Textos sobre Próprio

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Textos de próprio escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Verdadeiro e o Falso

A primeira diligência do espírito é a de distinguir o que é verdadeiro do que é falso. No entanto, logo que o pensamento reflecte sobre si próprio, o que primeiro descobre é uma contradição. Seria ocioso procurar, neste ponto, ser-se convincente. Ninguém, há séculos, deu uma demonstração mais clara e mais elegante do caso do que Aristóteles: “A consequência, muitas vezes ridicularizada, dessas opiniões é que elas se destroem a si próprias”.

Porque, se afirmarmos que tudo é verdadeiro afirmamos a verdade da afirmação oposta, e, em consequência, a falsidade da nossa própria tese (porque a afirmação oposta não admite que ela possa ser verdadeira). E, se dissermos que tudo é falso, essa afirmação também é falsa. Se declararmos que só é falsa a afirmação oposta à nossa, ou então que só a nossa e que não é falsa, somos, todavia, obrigados a admitir um número infinito de juízos verdadeiros ou falsos.

Porque aquele que anuncia uma afirmação verdadeira, pronuncia ao mesmo tempo o juízo de que ela é verdadeira, e assim sucessivamente, até ao infinito.

A Alma é o Bem Supremo

Devemos circunscrever o bem supremo à alma: degradá-lo-emos se em vez da melhor parte de nós o associarmos antes à pior, se o pusermos na dependência dos sentidos que nos animais sem fala são bem mais apurados do que no homem. Não devemos atribuir ao corpo o ponto mais alto da nossa felicidade; os bens verdadeiros são aqueles que devemos à razão – bens firmes e duradouros, insusceptíveis de decadência, incapazes de padecerem qualquer decréscimo ou limitação! Os restantes bens são-no somente na opinião do vulgo; na realidade apenas têm de comum o nome com os bens verdadeiros, mas carecem das propriedades que distinguem um «bem» real. Chamemos-lhes antes «utilidades» ou, para usar o termo técnico, «recursos desejáveis», mas sem perder de vista que se trata de «utensílios», não de partes de nós mesmos; tenhamo-los à mão, mas sem esquecer que são exteriores a nós; e mesmo tendo-os à mão atribuamos-lhes um lugar subalterno e secundário, como coisas de que ninguém se deve orgulhar. Há coisa mais estúpida do que nos vangloriarmos de algo que não fizemos? Deixemos que todos esses falsos bens nos caibam em sorte mas sem se colarem a nós de modo a que, se ficarmos sem eles,

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As Lágrimas e o Amor

As lágrimas das raparigas refrescam-me. Levantam-me o moral. Às vezes lambo-as dos cantos dos olhos. São mini-margaridas, sem álcool, inteiramente naturais. Dizer «Não chores» funciona sempre, porque só mencionar o verbo «chorar» emociona-as e liberta-as, dando-lhe a carta branca para chorar ainda mais. Só intervenho com piadas e palavras de esperança e de amor quando elas vão longe demais e começam, por exemplo, a pingar do nariz.

As raparigas, depois de chorar, ficam com vontade de fazer amor. É como se tivessem apanhado uma carga de chuva. Ficam todas molhadas. Nós somos a toalha que está mais à mão. O turco maluco com que se embrulham e enxutam. É horrível, não é? Mas só um santo não se aproveitaria.

E as raparigas que choram depois de se virem? Estarão assim tão arrependidas? Comovidas? Simplesmente agradecidas? Gostaria de pensar que sim. As três coisas, pelo menos. Elas próprias não sabem. Riem-se logo de seguida. As piores são as que se riem logo ao princípio. Mas as piores também são muito queridas.

Grandes Planos de Vida

Uma das maiores e mais frequentes asneiras consiste em fazer grandes planos para a vida, qualquer que seja a sua natureza. Para começar, esses planos pressupõem uma vida humana inteira e completa, que, no entanto, somente pouquíssimos conseguem alcançar. Além disso, mesmo que estes consigam viver muito, esse período de vida ainda é demasiado curto para tais planos, uma vez que a sua realização exige sempre muito mais tempo do que se imaginava; esses projectos, ademais, como todas as coisas humanas, estão de tal modo sujeitos a fracassos e obstáculos, que raramente chegam a bom termo. E, mesmo se no final tudo é alcançado, não se leva em conta o facto de que no decorrer dos anos o próprio ser humano se modifica e não conserva as mesmas capacidades nem para agir, nem para usufruir:

aquilo que se propôs fazer durante a vida toda, na velhice parece-lhe insuportável – já não tem condições de ocupar a posição conquistada com tanta dificuldade, e portanto as coisas chegaram-lhe tarde demais; ou o inverso, quando ele quis fazer algo de especial e realizá-lo, é ele que chega tarde demais com respeito às coisas. O gosto da época mudou, a nova geração não se interessa pelas suas conquistas,

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Junta os Dons do Espírito às Vantagens do Corpo

Para ser amado, sê amável, para o que não bastará a beleza do rosto ou do corpo. Se pretendes conservar a tua amiga e não teres nunca a surpresa de ser abandonado, mesmo que sejas Nireu, amado pelo velho Homero, ou o Hilas de delicada beleza que as Náiades raptaram por meio de um crime, junta os dons do espírito às vantagens do corpo. A beleza é um bem muito frágil, tudo o que se acrescenta aos anos a diminui, murcha com a própria duração. As violetas e os lírios com as suas corolas abertas não florescem sempre; e na rosa, depois de caída, só o espinho permanece. Também tu, belo adolescente, cedo conhecerás cabelos brancos, cedo conhecerás as rugas que sulcam o teu corpo. Forma desde já um espírito que dure e fortalece a beleza; só ele subsiste até à fogueira fúnebre.

Um Grande Carácter não é Comparável

Quando vemos um grande homem, imaginamos uma semelhança com alguma personalidade histórica e profetizamos a sequência do seu carácter e do seu destino, dedução que necessariamente falhará. Ninguém jamais resolverá o problema do seu carácter, de acordo com os nossos prognósticos, mas de acordo com a própria orientação, personalíssima e sem precedente.
O carácter aspira à largueza; não se deve misturar com as pessoas, nem ser julgado por episódios colhidos na velocidade da vida quotidiana ou em poucas ocasiões. Como um grande edifício, necessita de perspectiva. Não pode formar, e provavelmente não forma, relações rapidamente; e não devemos desejar explicações precipitadas, seja na ética popular ou na nossa própria, da sua acção.

O Castigo do Egoísta

Quem não sabe viver com caridade e abraçar a dor dos outros, tem como castigo sentir com violência intolerável a dor própria. A dor só pode suportar-se tornando-a comum e compartilhando-a com os outros que sofrem. O castigo do egoísta está em só disso se aperceber sob a férula (castigo), tentando em vão aprender a caridade, por interesse.

Saber Avaliar as Situações

O que perturba os homens não são as coisas, mas os juízos que os homens formulam sobre as coisas. A morte, por exemplo, nada é de temível – e Sócrates, quando dele a morte se foi aproximando, de maneira nenhuma se apresentou a morte como algo de tremendamente terrível. Mas no juízo que fazemos da morte, considerando-a temível, é que reside o aspecto terrível da morte. Quando somos hostilizados, contrariados, perturbados, atormentados e magoados, não devemos sacar as culpas a outrem, mas a nós próprios, isto é, aos nossos juízos pessoais e mais íntimos. Acusar os outros das suas infelicidades é mera acção de um ignorante; responsabilizar-se a si próprio por todas as contrariedades é coisa de um homem que começa a instruir-se; e não culpabilizar ninguém nem tão pouco a si próprio, então, sim, então é já feito de um homem perfeitamente instruído.

O Sentimento Religioso Profundo da Ciência

Falando do espírito que anima as investigações científicas modernas, sou da opinião de que todas as brilhantes especulações no reino da ciência nascem de um sentimento religioso profundo e de que sem esse sentimento elas não seriam frutuosas. Também acredito que este tipo de religiosidade que hoje em dia se faz sentir na investigação científica é a única actividade religiosa criativa do nosso tempo. A arte contemporânea dificilmente pode ser encarada como um meio de expressão dos nossos instintos religiosos (…) Mas o conteúdo da própria teoria científica não oferece qualquer fundamento moral no que respeita à conduta pessoal.

A Lei do Mais Forte

Durante muito tempo dissemos que a competição e a eliminação dos mais fracos eram o motor da evolução natural. Sem querer, demos crédito à chamada lei do mais forte. Sancionamos o pecado da ira dos poderosos no extermínio dos chamados fracos. Sabemos hoje que a simbiose é um dos mecanismos mais poderosos de evolução. Mas deixámos que isso ficasse no esquecimento. E continuamos ainda hoje vasculhando exemplos isolados de simbiose quando a Vida é toda ela um processo de simbiose global. Sabemos hoje que a capacidade de criar diversidade foi o mais importante segredo da nossa época como espécie que se adaptou e sobreviveu. No entanto, vamo-nos contentando com o estatuto que a nós mesmos conferimos: o sermos a espécie «sabedora».

Alimentámo-nos de receios e essa será mais uma manifestação da gula. Temos medo de errar. Esse medo leva à proibição de experimentar outros caminhos, sufocados pelo cientificamente correcto, pelo estatisticamente provado, pelo laboratorialmente certificado. Deveríamos ser nós, biólogos, a mostrar que o erro é um dos principais motores da evolução. A mutação é um erro criativo que funciona, um erro que fabrica a diversidade.
Os avanços no domínio do conhecimento fazem-se através de caminhos paradoxais. A nossa ciência,

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A Violência Oculta

A primeira razão por que a violência maior actua de modo silencioso, e das poucas vezes que falamos dela falamos apenas da ponta do icebergue. Nós acreditamos que estamos perante fenómenos de violência apenas quando essa tensão assume proporções visíveis, quando ela surge como espectáculo mediático. Mas esquecemos que existem formas de violência oculta que são gravíssimas. Esquecemos, por exemplo, que todos os dias, no nosso país, são sexualmente violentadas crianças. E que, na maior parte das vezes, os agressores não são estranhos. Quem viola essas crianças são principalmente parentes. Quem pratica esse crime é gente da própria casa.

Nós temos níveis altíssimos de violência doméstica, em particular, de violência contra a mulher. Mas esse assunto parece ser preocupação de poucos. Fala-se disso em algumas ONGs, em alguns seminários. A Lei contra a violência doméstica ainda não foi aprovada na Assembleia da República.

Existem várias outras formas invisíveis de violência. Existe violência quando os camponeses são expulsos sumariamente das suas terras por gente poderosa e não possuem meios para defender os seus direitos. Existe uma violência contida quando, perante o agente corrupto da autoridade, não nos surge outra saída senão o suborno. Existe, enfim, a violência terrível que é o vivermos com medo.

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Captar a Oportunidade no Momento Justo

Já percebeste que deves subtrair-te a essas tuas ocupações ilusórias e nocivas, mas ignoras ainda o modo de o conseguir. Ora há coisas que só estando presente te posso indicar! O médico também não pode determinar por carta a hora adequada para a alimentação ou para o banho: tem de tomar o pulso ao doente. Diz um antigo provérbio que o gladiador só forma o seu plano na arena a partir da observação do rosto do adversário, do modo como move os braços, da própria postura do corpo. Observações sobre os costumes, sobre os deveres, é possível fazê-las de um modo geral e por escrito; são conselhos que se podem dar não só a ausentes, como até à posteridade. Mas a maneira e a ocasião de tomar uma decisão concreta, isso ninguém pode aconselhá-lo à distância, é forçoso deliberar em face das próprias circunstâncias.
Para captar a oportunidade no momento justo é preciso não só estar presente, como estar atento. Põe-te, por conseguinte na expectativa, e assim que surpreenderes a oportunidade agarra-a com toda a rapidez, com toda a energia, e liberta-te definitivamente desses teus falacciosos deveres! Repara bem no conselho que te dou: em meu entender tens de libertar-te desse tipo de vida,

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Os Dias Zangados São Dias de Amor

Raios partam os dias zangados. Nada há que se possa fazer para fugir deles. Esperam por nós, como credores ajudados por juros injustificáveis, para nos cortarem a fatia do nosso coração que lhes cabe.
Não são como os dias tristes, que não conseguem habituar-se a uma realidade qualquer, que se revelou, sem querer, desiludindo-nos de uma ilusão que nós próprios inventámos, para mais facilmente podermos acreditar, falsamente, nela. Mas assemelham-se para mais bem nos poderem magoar. Depois. Quase ao mesmo tempo. Bem.
Quem não tem um dia zangado, em que ninguém ou nada corresponde ao que esperávamos? A felicidade é a excepção e o engano. Resulta mais de um esquecimento do que de uma lembrança.
Pouco há de certo neste mundo. São muitos os pobres, mas não são poucos os ricos. As pessoas do sexo masculino não se entendem nem com as pessoas do sexo masculino, nem com as do sexo feminino. As pessoas, sejam de que sexo e sexualidade forem, compreendem-se mal. Dão-se mal, por muito bem que se dêem. As mais apaixonadas umas pelas outras são as que menos bem aceitam as diferenças, as incompreensões, os dias zangados e as noites zangadas que apenas servem para nos relembrar que todos nós nascemos e morremos sozinhos.

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A Realidade da Vida e a Realidade do Mundo

A nossa crença na realidade da vida e na realidade do mundo não são, com efeito, a mesma coisa. A segunda provém basicamente da permanência e da durabilidade do mundo, bem superiores às da vida mortal. Se o homem soubesse que o mundo acabaria quando ele morresse, ou logo depois, esse mundo perderia toda a sua realidade, como a perdeu para os antigos cristãos, na medida em que estes estavam convencidos de que as suas expectativas escatológicas seriam imediatamente realizadas. A confiança na realidade da vida, pelo contrário, depende quase exclusivamente da intensidade com que a vida é experimentada, do impacte com que ela se faz sentir.
Esta intensidade é tão grande e a sua força é tão elementar que, onde quer que prevaleça, na alegria ou na dor, oblitera qualquer outra realidade mundana. Já se observou muitas vezes que aquilo que a vida dos ricos perde em vitalidade, em intimidade com as «boas coisas» da natureza, ganha em refinamento, em sensibilidade às coisas belas do mundo. O facto é que a capacidade humana de vida no mundo implica sempre uma capacidade de transcender e alienar-se dos processos da própria vida, enquanto a vitalidade e o vigor só podem ser conservados na medida em que os homens se disponham a arcar com o ónus,

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A Instabilidade e Imprevisibilidade do Nosso Comportamento

Não deveis estranhar se hoje vedes poltrão aquele que ontem vistes tão intrépido: ou a cólera, ou a necessidade, ou a companhia, ou o vinho, ou o som de uma trombeta, tinham-lhe incutido coragem. Não se trata de uma coragem que a razão haja modelado; foram as circunstâncias que lhe deram consistência; não espanta, pois, que circunstâncias contrárias a tenham transformado.
Esta tão flexível variação e estas contradições que em nós se vêem, fizeram com que alguns imaginassem termos duas almas, e que outros supusessem que dois poderes nos acompanham e agitam, cada qual à sua maneira, um tendendo para o bem, o outro para o mal, já que tão brutal diversidade não poderia atribuir-se a uma só entidade.
Não somente o vento dos acidentes me agita consoante a direcção para que sopra, mas, ademais, eu agito-me e perturbo-me a mim próprio pela instabilidade da minha postura; e quem, antes do mais, se observar, nunca se achará duas vezes no mesmo estado. Confiro à minha alma ora um rosto ora outro, conforme o lado sobre que a pousar. Se falo de mim de diferentes maneiras é porque de maneiras diferentes me observo. Toda a sorte de contradições se podem encontrar em mim sob algum ponto de vista e sob alguma forma.

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A Cantiga do Optimismo

Não embarquem na cantiga do optimismo. Sempre que possível, vejam as coisas pelo lado ruim. Desejem o melhor, mas não deixem nunca de esperar o pior. E saibam que dois terços das conquistas do Homem se fizeram, mais do que pelo optimismo dos seus autores, em resultado do pessimismo dos vizinhos daqueles. Os compêndios irão contra vós. Dir-vos-ão que são cínicos, escapistas, pobres cultores da ideia de supremacia do mal sobre o bem, tristes conformistas destinados ao imobilismo e mais nada. Não acreditem. Se há uma coisa capaz de mover montanhas, é ter ao lado um sacana a dizer «Não consegues, pá, dês as voltas que deres não consegues» – e, aliás, nós próprios concordarmos com ele. Em todo o caso, o mal exerce efectivamente supremacia sobre o bem. Vocês sabem que as crianças choram antes de rir – e que. muito antes de aprenderem o potencial sedutor de um sorriso, já conhecem as virtudes chantagísticas de uma boa gritaria.

Não pensem que o método é meu. Insinuou-o Voltaire, no seu Candide, à revelia dos optimistas taralhoucos que vieram antes e depois dele, como Leibniz ou Godwin. Gramsci tratou da exegese. O verdadeiro segredo? O verdadeiro método? «É preciso atrair violentamente a atenção para o presente do modo como ele é.

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O Amor Social

É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena sermos bons e honestos. Vivemos já muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade; chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu. Uma tal destruição de todo o fundamento da vida social acaba por nos colocar uns contra os outros, na defesa dos próprios interesses, provoca o despertar de novas formas de violência e crueldade e impede o desenvolvimento de uma verdadeira cultura do cuidado do meio ambiente.

O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convida-nos a pôr em prática o pequeno caminho do amor, a não perder a oportunidade de uma palavra gentil, de um sorriso, de qualquer pequeno gesto que semeie paz e amizade. Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo. Pelo contrário, o mundo do consumo exacerbado é, simultaneamente, o mundo que maltrata a vida em todas as suas formas.

O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político,

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A Estranheza dá Crédito

O verdadeiro campo e assunto da impostura são as coisas desconhecidas. Isso porque em primeiro lugar a própria estranheza dá crédito; e depois, não estando sujeitas às nossas reflexões habituais, elas tiram-nos os meios de as combater. Por causa disso, diz Platão, é muito mais fácil satisfazer ao falar da natureza dos deuses do que da natureza dos homens, porque a ignorância dos ouvintes abre um belo e amplo caminho e toda a liberdade para o manejo de uma matéria secreta.
Advém daí que nada é aceite tão firmemente como aquilo que menos se sabe, nem há pessoas tão seguras como as que nos contam fábulas, como alquimistas, prognotiscadores, astrólogos, quiromantes, médicos, toda a gente dessa espécie (Horácio). A eles eu acrescentaria de bom grado, se ousasse, um bando de pessoas, intérpretes e controladores habituais dos desígnios de Deus, que têm a pretensão de descobrir as causas de cada acontecimento e de ver nos segredos da vontade divina os incompreensíveis motivos das suas obras; e, embora a variedade e a disparidade contínua dos factos os lance de um canto para o outro e do ocidente para o oriente, não deixam entretanto de persistir no que é seu e com o mesmo lápis pintar o preto e o branco.

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O Serviço Militar Obrigatório

Deixem-me começar com uma confissão de fé política: o Estado é feito para o homem, não o homem para o Estado. Isto é igualmente verdade em ciência. Estas são convicções antigas pronunciadas por aqueles para quem o homem em si é o valor humano mais alto. Não teria de repeti-las se não fosse o facto de estarem constantemente em perigo de serem esquecidas, especialmente nos dias que correm, de standardização e de estereotipia. Creio que a missão mais importante do Estado é a de proteger o indivíduo e tornar possível o desenvolvimento de uma personalidade criativa.
O Estado deve ser nosso servo; não devemos ser escravos do Estado. O Estado viola este princípio quando nos força ao serviço militar obrigatório, especialmente porque o objectivo e efeito de tal servidão é matar pessoas de outras terras ou restringir-lhes a liberdade. De facto, somente devemos fazer sacrifícios em nome do Estado se servirem o livre desenvolvimento do homem (…)
O nacionalismo, actualmente elevado a alturas excessivas, está, em minha opinião, intimamente associado à instituição do serviço militar obrigatório ou, utilizando um eufemismo, à milícia. Qualquer Estado que exija o serviço militar aos seus cidadãos é compelido a cultivar neles o espírito do nacionalismo,

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Reflexões sobre a Guerra

As vantagens do aumento da amplitude das unidades sociais são principalmente evidentes em caso de guerra. De resto, a guerra foi em todos os tempos a causa principal desse crescimento, da transformação das famílias em tribos, das tribos em nações e das nações em coligações. Nas muito embora seja grande o interesse das nações poderosas em triunfar, algumas começam a compreender que há qualquer coisa preferível à própria vitória, que é evitar a guerra. No passado, a guerra era às vezes uma empresa proveitosa. A Guerra dos Sete Anos, por exemplo, proporcionou aos ingleses excelente rendimento em relação ao capital nela empregado, e os lucros conseguidos pelos vencedores nas guerras primitivas foram ainda mais evidentes. Mas o mesmo não sucede nos conflitos modernos, por duas razões principais: primeiro, porque os armamentos se tornaram extremamente caros; segundo, porque os grupos sociais envolvidos numa guerra moderna são muito importantes.
É um erro pensar que a guerra moderna é mais destruidora de vidas do que o foram os conflitos menos importantes de outrora. Antigamente, a percentagem das perdas em relação aos efectivos envolvidos na luta era por vezes tão elevada como hoje; e além das perdas em combate, as mortes causadas pelas epidemias eram em geral numerosas.

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