A Amizade Exercita-se
É um erro desejar ser compreendido antes de se ser elucidado por si mesmo a seus próprios olhos. É procurar prazeres na amizade, e não méritos. É qualquer coisa de mais corruptor ainda do que o amor. Venderias a tua alma por amor.
Aprende a repelir a amizade, ou melhor, o sonho da amizade. Desejar a amizade é um grande erro. A amizade deve ser uma alegria gratuita como as que a arte ou a vida oferecem. É preciso recusá-la para se ser digno de a receber: ela é da categoria da graça («Meu Deus, afastai-vos de mim…»). É dessas coisas que são dadas por acréscimo. Toda a ilusão de amizade merece ser destruída. Não é por acaso que nunca foste amado… Desejar escapar à solidão é uma cobardia. A amizade não se procura, não se imagina, não se deseja; exercita-se (é uma virtude). Abolir toda esta margem de sentimento, impura e enevoada. Schluss!
Ou melhor (pois não é necessário desbastar-se a si mesmo rigorosamente), tudo o que, na amizade, não passe por alterações efectivas deve passar por pensamentos ponderados. É absolutamente inútil privar-se da virtude inspiradora da amizade. O que deve ser severamente proibido, é sonhar com os prazeres do sentimento.
Textos sobre Virtude
219 resultadosO Homem Perfeito
A virtude subdivide-se em quatro aspectos: refrear os desejos, dominar o medo, tomar as decisões adequadas, dar a cada um o que lhe é devido. Concebemos assim as noções de temperança, de coragem, de prudência e de justiça, cada qual comportando os seus deveres específicos. A partir de quê, então, concebemos nós a virtude? O que no-la revela é a ordem por ela própria estabelecida, o decoro, a firmeza de princípios, a total harmonia de todos os seus actos, a grandeza que a eleva acima de todas as contingências. A partir daqui concebemos o ideal de uma vida feliz, fluindo segundo um curso inalterável, com total domínio sobre si mesma. E como é que este ideal aparece aos nossos olhos? Vou dizer-te.
O homem perfeito, possuidor da virtude, nunca se queixa da fortuna, nunca aceita os acontecimentos de mau humor, pelo contrário, convicto de ser um cidadão do universo, um soldado pronto a tudo, aceita as dificuldades como uma missão que lhes é confiada. Não se revolta ante as desgraças como se elas fossem um mal originado pelo azar, mas como uma tarefa de que ele é encarregado. «Suceda o que suceder», — diz ele — «o caso é comigo;
Próxima Estação
Querida amiga,
Já terás partido para longe quando estiveres a ler estas linhas… permite-me que partilhe contigo o que sinto a respeito desta tua grande mudança…
Nunca é bom colocarmos qualquer tipo de âncora na saudade ou nos sonhos. A nossa casa, o nosso país, é o lugar onde nós estamos. É aí que temos de ser quem somos. É aí que temos de descobrir a felicidade de cada dia. Tudo o resto é estrangeiro.
Cada homem pertence tanto ao sítio de onde vem como àquele para onde vai. A ideia de que as nossas raízes nos prendem e condenam segue na linha errada da outra, também comum, de que os sonhos nos fazem perder… não, a vida é esta forma de ir sendo sempre mais, o que se foi, tanto quanto o que ainda não se é… uma viagem, não uma estação.
Sei que partes com dor porque temes perder quem aqui fica e não ter ninguém por lá, onde chegarás… sabes, em pouco tempo, terás de aceitar que muitos dos que agora lamentam muito a tua partida, se preocuparão tão pouco em saber como estás…Já fizeste muita gente feliz aqui…
O Equilibrio das Virtudes
O que pode a virtude de um homem não deve medir-se nos momentos de esforço, mas na vida de todos os dias.
Não admiro o excesso de uma virtude, como a coragem, se não vir ao mesmo tempo o excesso da virtude oposta, como em Epaminondas, que tinha a extrema coragem e a extrema benignidade. Pois de outro modo não é subir, é cair. A grandeza não consiste em estar num extremo, mas em tocar os dois ao mesmo tempo e em preencher todo o espaço intermédio. Mas talvez ela seja apenas um súbito movimento de alma de um extremo ao outro, talvez nunca esteja em mais que um ponto, como o tição de fogo? Seja; mas pelo menos isso indica a agilidade da alma, se não a sua extensão.
Virtude Viciosa
Como se tivéssemos o tacto infectado, corrompemos com a nossa manipulação as coisas que por si mesmas são belas e boas. Podemos aprender a virtude de forma que ela se tornará viciosa, se a abraçarmos com um desejo demasiadamente ávido e violento. Os que dizem que na virtude nunca há excesso, porque já não há virtude se o excesso ali está, jogam com as palavras: O sábio deve receber o nome de insensato, o justo o de injusto se eles forem longe demais, mesmo nos seus esforços para atingir a virtude (Horácio). É uma consideração subtil da filosofia. Pode-se tanto amar demais a virtude como se comportar com excesso numa acção justa. A esse ponto de vista se ajusta a voz divina: Não sejais mais sábios do que é preciso, mas sede sobriamente sábios (São Paulo).
A Crise do Idealismo
Cada vez será menor a «elite» que os possui [valores], perante o desvairo do nosso tempo em que a sede dos prazeres materiais e a dissolução dos costumes, apoiadas por uma organização industrial ad hoc, corromperam a riqueza e as suas fontes, o trabalho e as suas aplicações, a família e o seu valor social. Há no Mundo uma grande crise do idealismo, do espiritualismo de virtudes cívicas e morais, e não parece que sem eles possamos vencer as dificuldades do nosso tempo. Sem rectificarmos a série de valores com que lidamos – valores económicos e morais – , sem outro conceito diverso da civilização e do progresso humano, sem ao espírito ser dada primazia sobre a matéria e à moral sobre os instintos, a humanidade não curará os seus males e nem sequer tirará lucro do seu sofrimento.
A Censura de Um Deve Pesar Mais que uma Plateia de Ignorantes
Hamlet (para um dos actores): Portanto, nada de contenção exagerada. O seu discernimento deve ser o seu guia. Ajuste o gesto à palavra, a palavra ao gesto, e cuide de não perder a simples naturalidade. Pois tudo o que é forçado foge do propósito da actuação, cuja finalidade, tanto na origem como agora, era e é erguer um espelho diante da natureza. Mostrar à virtude as suas feições; ao orgulho, o desprezo, e a cada época e geração, sua figura e estampa. O exagero e a imperícia podem divertir os incultos, mas causam apenas desconforto aos judiciosos; àqueles cuja censura, ainda que de um só, deve pesar mais em sua estima que toda uma plateia de ignorantes.
Saber Estar em Sociedade
O homem que não tem mais do que o próprio valor necessita de ser excelente em grande número de virtudes, tal como a pedra que não é preciosa necessita de ser revestida de metal; mas comummente acontece com a reputação o mesmo que com o lucro, se é verdadeiro o provérbio que diz: que com leves ganhos se fazem pesadas bolsas, porque estes são frequentes, enquanto os grandes só chegam de vez em quando; assim, também é verdade que pequenas coisas ganham grande recomendação, porque são de uso e de observação corrente, enquanto a ocasião de manifestar grandes virtudes só é dada nos dias-santos. Para adquirir boas maneiras basta apenas não as desdenhar, porque, habituando-nos a observá-las nos outros, deixamos confiadamente operar em nós a imitação; pois se cuidarmos de as exprimir, perdem logo a sua graça, a qual é serem naturais e desafectadas. O comportamento de cada homem deve ser como um verso, no qual todas as sílabas são medidas. Como pode um homem ocupar-se de grandes assuntos, se quebra demasiado o seu espírito com mesquinhas observações? Não usar completamente de cerimónias é ensinar aos outros que não as usem também, e assim diminuir o respeito próprio; especialmente, não devem ser omitidas perante estrangeiros e pessoas desconhecidas.
Perfeição é Virtude e não Ausência de Defeitos
A virtude é a perfeição no estado de homem e não a ausência de defeitos. Se eu quero construir uma cidade, pego na malandragem e na ralé. O poder há-de nobilitá-las. Ofereço-lhes uma embriaguez, diferente da embriaguez medíocre da rapina, da usura ou da violação. É ver aqueles braços nodosos que edificam. O orgulho vai-se transformando em torres, templos e muralhas. A crueldade torna-se grandeza e rigor na disciplina. E ei-los a servirem uma cidade nascida deles próprios. Trocaram-se por ela no fundo dos corações. E morrerão de pé, nas muralhas, para a salvarem. Só descobrirás neles virtudes resplandecentes.
«Mas tu, que pões má cara diante do poder da terra, diante da grosseria, da podridão e dos vermes dos homens, começas por pedir ao homem que não seja e que não tenha nem sequer cheiro. Reprovas-lhe a expressão da sua força. Instalas capados à frente do império. E eles entram a perseguir o vício, que não passa de poder mal empregado. É o poder e a vida que eles perseguem e, no entanto, tornam-se guardiões de museu e vigiam um império morto»
A Fraqueza dos Nossos Sentidos
A fraqueza dos nossos sentidos impede-nos o gozar das cousas na sua simplicidade natural. Os elementos não são em si como nós os vemos: o ar, a água, e a terra a cada instante mudam, o fogo toma a qualidade da matéria que o produz, e tudo enfim se altera, e se empiora para ser proporcionado a nós. A virtude muitas vezes se acha com mistura de algum vício; no vício também se podem encontrar alguns raios de virtude; incapazes de um ser constante, e sólido, dificilmente se pode dar em nós virtude sem mancha, ou perfeito vício: a justiça também se compõe de iniquidade, semelhante à harmonia, que não pode subsistir sem dissonância, antes com correspondência certa, a dissonância é uma parte da harmonia. Vemos as cousas pelo modo com que as podemos ver, isto é, confusamente, e por isso quási sempre as vemos como elas não são.
As paixões formam dentro de nós um intrincado labirinto, e neste se perde o verdadeiro ser das cousas, porque cada uma delas se apropria à natureza das paixões por onde passa. Tomamos por substância, e entidade, o que não é mais do que um costume de ver, de ouvir, e de entender;
Não Posso o que Quero
Que graça será esperardes de mim propósitos, em cousa que os não tem para comigo? Pois, ainda que queira, não posso o que quero; que um sentido remontado, de não pôr pé em ramo verde, tudo lhe sucede assim; e «cada um acode ao que lhe mais dói»; e mais eu, que o que mais me entristece é contentamento ter, pois fujo dele, que minh’alma o aborrece, porque lhe lembra que é virtude de viver sem ele. Porque já sabeis que mágoa é: «vê-lo hás e não o paparás». Por fugir destes inconvenientes,
Toda a cousa descontente
contentar-me só convinha,
de meu gosto;
que, o mal de que sou doente,
sua mais certa mesinha
é desgosto.Já ouviríeis dizer: «Mouro, o que não podes haver, dá-o pela tua alma». O mal sem remédio, o mais certo que tem, é fazer da necessidade virtude; quanto mais, se tudo tão pouco dura como o passado prazer. Porque, enfim, allegados son iguales los que viven por sus manos, etc. A este propósito, pouco mais ou menos, se fizeram umas voltas a um mote de enche-mão, que diz por sua arte, zombando mais, que não de siso (que toda a galantaria é tirá-la donde se não espera),
Agradar ao Vulgo é Mau Sinal
«Nunca pretendi agradar ao vulgo; daquilo que eu sei o vulgo não gosta, daquilo que o vulgo gosta não quero eu saber.» Quem é o autor? Pareces pensar que eu ignoro que pessoa é o meu discípulo!… É Epicuro; mas o mesmo te dirão os mestres de todas as outras escolas, peripatéticos, académicos, estóicos, cínicos. Como pode de facto agradar ao vulgo alguém a quem só a virtude agrada? Não se conquista o favor popular por processos limpos. Terás de igualar-te primeiro ao vulgo, que só te aprovará quando te considerar um dos seus. Ora para a tua formação a opinião que tenhas sobre ti mesmo importa muito mais do que a dos outros. A amizade de pessoas dúbias só se concilia por processos dúbios.
Em que te ajudará nisto a filosofia, essa arte excelsa que a tudo sobreleva? Precisamente em levar-te a querer agradar mais a ti do que ao vulgo, a avaliar a qualidade, e não o número, das pessoas que emitem juízos sobre ti, a viver sem temor dos deuses ou dos homens, a poder vencer a adversidade ou a pôr-lhe cobro.
O Homem e a Mulher
O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher, o mais sublime dos ideais.
Deus fez para o homem um trono; para a mulher fez um altar.
O trono exalta e o altar santifica.
O homem é o cérebro; a mulher, o coração. O cérebro produz a luz; o coração produz amor. A luz fecunda; o amor ressuscita.
O homem é o génio; a mulher é o anjo. O génio é imensurável; o anjo é indefenível;
A aspiração do homem é a suprema glória; a aspiração da mulher é a virtude extrema; A glória promove a grandeza e a virtude, a divindade.
O homem tem a supremacia; a mulher, a preferência. A supremacia significa a força; a preferência representa o direito.
O homem é forte pela razão; a mulher, invencível pelas lágrimas.
A razão convence e as lágrimas comovem.
O homem é capaz de todos os heroísmos; a mulher, de todos os martírios. O heroísmo enobrece e o martírio purifica.
O homem pensa e a mulher sonha. Pensar é ter uma larva no cérebro; sonhar é ter na fronte uma auréola.
O homem é a águia que voa;
A Moral é a Base da Sociedade
A moral é a base da sociedade; se tudo, porém, é matéria em nós, não há realmente vício nem virtude, e por consequência não há moral.
As nossas leis, sempre relativas e mutáveis, não podem servir de ponto de apoio à moral, sempre absoluta e inalterável; é pois preciso que ela tenha origem numa região mais estável que esta, e cauções mais seguras que recompensas precárias ou castigos passageiros. Alguns filósofos acreditaram que a religião fôra inventada para a sustentar, sem se avisarem de que tomavam o efeito pela causa. Não é a religião que deriva da moral, é a moral que nasce da religião, pois é certo, como há pouco dissemos, que a moral não pode ter a sua origem no homem physico, ou na simples matéria; pois é certo ainda, que, quando os homens perdem a ideia de Deus, se despenham em todos os crimes, a despeito das leis e dos verdugos.
O Preço da Imagem
Não nos contentamos com a vida que temos em nós. Queremos viver na ideia dos outros, de uma vida imaginária. Esforçamo-nos por parecer tais quais somos. Fazemos por conservar aquele ser imaginário, que não é outro senão o verdadeiro. Se tivermos generosidade, fidelidade, apressamo-nos a não o dar a conhecer, para ligarmos as suas virtudes a esse ser. Somos valentes para adquirir a reputação de que não somos poltrões. É um sinal da capacidade do nosso ser o de não estar satisfeito com uma coisa sem a outra, o de não renunciar nem a uma nem a outra. O homem que não vivesse para conservar a sua virtude seria infame.
O Futuro é dos Virtuosos e dos Capazes
É preciso confessar, o presente é dos ricos, e o futuro é dos virtuosos e dos capazes. Homero ainda vive, e viverá sempre; os recebedores de direitos, os publicanos, não existem mais: existiram algum dia? A sua pátria, os seus nomes, são conhecidos? Houve arrecadores de impostos na Grécia? Que fim levaram essas personagens que desprezavam Homero, que só pensavam, na rua, em evitá-lo, não correspondiam à sua saudação, ou o saudavam pelo nome, desdenhavam associá-lo à sua mesa, olhavam-no como um home que não era rico e fazia um livro?
O mesmo orgulho que faz elevar-se altivamente acima dos seus inferiores, faz rastejar vilmente diante dos que estão acima de si. É próprio deste vício, que não se funda sobre o mérito pessoal nem sobre a virtude, e sim sobre as riquezas, cargos, crédito, e sobre ciências vãs, levar-nos igualmente a desprezar os que têm menos essa espécie de bens do que nós e a apreciar demais aqueles que têm uma medida que excede a nossa.Há almas sujas, amassadas com lama e sujidade, tomadas pelo desejo de ganho e interesse, como as belas almas o são pelo da glória e da virtude: capazes de uma única volúpia,
Cessa de Correr !
Se não cessas de correr, marulhando no ar tépido com as tuas mãos como natatórios, olhando furtivamente tudo diante de que passas no meio-sono apressado, acontecer-te-á também um dia deixar passar diante de ti o carro. Se te mantiveres firme, pelo contrário, com o poder do teu olhar fazendo crescer as raízes em profundidade e em comprimento – nada então te poderá eliminar – em virtude não das raízes mas da força do teu olhar que escruta – será então que verás o longínquo imutavelmente obscuro de onde nada pode surgir a não ser precisamente uma vez este carro que rola para ti, que se aproxima, cada vez maior e que, no próprio instante em que entras em tua casa, enche o mundo enquanto mergulhas nele como uma criança no banco acolchoado de uma diligência que corre através da tempestade e da noite.
Prazer com Virtude
Que dizer do facto de tanto os homens bons como os maus terem prazer, e de os homens infames terem tanto gosto em cometer actos vergonhosos como os homens honestos têm nas suas acções excelentes? É por isso que os antigos prescreveram que se procurasse a vida melhor, não a mais agradável, de forma a que o prazer fosse, não o guia, mas um companheiro da vontade recta e boa. Na verdade, a natureza deve ser o nosso guia: a razão observa-a e consulta-a. Por isso, viver feliz é o mesmo que viver de acordo com a natureza. Passo a explicar o que quer isto dizer: se conservarmos os nossos dons corporais e as nossas aptidões naturais com diligência, mas também com impavidez, tomando-os como bens efémeros e fugazes; se não nos tornarmos servos deles, nem nos submetermos a coisas exteriores; se as coisas que são circunstanciais e agradáveis ao corpo forem para nós como auxiliares e tropas ligeiras num castro (que obedecem, não comandam); nesta medida, todas estas coisas serão úteis à mente.
Não se deixe o homem corromper pelas coisas externas e inalcançáveis, e admire-se apenas a si próprio, confiando no seu ânimo e mantendo-se preparado para tudo,
A Invisibilidade é a Condição para a Elegância
Parece-me que a invisibilidade é a condição para a elegância. A elegância acaba se for notada. Sendo a poesia a elegância por excelência, não sabe ser visível. Então, para que serve?, dir-me-eis. Para nada. Quem a vê? Ninguém. O que a não impede de ser um atentado contra o pudor, e apesar de o seu exibicionismo se exercer entre os cegos. Contenta-se em exprimir uma moral particular. Depois, esta moral particular solta-se sob a forma de obra. Exige que a deixem viver a sua vida. Faz-se pretexto para imensos mal-entendidos que se chamam a glória. A glória é absurda por resultar de um ajuntamento. A multidão cerca um acidente, conta-o a si mesma, inventa-o, perturba-o até se transformar noutro. O belo resulta sempre de um acidente. De uma quebra brutal entre hábitos adquiridos e hábitos a adquirir. Derrota, nauseia. Chega a causar horror. Quando o novo hábito for adquirido, o acidente deixará de ser acidente. Far-se-á clássico e perderá a virtude de choque. Por isso uma obra nunca é compreendida. É admitida. Se não me engano, a observação pertence a Eugène Delacroix: «Nunca se é compreendido, é-se admitido». Matisse repete com frequência esta frase.
A Sabedoria e a Alegria
Vou ensinar-te agora o modo de entenderes que não és ainda um sábio. O sábio autêntico vive em plena alegria, contente, tranquilo, imperturbável; vive em pé de igualdade com os deuses. Analisa-te então a ti próprio: se nunca te sentes triste, se nenhuma esperança te aflige o ânimo na expectativa do futuro, se dia e noite a tua alma se mantém igual a si mesma, isto é, plena de elevação e contente de si própria, então conseguiste atingir o máximo bem possível ao homem! Mas se, em toda a parte e sob todas as formas, não buscas senão o prazer, fica sabendo que tão longe estás da sabedoria como da alegria verdadeira. Pretendes obter a alegria, mas falharás o alvo se pensas vir a alcançá-la por meio das riquezas ou das honras, pois isso será o mesmo que tentar encontrar a alegria no meio da angústia; riquezas e honras, que buscas como se fossem fontes de satisfação e prazer, são apenas motivos para futuras dores.
Toda a gente, repito, tende para um objectivo: a alegria, mas ignora o meio de conseguir uma alegria duradoura e profunda. Uns procuram-na nos banquetes, na libertinagem; outros, na satisfação das ambições, na multidão assídua dos clientes;