Textos sobre Verdade

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Textos de verdade escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Sejamos Alegres

Denuncio nossa fraqueza, denuncio o horror alucinante de morrer — e respondo a toda essa infâmia com — exatamente isto que vai agora ficar escrito — e respondo a toda essa infâmia com a alegria. Puríssima e levíssima alegria. A minha única salvação é a alegria. Uma alegria atonal dentro do it essencial. Não faz sentido? Pois tem que fazer. Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas — porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres. Quem não tiver medo de ficar alegre e experimentar uma só vez sequer a alegria doida e profunda terá o melhor de nossa verdade. Eu estou — apesar de tudo oh apesar de tudo — estou sendo alegre neste instante-já que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre neste mesmo instante porque me recuso a ser vencida: então eu amo. Como resposta. Amor impessoal, amor it, é alegria: mesmo o amor que não dá certo, mesmo o amor que termina. E a minha própria morte e a dos que amamos tem que ser alegre, não sei ainda como,

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Orientar Filosoficamente a Vida

A ânsia de uma orientação filosófica da vida nasce da obscuridade em que cada um se encontra, do desamparo que sente quando, em carência de amor, fica o vazio, do esquecimento de si quando, devorado pelo afadigamento, súbito acorda assustado e pergunta: que sou eu, que estou descurando, que deverei fazer?
O auto-esquecimento é fomentado pelo mundo da técnica. Pautado pelo cronómetro, dividido em trabalhos absorventes ou esgotantes que cada vez menos satisfazem o homem enquanto homem, leva-o ao extremo de se sentir peça imóvel e insubstituivel de um maquinismo de tal modo que, liberto da engrenagem, nada é e não sabe o que há-de fazer de si. E, mal começa a tomar consciência, logo esse colosso o arrasta novamente para a voragem do trabalho inane e da inane distracção das horas de ócio.
Porém, o pendor para o auto-esquecimento é inerente à condição humana. O homem precisa de se arrancar a si próprio para não se perder no mundo e em hábitos, em irreflectidas trivialidades e rotinas fixas.
Filosofar é decidirmo-nos a despertar em nós a origem, é reencontrarmo-nos e agir, ajudando-nos a nós próprios com todas as forças.
Na verdade a existência é o que palpavelmente está em primeiro lugar: as tarefas materiais que nos submetem às exigências do dia-a-dia.

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O Abraço

O abraço. O abraço que parece estar a acabar. O abraço raro, o abraço verdadeiro. Da mãe que recebe o filho, da mulher que recebe o marido, do amigo que recebe o amigo. O abraço que não se pensa, que não se imagina. O abraço que não é; o abraço que tem de ser. O abraço que serve para viver. O abraço que acontece – e que não se esquece. Um dia hei-de passar todo o dia a ensinar o abraço. A visitar as escolas e a explicar que abraçar não é dois corpos unidos e apertados pelos braços. Abraçar é dois instantes que se fundem por dentro do que une dois corpos. Abraçar é um orgasmo de vida, um clímax de partilha – uma orgia de gente. Abraçar é fechar os olhos e abrir a alma, apertar os músculos e libertar o sonho. Abraçar é fazer de conta que se é herói – e sê-lo mesmo. Porque nada é mais heróico do que um abraço que se deixa ser. Porque nada é mais heróico do que ter a coragem de abraçar, em frente do mundo, em frente da dor, em frente do fim, em frente da derrota. Abraçar é a vitória do homem sobre o homem,

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Decisão, Desejo e Acção

A decisão é, na verdade, o que de mais próprio concerne a excelência e é melhor do que as próprias acções no que respeita à avaliação dos carácteres humanos. A decisão parece, pois, ser voluntária. Decidir e agir voluntariamente não é, contudo, a mesma coisa, pois, a acção voluntária é um fenómeno mais abrangente. É por essa razão que ainda que tanto as crianças como os outros seres vivos possam participar na acção voluntária, não podem, contudo, participar na decisão. Também dizemos que as acções voluntárias dão-se subitamente, mas não assim de acordo com uma decisão.
Os que dizem que a decisão é um desejo, ou uma afecção, ou anseio, ou uma certa opinião, não parecem dizê-lo correctamente, porque os animais irracionais não tomam parte nela. Por outro lado, quem não tem autodomínio age cedendo ao desejo, e, desse modo, não age de acordo com uma decisão. Finalmente, quem tem autodomínio age, ao tomar uma decisão, mas não age, ao sentir um desejo.
Um desejo pode opor-se a uma decisão, mas já não poderá opor-se a um outro desejo. O desejo tem em vista o que é agradável e o que é desagradável. A decisão, contudo, não é feita em vista do desagradável nem do agradável.

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O Meio de Sedução deste Mundo

O meio de sedução deste mundo, bem como o signo de garantia de que ele é apenas uma transição, é uma e a mesma coisa. Com razão, pois só assim este mundo nos pode seduzir de uma forma que corresponda à verdade. O pior, no entanto, é que, depois da sedução bem-sucedida, nós esquecemo-nos da garantia; foi dessa maneira, na realidade, que o bem nos atraiu para o mal, e o olhar da mulher, para a sua cama.

O Futuro Não é Garantia de Competência

Creio apenas saber que o romance não pode já viver em paz com o espírito do nosso tempo: se quer ainda continuar a descobrir o que não está descoberto, se quer ainda «progredir» enquanto romance, só pode fazê-lo contra o progresso do mundo.
A vanguarda viu as coisas diferentemente: estava possuída pela ambição de estar em harmonia com o futuro. Os artistas de vanguarda criaram obras, corajosas é verdade, difíceis, provocatórias, apupadas, mas criaram-nas com a certeza de que o «espírito do tempo» estava com eles e que, amanhã, lhes daria razão.
Outrora, também eu considerei o futuro como único juiz competente das nossas obras e dos nossos actos. Foi mais tarde que compreendi que o flirt com o futuro é o pior dos conformismos, a cobarde lisonja do mais forte. Porque o futuro é sempre mais forte que o presente. É ele, de facto, que nos julgará. E certamente sem qualquer competência.

O Poder e o Conhecimento

Entre o conhecimento e o poder existe não só a relação de servilismo, mas também de verdade. Muitos conhecimentos, embora formalmente verdadeiros, são nulos fora de toda a proporção com a repartição de poderes. Quando o médico expatriado diz- “Para mim, Adolf Hitler é um caso patológico” – o resultado clínico acabará talvez por confirmar o seu juízo, mas a desproporção deste com a desgraça objectiva que, em nome do paranóico, se espalha pelo mundo faz de tal diagnóstico, com que se incha o diagnosticador, algo ridículo. Talvez Hitler seja “em si” um caso patológico, mas certamente não “para ele”. A vaidade e a pobreza de muitas manifestações do exílio contra o fascismo ligam-se a este facto. Os que expressam os seus pensamentos na forma de juízo livre, distanciado e desinteressado são os que não foram capazes de assumir nessa forma a experiência da violência, o que torna inútil tal pensamento. O problema, quase insolúvel, consiste aqui em não se deixar imbecilizar nem pelo poder dos outros nem pela impotência própria.

A Ignorância não Exclui a Firmeza de Opinião

Tendo estudado a sabedoria em livros traduzidos do grego, do chinês ou do sânscrito, tenho uma certa desvantagem em relação aos ignorantes que só aprenderam em jornais desportivos ou revistas de moda. Quando enfrento um assunto difícil cuja elucidação requer anos de reflexão, sinto-me intimidado com a consciência da minha insuficiência, que me trava os impulsos no momento em que eles, impelidos pelo propulsor da sua ignorãncia, estão seguros de ter encontrado, ainda antes de ter procurado. Como posso fazê-los compreender que tenho razão em não proclamar que a tenho, antes de dedicar tempo a demonstrar-lhes que estão errados? Não, eles não desistem. De resto, as minhas hesitações atraiçoam-me. A verdade é uma flecha que vai direita ao alvo. Os escrúpulos intelectuais são tremuras do espírito. Se visar mal, como posso atingir o alvo?
Apercebemo-nos de que a ignorância não exclui a firmeza de opinião. Existe até uma cumplicidade objectiva entre elas. Quanto menos sabem, mais ostentam, diz o profeta. A indigência intelectual tira partido do seu pretenso parentesco com a Verdade. Contudo, é preciso ser ingénuo para pensar que o saber liberta o espírito dessa lei de gravitação que faz com que todo o pensamento orbite em torno da Verdade.

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A Monstruosa Amálgama da Identidade Europeia

O mal do totalitarismo é ser uniformizador e impositivo. Há sempre um modelo de perfeição, que os povos mais atrasados terão de seguir e com o qual terão de se comparar. Há sempre uma identidade superior, uma ideologia acima da realidade, um futuro comum aos mais diversos interesses. O totalitarismo é o grande inimigo da diferença e a própria democracia liberal, ao impor e exigir certas igualdades menos naturais, tem aspectos totalitários.
É com horror que assisto à construção da chamada «identidade» europeia, uma monstruosa amálgama beneluxiana que reduz todos os ingredientes nacionais a uma pasta amorfa de argamassa processada. Quando temo pela resistência da nossa diferença à uniformização europeia, não temo a nossa dominação de todas as nacionalidades — temo é a dominação de todas as nacionalidades por um euro-híbrido que não seja escolhido ou amado por nenhuma delas. A verdade é que a Itália está menos italiana, a Alemanha está menos alemã, a Inglaterra está menos inglesa e Portugal está menos português. E nem por isso estão mais parecidos com outra nacionalidade qualquer. O que perderam em carácter não ganharam em mais nada. As nações europeias estão cada vez mais iguais, mais incaracterísticas, mais chatas. Qualquer dia deixa de ter piada viajar.

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As Nossas Verdades

A aprendizagem transforma-nos, faz o mesmo que toda a alimentação que também não «conserva» apenas -: como sabe o fisiólogo. Mas no fundo de nós mesmos, muito «lá no fundo», há, na verdade, qualquer coisa rebelde a toda a instrução, um granito de fatum espiritual, de decisões predestinadas e de resposta a perguntas escolhidas e pré-formuladas. A cada problema fundamental ouve-se inevitavelmente dizer «isso sou eu»; por exemplo, a respeito do homem e da mulher, um pensador não pode aprender nada de novo mas apenas aprender até ao fim, – prosseguir até ao fim na descoberta do que, para ele, era «coisa assente» a esse respeito. Encontram-se por vezes certas soluções de problemas que alimentam precisamente a nossa grande fé; talvez de ora em diante lhes chamemos as nossas «convicções».

Mais tarde – só se verá, nessas convicções, pegadas que conduzem ao autoconhecimento, indicadores que conduzem ao problema que nós somos, – ou mais exactamente, à grande estupidez que somos, ao nosso fatum espiritual, ao incorrigível, que se encontra totalmente «lá no fundo». – Depois dessa atitude simpática que acabo de assumir em relação a mim próprio, talvez me seja mais facilmente permitido dizer francamente algumas verdades sobre «a mulher em si»: uma vez que agora já se sabe de antemão que são apenas –

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As Novas Verdades

Nenhuma verdade nova, e completamente estranha às opiniões correntes, quando demonstrada pelo primeiro que dela se apercebeu, ainda que com uma evidência e uma exactidão idênticas ou semelhantes às da geometria, conseguiu nunca, se as demonstrações não foram de natureza material, introduzir-se e fixar-se no mundo imediatamente, mas só com o decorrer do tempo, através da prática e do exemplo: habituando-se os homens a acreditar nela como em qualquer outra coisa; ou melhor, acreditando geralmente por habituação e não pela exactidão de experiências concebidas no seu espírito.
Até que por fim essa verdade, começando a ser ensinada às crianças, é comummente aceite, evocado com espanto o seu desconhecimento, e escarnecidas as opiniões diferentes, tanto dos antepassados como dos contemporâneos. E isto com tanto mais dificuldade e demora quanto maiores e mais importantes foram essas novas e incríveis verdades, e, por conseguinte, subversoras de um maior número de opiniões radicadas nos espíritos. Nem mesmo os intelectos perspicazes e treinados sentem facilmente toda a eficiência das razões que demonstram essas verdades ianuditas e que excedem em muito os limites dos conhecimentos e dos hábitos desses intelectos, principalmente quando essas razões e essas verdades se opõem às crenças neles arreigadas.

É Virtude Dissimular a Virtude

– Vede, caro Roberto, o senhor de Salazar não diz que o sensato deve simular. Sugere-vos, se bem entendi, que deve aprender a dissimular. Simula-se o que não se é, dissimula-se o que se é. Se vos gabardes do que não fizestes, sois um simulador. Mas se evitardes, sem fazê-lo notar, mostrar em pleno o que fizestes, então dissimulais. É virtude acima de todas as virtudes dissimular a virtude. O senhor de Salazar está a ensinar-vos um modo prudente de ser virtuoso, ou de ser virtuoso de acordo com a prudência. Desde que o primeiro homem abriu os olhos e soube que estava nu, procurou cobrir-se até à vista do seu Fazedor: assim a diligência no esconder quase nasceu com o próprio mundo. Dissimular é estender um véu composto de trevas honestas, do qual não se forma o falso mas sim dá algum repouso ao verdadeiro.
A rosa parece bela porque à primeira vista dissimula ser coisa tão caduca, e embora da beleza mortal costume dizer-se que não parece coisa terrena, ela não é mais do que um cadáver dissimulado pelo favor da idade. Nesta vida nem sempre se deve ser de coração aberto, e as verdades que mais nos importam dizem-se sempre até meio.

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Inteligência e Intuição

O instinto é simpatia. Se esta simpatia pudesse alargar o seu objecto e também reflectir sobre si mesma, dar-nos-ia a chave das operações vitais – do mesmo modo que a inteligência, desenvolvida e reeducada, nos introduz na matéria. Porque, não é de mais repeti-lo, a inteligência e o instinto estão orientados em dois sentidos opostos: aquela para a matéria inerte, este para a vida. A inteligência, por meio da ciência, que é obra sua, desvendar-nos-á cada vez mais completamente o segredo das operações físicas; da vida apenas nos dá, e não pretende aliás dar-nos outra coisa, uma tradução em termos de inércia. Gira em derredor, obtendo de fora o maior número de visões do objecto que chama até si, em vez de entrar nele. Mas é ao interior mesmo da vida que nos conduzirá a intuição, quero dizer o instinto tornado desinteressado, consciente de si mesmo, capaz de reflectir sobre o seu objecto e de o alargar indefinidamente.
Que um esforço deste género não é impossível, é o que demonstra já a existência no homem de uma faculdade estética ao lado da percepção normal. O nosso olhar apercebe os traços do ser vivo, mas justapostos uns aos outros, e não organizados entre si.

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Mais do que Amor

O amor veio afirmar todas as coisas velhas de cuja existência apenas sabia sem nunca ter aceito e sentido. O mundo rodava sob seus pés, havia dois sexos entre os humanos, um traço ligava a fome à saciedade, o amor dos animais, as águas das chuvas encaminhavam-se para o mar, crianças eram seres a crescer, na terra o broto se tornaria planta. Não poderia mais negar… o quê? — perguntava-se suspensa. O centro luminoso das coisas, a afirmação dormindo em baixo de tudo, a harmonia existente sob o que não entendia.

Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. E sua felicidade era pura como o reflexo do sol na água. Cada acontecimento vibrava em seu corpo como pequenas agulhas de cristal que se espedaçassem. Depois dos momentos curtos e profundos vivia com serenidade durante largo tempo, compreendendo, recebendo, resignando-se a tudo. Parecia-lhe fazer parte do verdadeiro mundo e estranhamente ter-se distanciado dos homens. Apesar de que nesse período conseguia estender-lhes a mão com uma fraternidade de que eles sentiam a fonte viva. Falavam-lhe das próprias dores e ela, embora não ouvisse, não pensasse, não falasse, tinha um olhar bom — brilhante e misterioso como o de uma mulher grávida.

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O Regulador do Prazer e da Dor: o Hábito

O hábito é o grande regulador da sensibilidade; ele determina a continuidade dos nossos atos, embota o prazer e a dor e nos familiariza com as fadigas e com os mais penosos esforços. O mineiro habitua-se tão bem à sua dura existência que dela se recorda saudoso quando a idade o obriga a abandoná-la e o condena a viver ao sol. O hábito, regulador da vida habitual, é também o verdadeiro sustentáculo da vida social. Pode-se compará-lo à inércia, que se opõe, em mecânica, às variações de movimento. A dificuldade para um povo consiste, primeiramente, em criar hábitos sociais, depois em não permanecer muito tempo neles. Quando o jugo dos hábitos pesou muito tempo num povo, ele só se liberta desse jugo por meio de revoluções violentas. O repouso na adaptação, que o hábito consiste, não se deve prolongar. Povos envelhecidos, civilizações adiantadas, indivíduos idosos tendem a sofrer demasiado o jugo do costume, isto é, do hábito.

Seria inútil dissertar longamente sobre o seu papel, que mereceu a atenção de todos os filósofos e se tornou um dogma da sabedoria popular.

“Que são os nossos princípios naturais”, diz Pascal, “senão os nossos princípios acostumados. E nas crianças,

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Matéria e Espírito

Nós hoje estamos ao mesmo tempo na melhor época da humanidade e na pior. Tão depressa sentimos que tudo em nós e em redor marcha uníssono em frente, como subitamente um grande atrito emperra as nossas próprias articulações. Há ao mesmo tempo qualquer coisa que nos desacompanha e qualquer coisa que nos anima. Há caminhos inteiros que terminam súbito e não há caminho inteiro e vitalício. E nós desejamos francamente acertar com a direcção única e onde o único obstáculo seja de verdade o mistério do futuro.
Todo aquele que se lance mais animado pela palavra espírito, não creia que faz mais do que estar sujeito a uma determinante actual. A consciência material, como acontece hoje, dá entrada natural para o campo do espírito. Assim também o espírito tem existência vital segundo a qualidade de consciência da matéria. O espírito apartando da matéria não é deste mundo. Espírito e matéria confundem-se em vida.
Acontece, porém, que os fugitivos da matéria transformam em si esse unilateralismo ao ingressar no espírito, e ficam outra vez de banda, inversamente agora, mas como antes. Ora o espírito não tem mais dimensões do que a matéria; são outras, mas idênticas, que se justapõem,

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A Glória em Função dos Feitos e das Obras

Enquanto a nossa honra vai até onde somos pessoalmente conhecidos, a glória, pelo contrário, precede o nosso conhecimento e leva-o até onde ela mesmo consegue ir. Todo o indivíduo tem direito à honra; à glória, apenas as excepções, pois apenas mediante realizações excepcionais é possível atingi-la. Tais realizações, por sua vez, são feitos ou obras. A partir deles, abrem-se dois caminhos para a glória. Antes de mais nada, é o grande coração que capacita para os feitos; para as obras, a grande cabeça. Ambas possuem as suas próprias vantagens e desvantagens. A diferença principal é que os feitos passam, e as obras permanecem.
Dos feitos, permanece apenas a lembrança, que se torna cada vez mais fraca, desfigurada e indiferente, e que está até mesmo fadada a extinguir-se gradualmente, caso a história não a recolha e a transmita para a posteridade em estado petrificado. As obras, pelo contrário, são imortais e podem, pelo menos as escritas, sobreviver em todos os tempos. O mais nobre dos feitos tem apenas uma influência temporária; a obra genial, pelo contrário, vive e faz efeito, de modo benéfico e sublime, por todos os tempos. De Alexandre, o Grande, vivem nome e memória, mas Platão e Aristóteles,

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Cada Dia é Sempre Diferente dos Outros

Cada dia é sempre diferente dos outros, mesmo quando se faz aquilo que já se fez. Porque nós somos sempre diferentes todos os dias, estamos sempre a crescer e a saber cada vez mais, mesmo quando percebemos que aquilo em que acreditávamos não era certo e nos parece que voltámos atrás. Nunca voltamos atrás. Não se pode voltar atrás, não se pode deixar de crescer sempre, não se pode não aprender. Somos obrigados a isso todos os dias. Mesmo que, às vezes, esqueçamos muito daquilo que aprendemos antes. Mas, ainda assim, quando percebemos que esquecemos, lembramo-nos e, por isso, nunca é exactamente igual.
— Porquê, pai?
— Porque a memória não deixa que seja igual, mesmo que seja uma memória muito vaga, mesmo que seja só assim uma espécie de sensação muito vaga. É que a memória não é sempre aquilo que gostaríamos que fosse. Grande parte dos nossos problemas estão na memória volúvel que possuímos. Aquilo que é hoje uma verdade absoluta, amanhã pode não ter nenhum valor. Porque nos esquecemos, filho. Esquecemos muito daquilo que aprendemos. E cansamo-nos. E quando estamos cansados, deixamos de aprender. Queremos não aprender por vontade. Essa é a nossa maneira de resistir,

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Viver Plenamente os Desejos

Quanto ao facto de saber se o sexual e o religioso são antagónicos e opostos, eu responderia do seguinte modo: todos os elementos ou aspectos da vida, por muito pobres, por muito duvidosos que sejam (para nós), são susceptíveis de conversão, e na verdade devem ser transpostos para outro nível, de acordo com a nossa maturidade e inteligência.O esforço visando eliminar os aspectos «repugnantes» da existência, que é a obsessão dos moralistas, não só é absurdo, como fútil. É possível ser-se bem sucedido na repressão dos pensamentos e desejos, dos impulsos e tendências feios e «pecaminosos». mas os resultados são manifestamente desastrosos. (É estreita a margem que separa um santo e um criminoso). Viver plenamente os seus desejos e, ao fazê-lo, modificar subtilmente a natureza destes, é o objectivo de todo o indivíduo que aspira a desenvolver-se. Mas o desejo é soberano e inextirpável, mesmo quando, como dizem os budistas, se converte no seu contrário. Para alguém se poder libertar do desejo, tem que desejar fazê-lo.

A Tirania Individual e a Tirania Colectiva

As divergências de opinião não resultam, como por vezes supomos, das desigualdades de instrução daqueles que as manifestam. Elas notam-se, com efeito, em indivíduos dotados de inteligência e de instrução equivalentes. Disso se convencerá quem percorrer as respostas aos grandes inquéritos colectivos destinados a elucidar certas questões bem definidas.
Entre os inúmeros exemplos fornecidos pela leitura das suas actas, mencionarei apenas um, muito típico, publicado nos Anais de Psicologia do sr. Binet. Querendo informar-se quanto aos efeitos da redução do programa de história da filosofia nos liceus, enviou um questionário a todos os professores incumbidos desse ensino. As respostas foram nitidamente contraditórias, pois uns declaravam desastroso o que os outros julgavam excelente. «Não se compreende», conclui o Sr. Binet com melancolia, «que uma reforma que consterna um professor, pareça excelente a um dos seus colegas. Que lição para eles sobre a relatividade das opiniões humanas, mesmo entre pessoas competentes!».
Contradições da mesma espécie invariavelmente se manifestaram em todos os assuntos e em todos os tempos. Para chegar à acção, o homem teve, entretanto, de escolher entre essas opiniões contrárias. Como operar tal escolha, sendo a razão muito fraca para a determinar?
Somente dois métodos foram descobertos até hoje: aceitar a opinião da maioria ou a de um único,

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