Textos sobre Regime

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Textos de regime escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Vulgaridade Intelectual

Hoje, (…) o homem médio tem as «ideias» mais taxativas sobre quanto acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu o uso da audição. Para quê ouvir, se já tem dentro de si o que necessita? Já não é época de ouvir, mas, pelo contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir. Não há questão de vida pública em que não intervenha, cego e surdo como é, impondo as suas «opiniões».
Mas não é isto uma vantagem? Não representa um progresso enorme que as massas tenham «ideias», quer dizer, que sejam cultas? De maneira alguma. As «ideias» deste homem médio não são autenticamente ideias, nem a sua posse é cultura. A ideia é um xeque-mate à verdade. Quem queira ter ideias necessita antes de dispor-se a querer a verdade, e aceitar as regras do jogo que ela imponha. Não vale falar de ideias ou opiniões onde não se admite uma instância que as regula, uma série de normas às quais na discussão cabe apelar. Estas normas são os princípios da cultura. Não me importa quais são. O que digo é que não há cultura onde não há normas. A que os nossos próximos possam recorrer.
Não há cultura onde não há princípios de legalidade civil a que apelar.

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A Face Oculta dos Progressos Técnicos

Os progressos técnicos, que toda a gente está confundindo cada vez mais com progresso humano, vão criar cada vez mais também um suplemento de ócio que, excelente em si próprio, porque nos aproxima exactamente daquele contemplar dos lírios e das aves que deve ser nosso ideal, vai criar, olhado à nossa escala, uma força de ataque e de triunfo; mais gente vai ter cada vez mais tempo para ouvir rádio e para ir ao cinema, para frequentar museus, para ler revistas ou para discutir política, e sem que preparo algum lhe possa ter sido dado para utilizar tais meios de cultura: a consequência vai ser a de que a qualidade do que for fornecido vai descer cada vez mais e a de que tudo o que não for compreendido será destruído; raros novos beneditinos salvarão da pilhagem geral a sempre reduzida antologia que em tais coisas é possível salvar-se.
O choque mais violento vai dar-se exactamente, como era natural, nos países em que existir uma liberdade maior; nos outros, as formas autoritárias de regime de certo modo poderão canalizar mais facilmente a Humanidade para a utilização desse ócio; sucederá, porém, o seguinte: nos países não-livres, porque nenhum há livre,

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Encaminhamo-nos para uma Grave Crise

A situação económica tem-se agravado e tenderá a agravar-se. Tendo causas estruturais, as dificuldades da economia não podem ser vencidas por medidas através das quais o governo procura fazer face aos mais agudos problemas de conjuntura. O afrouxamento do ritmo de desenvolvimento, a baixa da produção agrícola, os défices sempre crescentes, do comércio externo, a inflacção, a acentuação do atraso relativo da economia portuguesa em relação às economias dos outros países europeus, mostram a incapacidade do regime para promover o aproveitamento dos recursos nacionais, o fracasso da «reconversão agrícola» e a asfixia da economia portuguesa pela dominação monopolista, pelas limitações do mercado interno provocadas pela política de exploração e miséria das massas e pela subjugação ao imperialismo estrangeiro. (…) O processo de integração europeia, dado o atraso da economia portuguesa, agravará a situação.

Os monopólios dominantes e o seu governo procuram sair das contradições e dificuldades, assegurar altos lucros, apressar a acumulação, conseguir uma capacidade competitiva no mercado internacional: 1) intensificando ainda mais a exploração da classe operária e das massas trabalhadoras; 2) aumentando os impostos; 3) dando curso à subida dos preços; 4) apressando a centralização e a concentração; 5) pondo de forma crescente os recursos do Estado ao serviço dos monopólios;

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Os Portugueses São Profundamente Vaidosos

Os Portugueses são profundamente vaidosos. Quando me dizem que eu sou muito vaidosa, eu, nisso, sinto-me muito portuguesa. Quando, por exemplo, os Franceses me dizem, com uma linguagem muito catedrática, «eu conheço muito bem os Portugueses através de toda essa onda de emigração, eles são muito humildes e dizem que o lugar onde gostariam de morrer seria em França», eu digo «tenha cuidado, o português mente sempre. É como o japonês, mente sempre.» Porque tem receio de mostrar o seu complexo de superioridade. Ele acha que é imprudente e que é até disparatado, mas que faz parte da sua natureza. Portanto, apresenta uma espécie de capa e de fisionomia de humildade, modéstia, submissão. Mas não é nada disso, é justamente o contrário. Houve épocas da nossa História em que a sua verdadeira natureza pôde expandir-se sem cair no ridículo, mas há outras em que não. E então, para se defender desse ridículo, o português parece essa pessoa modesta, cordata, que não levanta demasiados problemas, seja aos regimes seja na sua vida particular.

A Crise da Democracia

É natural que a crise da democracia, impossível de negar, se revele sob o aspecto de sucessivas crises políticas. Mas para quê jogar com as palavras? Quando a máquina se desarranja, frequentemente, por melhor eco e por mais vistosas engrenagens que possua, torna-se urgente pô-la de lado como inútil, aproveitando-lhe, é claro, as inovações, tudo o que for susceptível de aplicar a outra máquina…
(…) Não é possível negar certas verdades e conquistas da democracia que são hoje indispensáveis à vida de todos os regimes. Mas os sistemas propriamente ditos, na sua inteireza, nascem, vivem e morrem como os homens. As escolas políticas e sociais são como as escolas literárias. Esgotada a sua capacidade criadora, a sua flama, perdem a força, extinguem-se, depois de terem deixado a sua marca, o traço profundo da sua influência. Os próprios defensores da democracia procuram transigir com o espírito do seu tempo, confessando e admitindo a necessidade de modificar o sistema das suas ideias, de renovar os órgãos da democracia. Mas que propõem eles, afinal, para que se efective essa renovação? Medidas ridículas que não se adaptam ao próprio sistema: ligeiras alterações no regulamento interno das Câmaras, limitações no tempo dos discursos, restrições no uso da palavra,

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Conquista e Governação

Quando os estados que se conquistam têm a tradição de viver segundo as suas leis e em liberdade, para a sua conservação existem três opções: a primeira é a sua destruição; a segunda é ir para lá viver o príncipe conquistador; e a terceira consiste em deixá-los viver de acordo com as suas leis, mas exigindo-lhes um tributo e criando no seu seio uma oligarquia que vos garanta a sua fidelidade. Porque, sendo este novo poder uma criação daquele príncipe, sabem os seus mandatários que não podem sobreviver sem a sua amizade e apoio, tudo havendo de fazer para manter o novo regime. E mais facilmente se conserva uma cidade habituada a viver livre através do consenso dos seus cidadãos do que de qualquer outro modo.
(…) Na verdade, o único modo seguro de conservar uma cidade conquistada é a sua destruição. Quem se torna senhor de uma cidade habituada a viver livre e a não desfaça, pode preparar-se para ser por ela desfeito, porque sempre encontrarão grande receptividade no seio da rebelião a recordação da liberdade e das antigas instituições, as quais nem pela acção do tempo nem pela concessão de benesses se apagarão da sua memória. O que quer que se faça ou se disponha,

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O Jornal é o Fole Incansável que Assopra a Vaidade Humana

Pelo jornal, e pela reportagem que será a sua função e a sua força, tu desenvolverás, no teu tempo e na tua terra, todos os males da Vaidade! (…) Como a reportagem hoje se exerce, menos sobre os que influem nos negócios do Mundo, ou nas direcções do pensamento , do que, como diz a Bíblia, sobre toda a «sorte e condições de gente vã», desde os jóqueis até aos assassinos, a sua indiscriminada publicidade concorre pouco para a documentação da história, e muito, prodigiosamente, escandalosamente, para a propagação das vaidades! O jornal é com efeito o fole incansável que assopra a vaidade humana, lhe irrita e lhe espalha a chama. De todos os tempos é ela, a vaidade do homem! Já sobre ela gemeu o gemebundo Salomão, e por ela se perdeu Alcibíades, talvez o maior dos Gregos. Incontestavelmente, porém, meu Bento, nunca a vaidade foi, como no nosso danado século XIX, o motor ofegante do pensamento e da conduta. Nestes estados de civilização, ruidosos e ocos, tudo deriva da vaidade, tudo tende à vaidade. E a forma nova da vaidade para o civilizado consiste em ter o seu rico nome impresso no jornal, a sua rica pessoa comentada no jornal!

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Os Malefícios da Rivalidade na Escola

Poucas serão as escolas em que o mestre não anime entre os alunos o espírito de emulação; aos mais atrasados apontam-se os que avançaram como marcos a atingir e ultrapassar; e aos que ocuparam os primeiros lugares servem os do fim da classe de constantes esporas que os não deixam demorar-se no caminho, cada um se vigia a si e aos outros e a si próprio apenas na medida em que se estabelece um desnível com o companheiro que tem de superar ou de evitar.
A mesquinhez de uma vida em que os outros não aparecem como colaboradores, mas como inimigos, não pode deixar de produzir toda a surda inveja, toda a vaidade, todo o despeito que se marcam em linhas principais na psicologia dos estudantes submetidos a tal regime; nenhum amor ao que se estuda, nenhum sentimento de constante enriquecer, nenhuma visão mais ampla do mundo; esforço de vencer, temor de ser vencido; é já todo o temperamento de «struggle» que se afina na escola e lançará amanhã sobre a terra mais uma turma dos que tudo se desculpam.
Quem não sabe combater ou não tem interesse pela luta ficará para trás, entre os piores; e é certamente esta predominância dada ao espírito de batalha um dos grandes malefícios dos sistemas escolares assentes sobre a rivalidade entre os alunos;

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O Despotismo do Homem Vulgar

A história européia parece, pela primeira vez, entregue à decisão do homem vulgar como tal. Ou dito em voz activa: o homem vulgar, antes dirigido, resolveu governar o mundo. Esta resolução de avançar para o primeiro plano social produziu-se nele, automaticamente, mal chegou a amadurecer o novo tipo de homem que ele representa. Se, atendendo aos defeitos da vida pública, estuda-se a estrutura psicológica deste novo tipo de homem-massa, encontra-se o seguinte: 1º, uma impressão nativa e radical de que a vida é fácil, abastada, sem limitações trágicas; portanto, cada indivíduo médio encontra em si mesmo uma sensação de domínio e triunfo que, 2º, convida-o a afirmar-se a si mesmo tal qual é, a considerar bom e completo o seu haver moral e intelectual. Este contentamento consigo mesmo leva-o a fechar-se em si mesmo para toda a instância exterior, a não ouvir, a não pôr em tela de juízo as suas opiniões e a não contar com os demais. A sua sensação íntima de domínio incita-o constantemente a exercer predomínio. Actuará, pois, como se somente ele e os seus congéneres existissem no mundo; portanto, 3º, intervirá em tudo impondo a sua vulgar opinião, sem considerações, contemplações, trâmites nem reservas; quer dizer,

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Declaração de Amor

Quem é que tem a sorte de ter um amor dele ou dela que ama ou que tem, seja amado ou amada? Tenho eu e conheço muitas pessoas que já têm ou que vão ter. Mas, tal como todos os outros apaixonados e todas as outras apaixonadas, desconfio, com calor na alma, que ninguém tem o amor que eu tenho pela Maria João, meu amor, minha mulher, minha salvação.
O amor sai caro – medo de perdê-la, medo do tempo a passar, medo do futuro – mas paga-se sem se dar por isso. Mentira. Dá-se por isso só nos intervalos de receber, receber, receber e dar, dar, dar.
Basta uma pequena zanga para parecer que todo aquele amor desmoronou: “Onde está esse teu apregoado amor por mim (de mãos nas ancas), agora que eu preciso dele?”
Quanto maior o amor, mais frágil parece. Quanto maior o amor, mais pequeno é o gesto que parece traí-lo. Mas com que alegria nos habituamos a viver nesse regime de tal terror!
Maria João, meu amor: o barulho que faz a felicidade é ouvires-me a perder tempo a resmungar e a pedir que tudo continue exactamente como está, para sempre.

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A Censura Existe Em Todo o Lado

Eu acho que a censura existiu sempre e provavelmente vai existir sempre. Porque a censura para o ser não necessita de ter claramente uma porta aberta com um letreiro, onde se diga que ali há pessoas que lêem livros ou vão ver espectáculos. Não! A censura existe de todas as maneiras, porque todas as pessoas, nos diferentes níveis de intervenção em que se encontram, por boas ou más razões, seleccionam, escolhem, apagam, fazem sobressair. E isso são actos de ocultação ou de evidenciação que, no fundo, em alguns casos, são actos formais de censura.
(Quanto à censura oficial dos tempos de ditadura) Aquilo que a censura demonstrou e demonstra, em qualquer caso, é que felizmente os escritores, dependendo das situações em que se encontram, são muito mais ricos de meios, de processos de fazer chegar aquilo que querem dizer aos outros, do que se imagina. Evidentemente, numa situação de censura, o escritor é obrigado a usar a escrita para comunicar isto ou aquilo ou aqueloutro, de uma maneira disfraçada, subterrânea, oculta; mas o que é importante não é que a censura o esteja a obrigar a fazer isso. O que é importante é que ele seja capaz de o fazer.

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O Homem não está à Altura da sua Obra

Dir-se-ia que a civilização moderna é incapaz de produzir uma elite dotada simultaneamente de imaginação, de inteligência e de coragem. Em quase todos os países se verifica uma diminuição do calibre intelectual e moral naqueles a quem cabe a responsabilização da direcção dos assuntos políticos, económicos e sociais. As organizações financeiras, industriais e comerciais atingiram dimensões gigantescas. São influenciadas não só pelas condições do país em que nasceram, mas também pelo estado dos países vizinhos e de todo o mundo. Em todas as nações produzem-se modificações sociais com grande rapidez. Em quase toda a parte se põe em causa o valor do regime político. As grandes democracias enfrentam problemas temíveis que dizem respeito à sua própria existência e cuja solução é urgente. E apercebemo-nos de que, apesar das grandes esperanças que a humanidade depositou na civilização moderna, esta civilização não foi capaz de desenvolver homens suficientemente inteligentes e audaciosos para a dirigirem na via perigosa por que a enveredou. Os seres humanos não cresceram tanto como as instituições criadas pelo seu cérebro. São sobretudo a fraqueza intelectual e moral dos chefes e a sua ignorância que põem em perigo a nossa civilização.

O Progresso Aumenta a Vida e a Morte

Não desconheço que a velhice constitui, em grande parte, um preconceito aritmético, e que o nosso maior erro consiste em contar os anos que vivemos. Com efeito, tudo nos leva a supor que a Natureza dotou o homem (não falo já nas longevidades da Bíblia) de vida média mais longa do que aquela que as estatísticas demográficas acusam, e que, se morremos antes do termo normal da existência, é porque sucumbimos, não a «morte natural» (a «morte fisiológica», de Metchnickoff), mas a «morte violenta», que é a morte por acção destrutiva dos germes patogénicos. Como quer que seja, porém, parece-me incontestável que o homem envelhece antes do tempo e morre, em geral, quando ainda não chegou a meio do caminho da vida.

Será o engenho humano capaz de opôr uma barreira à marcha inexorável da decrepitude? Talvez. O nosso organismo é uma máquina; gasta-se, como todas as máquinas; e, por milagre da Natureza, ainda é aquela que, funcionando permanentemente, consegue durar mais tempo. Contentemo-nos com a ideia de que o homem de hoje vive mais do que vivia na Antiguidade clássica e na época medieval, mercê do progresso das técnicas, do conforto moderno da existência, da observação dos preceitos que a higiene,

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O Liberalismo

O regime liberal é aquele em que os direitos da pessoa são apenas considerados inalienáveis aos interesses da comunidade. Por isso, nele se procura assegurar nas leis e na prática o respeito da pessoa mediante o efetivo exercício daqueles direitos, mas não a destruição dela pela anarquia totalitária ou libertária.

(…) Se se entende por liberal todo aquele que acha indispensável que qualquer solução política respeite as liberdades e os direitos fundamentais da pessoa humana, sou efetivamente liberal. Se, por outro lado, se limita a conceção de liberalismo ao campo exclusivamente económico e se tem como liberal aquele que preconiza a abstenção do poder político em relação ao campo económico e ao campo social, nesse sentido não sou liberal.

A Vida Vazia da Cidade

Instalámo-nos, portanto, na cidade. Aí toda a vida é suportável para as pessoas infelizes. Um homem pode viver cem anos na cidade, sem dar por que morreu e apodreceu há muito. Falta tempo para o exame de consciência. As ocupações, os negócios, os contactos sociais, a saúde, as doenças e a educação das crianças preenchem-nos o tempo. Tão depressa se tem de receber visitas e retribuí-las, como se tem de ir a um espectáculo, a uma exposição ou a uma conferência.
De facto, na cidade aparece a todo o momento uma celebridade, duas ou três ao mesmo tempo que não se pode deixar de perder. Tão depressa se tem de seguir um regime, tratar disto ou daquilo, como se tem de falar com os professores, os explicadores, as governantas. A vida torna-se assim completamente vazia.

Formatados pela Sociedade

Idealmente, o que deveria ser dito a todas as crianças, repetidamente, ao longo da sua vida escolar, seria algo como isto: «Estás no processo de ser doutrinado. Nós ainda não fomos capazes de desenvolver um sistema de educação que não seja um processo de doutrinação. Lamentamos, mas é o melhor que podemos fazer. O que te estamos a ensinar é uma amálgama dos preconceitos actuais e das escolhas desta cultura em particular. Uma pequena olhada na História vai-te mostrar o quanto estes são temporários. Estás a ser ensinado por pessoas que conseguiram acomodar-se a um regime de pensamento que foi desenhado pelos seus antecessores. É um sistema de auto-perpetuação. Aqueles de vocês que forem mais robustos e individuais que os outros serão encorajados a sair e a encontrar formas de se educarem a si próprios – a educarem os seus próprios julgamentos. Aqueles que ficarem têm que se lembrar, sempre, e para sempre, que estão a ser moldados e modelados para se encaixarem nas necessidades estreitas e particulares desta sociedade».

As Liberdades Essenciais

As liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de organização social, liberdade económica. Pela liberdade de cultura, o homem poderá desenvolver ao máximo o seu espírito crítico e criador; ninguém lhe fechará nenhum domínio, ninguém impedirá que transmita aos outros o que tiver aprendido ou pensado. Pela liberdade de organização social, o homem intervém no arranjo da sua vida em sociedade, administrando e guiando, em sistemas cada vez mais perfeitos à medida que a sua cultura se for alargando; para o bom governante, cada cidadão não é uma cabeça de rebanho; é como que o aluno de uma escola de humanidade: tem de se educar para o melhor dos regimes, através dos regimes possíveis. Pela liberdade económica, o homem assegura o necessário para que o seu espírito se liberte de preocupações materiais e possa dedicar-se ao que existe de mais belo e de mais amplo; nenhum homem deve ser explorado por outro homem; ninguém deve, pela posse dos meios de produção e de transporte, que permitem explorar, pôr em perigo a sua liberdade de Espírito ou a liberdade de Espírito dos outros. No Reino Divino, na organização humana mais perfeita, não haverá nenhuma restrição de cultura, nenhuma coacção de governo,

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A Tirania Individual e a Tirania Colectiva

As divergências de opinião não resultam, como por vezes supomos, das desigualdades de instrução daqueles que as manifestam. Elas notam-se, com efeito, em indivíduos dotados de inteligência e de instrução equivalentes. Disso se convencerá quem percorrer as respostas aos grandes inquéritos colectivos destinados a elucidar certas questões bem definidas.
Entre os inúmeros exemplos fornecidos pela leitura das suas actas, mencionarei apenas um, muito típico, publicado nos Anais de Psicologia do sr. Binet. Querendo informar-se quanto aos efeitos da redução do programa de história da filosofia nos liceus, enviou um questionário a todos os professores incumbidos desse ensino. As respostas foram nitidamente contraditórias, pois uns declaravam desastroso o que os outros julgavam excelente. «Não se compreende», conclui o Sr. Binet com melancolia, «que uma reforma que consterna um professor, pareça excelente a um dos seus colegas. Que lição para eles sobre a relatividade das opiniões humanas, mesmo entre pessoas competentes!».
Contradições da mesma espécie invariavelmente se manifestaram em todos os assuntos e em todos os tempos. Para chegar à acção, o homem teve, entretanto, de escolher entre essas opiniões contrárias. Como operar tal escolha, sendo a razão muito fraca para a determinar?
Somente dois métodos foram descobertos até hoje: aceitar a opinião da maioria ou a de um único,

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Mudar o Governo

Não se pode governar um país como se a política fosse um quintal e a economia fosse um bazar. Ao avaliar um regime de governação precisamos, no entanto, de ir mais fundo e saber se as questões não provêm do regime mas do sistema e a cultura que esse sistema vai gerando. Pode-se mudar o governo e tudo continuará igual se mantivermos intacto o sistema de fazer economia, o sistema que administra os recursos da nossa sociedade. Nós temos hoje gente com dinheiro. Isso em si mesmo não é mau. Mas esses endinheirados não são ricos. Ser rico é outra coisa. Ser rico é produzir emprego. Ser rico é produzir riqueza. Os nossos novos-ricos são quase sempre predadores, vivem da venda e revenda de recursos nacionais.

Afinal, culpar o governo ou o sistema e ficar apenas por aí é fácil. Alguém dizia que «governar é tão fácil que todos o sabem fazer até ao dia em que são governo». A verdade é que muitos dos problemas que nós vivemos resultam da falta de resposta nossa como cidadãos activos. Resulta de apenas reagirmos no limite quando não há outra resposta senão a violência cega. Grande parte dos problemas resulta de ficarmos calados quando podemos pensar e falar.

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Indivíduo e Colectividade

Uma antiquada concepção, cuja carreira não terminou de todo em Portugal, faz constituir a história na evocação dos homens e dos eventos singulares, faustosa galeria de retratos e painéis de batalhas, a que se acrescenta quando muito o quadro das instituições. Dir-se-ia desta sorte que os factos de ocupação do solo e agrupamento da população, as variações do regime económico, a elaboração de um espírito colectivo, os movimentos e transformações da massa, isto é, os factos própriamente sociais não têm importância na vida da sociedade. Longe de nós negar a parte da criação individual na história. Mas todas as nações, antes de atingirem a sua definição política suprema, atravessam um demorado período de formação, onde ocultam quase exclusivamente esses factos gerais.
A consciência de uma solidariedade e de um ideal colectivo, o sentimento e a ideia de uma pátria elaboram-se lentamente através desses movimentos de grupos e das lutas entre eles suscitadas. E por via de regra os grandes homens são tanto mais representativos quanto melhor encarnam e orientam as aspirações colectivas.