para julgar os outros em comparação consigo e agir em relação a eles como nós quereríamos que eles agissem para connosco é o que se pode chamar a doutrina da humanidade; nada há mais para além disso.
Se não se tem um coração misericordioso e compassivo, não se é um homem; se não se têm os sentimentos da vergonha e da aversão, não se é um homem; se não se têm os sentimentos da abnegação e da cortesia, não se é um homem; se não se tem o sentimento da verdade e do falso ou do justo e do injusto, não se é um homem. Um coração misericordioso e compassivo é o princípio da humanidade; o sentimento da vergonha e da aversão é o princípio da equidade e da justiça; o sentimento da abnegação e da cortesia é o princípio do convívio social; o sentimento do verdadeiro e do falso ou do justo e injusto é o princípio da sabedoria. Os homens têm estes quatro princípios, do mesmo modo que têm quatro membros.
O Verdadeiro Filósofo
Se a ideia de Deus não é conhecida na natureza, deve portanto tratar-se de uma invenção humana… Mas não me olheis como se eu não tivesse sãos princípios e não fosse um fiel servidor do meu rei. Um verdadeiro filósofo não pretende de modo algum subverter a ordem natural das coisas. Aceita-a. Só pretende que o deixem cultivar os pensamentos que consolam uma alma forte. Para os outros, é uma sorte que existam papas e bispos para reter as multidões da revolta e do crime. A ordem do Estado exige uma uniformidade do comportamento, a religião é necessária ao povo e o sábio deve sacrificar parte da sua independência para que a sociedade se mantenha firme.
Não Existe um Verdadeiro Sistema de Pensamentos
Enfaticamente, não pode existir um verdadeiro sistema de pensamentos, pois nenhum sinal pode substituir a realidade. Pensadores profundos e honestos chegam sempre à conclusão de que toda a cognição é condicionada a priori pela sua própria forma e nunca pode alcançar aquela que as palavras significam… E este ignorabimus também está em conformidade com a intuição de todo o verdadeiro sábio: que os princípios abstractos da vida são aceitáveis somente como formas de expressão, máximas banais de uso quotidiano sob as quais a vida corre, como sempre correu, para a frente. Em última análise, a raça é mais forte do que as línguas, e é assim que, debaixo de todos os grandes nomes, houve pensadores, que são personalidades, e não sistemas, que são mutáveis, que produziram efeito sobre a vida.
Do Livre Arbítrio
A ideia de livre arbítrio, na minha opinião, tem o seu princípio na aplicação ao mundo moral da ideia primitiva e natural de liberdade física. Esta aplicação, esta analogia é inconsciente; e é também falsa. É, repito, um daqueles erros inconscientes que nós cometemos; um daqueles falsos raciocínios nos quais tantas vezes e tão naturalmente caímos. Schopenhauer mostrou que a primitiva noção de liberdade é a “ausência de obstáculos”, uma noção puramente física. E na nossa concepção humana de liberdade a noção persiste. Ninguém toma um idiota, ou louco por responsável. Porquê? Porque ele concebe uma coisa no cérebro como um obstáculo a um verdadeiro juízo.
A ideia de liberdade é uma ideia puramente metafísica.
A ideia primária é a ideia de responsabilidade que é somente a aplicação da ideia de causa, pela referência de um efeito à sua Causa. “Uma pessoa bate-me; eu bato àquela em defesa.” A primeira atingiu a segunda e matou-a. Eu vi tudo. Essa pessoa é a Causa da morte da outra.” Tudo isto é inteiramente verdade.
Assim se vê que a ideia de livre arbítrio não é de modo algum primitiva; essa responsabilidade, fundada numa legítima mas ignorante aplicação do princípio de Causalidade é a ideia realmente primitiva.
Homem e Mulher num Corpo Só
Um homem quando casa, se o faz verdadeiramente apaixonado, ao princípio não consegue tocar o corpo da sua mulher sem se perturbar e incendiar em desejo carnal; mas à medida que o tempo passa, acostuma-se, e chega um dia em que é o mesmo para ele tocar com a mão a coxa nua de sua mulher ou a sua própria coxa; mas também se então tivessem de cortar a perna a sua mulher, doer-lhe-ia como se lha cortassem a ele próprio!
A Felicidade vem da Monotonia
Em sua essência a vida é monótona. A felicidade consiste pois numa adaptação razoavelmente exacta à monotonia da vida. Tornarmo-nos monótonos é tornarmo-nos iguais à vida; é, em suma, viver plenamente. E viver plenamente é ser feliz.
Os ilógicos doentes riem – de mau grado, no fundo – da felicidade burguesa, da monotonia da vida do burguês que vive em regularidade quotidiana e, da mulher dele que se entretém no arranjo da casa e se distrai nas minúcias de cuidar dos filhos e fala dos vizinhos e dos conhecidos. Isto, porém, é que é a felicidade.
Parece, a princípio, que as cousas novas é que devem dar prazer ao espírito; mas as cousas novas são poucas e cada uma delas é nova só uma vez. Depois, a sensibilidade é limitada, e não vibra indefinidamente. Um excesso de cousas novas acabará por cansar, porque não há sensibilidade para acompanhar os estímulos dela.
Conformar-se com a monotonia é achar tudo novo sempre. A visão burguesa da vida é a visão científica; porque, com efeito, tudo é sempre novo, e antes de este hoje nunca houve este hoje.
É claro que ele não diria nada disto. Às minhas observações,
Penso, logo Existo
De há muito tinha notado que, pelo que respeita à conduta, é necessário algumas vezes seguir como indubitáveis opiniões que sabemos serem muito incertas, (…). Mas, agora que resolvera dedicar-me apenas à descoberta da verdade, pensei que era necessário proceder exactamente ao contrário, e rejeitar, como absolutamente falso, tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não ficaria qualquer coisa nas minhas opiniões que fosse inteiramente indubitável.
Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, eu quis supor que nada há que seja tal como eles o fazem imaginar. E porque há homens que se enganam ao raciocinar, até nos mais simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos, rejeitei como falsas, visto estar sujeito a enganar-me como qualquer outro, todas as razões de que até então me servira nas demonstrações. Finalmente, considerando que os pensamentos que temos quando acordados nos podem ocorrer também quando dormimos, sem que neste caso nenhum seja verdadeiro, resolvi supor que tudo o que até então encontrara acolhimento no meu espírito não era mais verdadeiro que as ilusões dos meus sonhos. Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso,
Moral Divina
Não se deve escutar as pessoas que nos aconselham, sob o pretexto de que somos homens, de só pensar nas coisas humanas e, sob pretexto de que somos mortais, de renunciar às coisas imortais. Mas, na medida do possível, devemos tornar-nos imortais e tudo fazer para viver conforme à parte mais excelente de nós mesmos, pois o princípio divino, por mais fraco que seja pelas suas dimensões, prevalece, e muito, sobre qualquer outra coisa pelo seu poder e pelo seu valor.
O Desperdício
O desperdício. Ele é a faixa mais larga de todo o acontecer no universo. E na vida. Quanta energia se esgota até ao seu nada, para ter razão esse tal segundo princípio da termodinâmica. Que mundo incrível se perdeu com as pessoas que se não cumpriram, que fracção enorme do cérebro ficou sem aplicação. E numa simples vida, que gasto enorme no comer e no dormir. Nós podíamos ser como as plantas de raízes aéreas e que só comem ar. Ou ser como o sol, que não dorme. Ou Deus que também não, até há pouco. Mas nessa desproporção alucinante entre o que se desperdiça e o que se aproveita, o homem cria o espaço para ser maior que o universo. Porque foi preciso o homem para o universo nascer. Tudo tão pouco.
A Eleição Narcísica dos Ideais dos Povos
As pessoas estarão sempre prontamente inclinadas a incluir entre os predicados psíquicos de uma cultura os seus ideais, ou seja, as suas estimativas a respeito de que realizações são mais elevadas e em relação às quais se devem fazer esforços por atingir. Parece, a princípio, que esses ideais determinam as realizações da unidade cultural; contudo, o curso real dos acontecimentos parece indicar que os ideais baseiam-se nas primeiras realizações que foram tornadas possíveis por uma combinação entre os dotes internos da cultura e as circunstâncias externas, e que essas primeiras realizações são então erigidas pelo ideal como algo a ser levado avante. A satisfação que o ideal oferece aos participantes da cultura é, portanto, de natureza narcísica; repousa no seu orgulho pelo que já foi alcançado com êxito. Tornar essa satisfação completa exige uma comparação com outras culturas que visaram a realizações diferentes e desenvolveram ideais distintos. É a partir da intensidade dessas diferenças que toda a cultura reivindica o direito de olhar com desdém para o resto. Desse modo, os ideais culturais tornam-se fonte de discórdia e inimizades entre unidades culturais diferentes, tal como se pode constatar claramente no caso das nações.
O Pranto e o Riso
Se o Pranto e o Riso aparecessem neste grande teatro no traje da verdade (sempre nua), sem dúvida seria a vitória do Pranto. Mas vestido, ornado e armado de uma tão superior eloquência, que o Riso se ria do Pranto, não é merecimento, foi sorte. De tudo quanto ri saiu vestido, ornado e armado o Riso: riem-se os prados e saiu vestido de flores: ri-se a Aurora, e saiu ornado de luzes; e se aos relâmpagos e raios chamou a Antiguidade Risus Vestae, et Vulcani, entre tantos relâmpagos, trovões e raios de eloquência, quem não julgará ao miserável Pranto cego, atónito e fulminado? Tal é a fortuna, ou a natureza, destes dois contrários. Por isso nasce o Riso na boca, como eloquente, e o Pranto nos olhos, como mudo.
(…) Demócrito ria sempre: logo nunca ria. A consequência parece difícil e é evidente. O Riso, como dizem todos os Filósofos, nasce da novidade e da admiração e cessando a novidade ou a admiração, cessa também o riso; e como Demócrito se ria dos ordinários desconcertos do mundo, e o que é ordinário e se vê sempre não pode causar admiração nem novidade; segue-se que nunca ria, rindo sempre, pois não havia matéria que motivasse o riso.
Os Caminhos Insondáveis do Progresso da Humanidade
O progresso não é necessário por uma necessidade metafísica: pode-se dizer apenas que muito provavelmente a experiência acabará por eliminar as falsas soluções e por se livrar dos impasses. Mas a que preço, por quantos meandros? Não se pode nem mesmo excluir, em princípio, que a humanidade, como uma frase que não se consegue concluir, fracasse no meio do caminho.
Decerto o conjunto dos seres conhecidos pelo nome de homens e definidos pelas características físicas que se conhecem tem também em comum uma luz natural, uma abertura ao ser que torna as aquisições da cultura comunicáveis a todos eles e somente a eles. Mas esse lampejo que encontramos em todo o olhar dito humano é visto tanto nas formas mais cruéis do sadismo quanto na pintura italiana. É justamente ele que faz com que tudo seja possível da parte do homem, e até o fim.
A Moralidade dos Homens Exaustos
Parte do conservantismo da idade madura decorre da inteligência, que afinal percebe a complexidade das instituições e as imperfeições do desejo; e parte vem do enfraquecimento das energias, o que explica a imaculada moralidade dos homens exaustos. A princípio com incredulidade, depois com desepero, vamos percebendo que o nosso reservatório de energia já não se enche com a facilidade antiga; ou, como disse Schopenhauer, começamos a consumir o capital em vez da renda do capital. Essa descoberta anuvia por alguns anos o homem maduro e indu-lo a deblaterar contra a brevidade da vida e a impossibilidade de realização de grandes obras. Está ele já no alto da colina, de onde vê, lá no fundo, o fim inevitável – a morte. Até aquele momento não admitia a morte, só pensando nela como um tema académico, de desinteresse para os cofres. Subitamente tudo muda e começa a vê-la de perto, e por mais que se esforce para não descer a colina, há que descê-la. Os seus olhos voltam-se para o passado, para os dias em que tudo era ascensão descuidosa; e compraz-se na companhia dos moços e crianças porque deles haure, passageira e incompletamente embora, um pouco do divino esquecimento da morte.