A Leitura é a Maior das Amizades
A amizade, a amizade que diz respeito aos indivíduos, é sem dúvida uma coisa frívola, e a leitura é uma amizade. Mas pelo menos é uma amizade sincera, e o facto de ela se dirigir a um morto, a uma pessoa ausente, confere-lhe algo de desinteressado, de quase tocante. E além disso uma amizade liberta de tudo quanto constitui a fealdade dos outros. Como não passamos todos, nós os vivos, de mortos que ainda não entraram em funções, todas essas delicadezas, todos esses cumprimentos no vestíbulo a que chamamos deferência, gratidão, dedicação e a que misturamos tantas mentiras, são estéreis e cansativas. Além disso, — desde as primeiras relações de simpatia, de admiração, de reconhecimento, as primeiras palavras que escrevemos, tecem à nossa volta os primeiros fios de uma teia de hábitos, de uma verdadeira maneira de ser, da qual já não conseguimos desembaraçar-nos nas amizades seguintes; sem contar que durante esse tempo as palavras excessivas que pronunciámos ficam como letras de câmbio que temos que pagar, ou que pagaremos mais caro ainda toda a nossa vida com os remorsos de as termos deixado protestar. Na leitura, a amizade é subitamente reduzida à sua primeira pureza.
Com os livros,
Textos sobre Egoísmo
66 resultadosSimplicidade Extrema
Põe de lado os estudos e não conhecerás o sofrimento. Põe de lado a erudição e afasta a sabedoria e o povo será cem vezes mais beneficiado. Põe de lado a benevolência e afasta a rectidão e o povo te pagará com dever filial e amor fraternal. Põe de lado o artifício e afasta o lucro e não haverá mais bandoleiros e ladrões. Mantém-te na simplicidade, restringe o egoísmo e refreia os desejos.
O Amor Certo
Penso em tudo o que os homens sentem pelas mulheres que amam e tento dizer o que nos une nesse amor. Fora dos pormenores e das particularidades. Sei que as mulheres que nos amam não nos amam de maneira diferente mas, como nunca se sabe, deixei-as de fora, falando apenas pelo meu género: a malta.
Minha amada querida. O meu pai, logo depois de se ter apaixonado pela minha mãe, disse-lhe, em pleno namoro (ela uma mulher inglesa casada, com uma filha pequena; ele um solteirão português): «Se soubesses quanto eu te amava, destruías-me já.» E disse a verdade. Era tanto o amor e o ciúme que lhe tinha, que fez mal à mulher que amava, minha mãe, e mal ao homem que a amava: ele próprio, meu pai.
O amor é um castigo: é um desespero: é um medo. O amor vai contra todos os nossos instintos de sobrevivência. Instiga-nos a cometer loucuras. Instiga-nos a comprometermo-nos. Obriga-nos a cumprir promessas que não somos capazes de cumprir. Mas cumprimos.
Eu amo-te. E não me custa. É um acto de egoísmo. Mesmo que tu me odiasses mas te odiasses tanto a ti própria que não te importasses de ficar comigo,
É egoísmo pensar somente em nós próprios como centro do mundo e construir um mundo fechado que nos isola das oportunidades que a vida pode oferecer.
Pensar Portugal
Pensar Portugal é pensá-lo no que ele é e não iludirmo-nos sobre o que ele é. Ora o que ele é é a inconsciência, um infantilismo orgânico, o repentismo, o desequilíbrio emotivo que vai da abjecção e lágrima fácil aos actos grandiosos e heróicos, a credulidade, o embasbacamento, a difícil assumpção da própria liberdade e a paralela e cómoda entrega do próprio destino às mãos dos outros, o mesquinho espírito de intriga, o entendimento e valorização de tudo numa dimensão curta, a zanga fácil e a reconciliação fácil como se tudo fossem rixas de família, a tendência para fazermos sempre da nossa vida um teatro, o berro, o espalhafato, a desinibição tumultuosa, o despudor com que exibimos facilmente o que devia ficar de portas adentro, a grosseria de um novo-rico sem riqueza, o egoísmo feroz e indiscreto balanceado com o altruísmo, se houver gente a ver ou a saber, a inautenticidade visível se queremos subir além de nós, a superficialidade vistosa, a improvisação de expediente, o arrivismo, a trafulhice e o gozo e a vaidade de intrujar com a nossa «esperteza saloia», o fatalismo, a crendice milagreira, a parolice. Decerto, temos também as nossas virtudes. Mas, na sua maioria, elas têm a sua raiz nestas misérias.
O Egoísmo do Homem das Cidades
A miséria parece uma secreção do progresso, da civilização. Não é nos campos (até em plena crise), onde a vida é simples e sem ambições, que a miséria se torna aflitiva, dramática. A sua tragédia sem remédio desenvolve-se antes nas cidades, nas grandes capitais, tanto mais insensíveis e duras quanto mais civilizadas. A mecanização, o automatismo do progresso que transforma os homens em máquinas, isolam-no brutalmente substituindo os seus gestos e impulsos afectivos por complicadas e frias engrenagens. O homem das cidades, modelado, esculpido na própria luta com os outros que lhe disputam o seu lugar ao sol, é talvez, sem reparar, a encarnação do próprio egoísmo.
Uma Alma Amante e Terna
Jamais houve alma mais amante ou terna do que a minha, alma mais repleta de bondade, de compaixão, de tudo o que é ternura e amor. Contudo, nenhuma alma há tão solitária como a minha – solitária, note-se, não mercê de circunstâncias exteriores, mas sim de circunstâncias interiores. O que quero dizer é: a par da minha grande ternura e bondade, entrou no mau carácter um elemento da natureza inteiramente oposto, um elemento de tristeza, egocentrismo, portanto de egoísmo, produzindo um efeito duplo: deformar e prejudicar o desenvolvimento e a plena acção interna daquelas outras qualidades, e prejudicar, deprimindo a vontade, a sua plena acção externa, a sua manifestação. Hei-de analisar isto; um dia hei-de examinar melhor, destrinçar, os elementos que constituem o meu carácter, pois a minha curiosidade acerca de tudo, aliada à minha curiosidade por mim próprio e pelo meu carácter, conduz a uma tentativa para compreender a minha personalidade.
Unicidade e Sacralidade da Vida
Experimentai a felicidade da dedicação e entrega, a felicidade da modéstia e simplicidade e a felicidade da cooperação e solicitude! Nenhum outro caminho vos conduz tão rápida e tão seguramente no sentido do conhecimento da unicidade e sacralidade da vida! Nenhum outro caminho tão-pouco vos conduz com tanta certeza ao objectivo da arte de viver, à alegre superação do egoísmo – jamais através da renúncia da personalidade, mas mediante o seu mais elevado desenvolvimento.
O Amor de Si Próprio
[Ferido por uma crítica adversa, um poeta busca consolo para a mágoa relendo seus próprios versos.] Desgosto (…), mas desgosto curto. Ele irá dali remirar-se nos próprios livros. A justiça que um atrevido lhe negou, não lhe negarão as páginas dele. Oh! a mãe que gerou o filho, que o amamenta e acalenta, que põe nessa frágil criaturinha o mais puro de todos os amores, essa mãe é Medeia, se a compararmos àquele engenho, que se consola da injúria, relendo-se; porque se o amor de mãe é a mais elevada forma de altruísmo, o dele é a mais profunda forma de egoísmo, e só há uma coisa mais forte que o amor materno, é o amor de si próprio.
Se um homem puder dominar o seu egoísmo durante um dia inteiro, todos o chamarão de bom.
Duvide de Tudo o que não Promove a Vida
Duvide do conteúdo de todas as ideias e de todos os pensamentos que debilitam a sua saúde psíquica. Duvide da sua incapacidade de superar os seus conflitos, os seus fracassos, a sua insegurança, a sua ansiedade. Duvide da sua incapacidade de ser feliz.
A dúvida esvazia a ditadura das derrotas, das angústias, da depressão. Devemos assumir com honestidade as nossas fragilidades, limitações e conflitos, mas não nos devemos deixar controlar por elas. Cuidado com a ditadura do medo, das ideias negativas, das doenças emocionais. Retire o medo do trono da sua mente e substitua-o pela esperança.
Não duvide do valor da vida, da paz, do amor, do prazer de viver, enfim, de tudo o que faz a vida florescer. Mas duvide de tudo o que a compromete. Duvide do controle que a miséria, a ansiedade, o egoísmo, a intolerância e a irritabilidade exercem sobre si. Use a dúvida como ferramenta para fazer uma limpeza no delicado palco da sua mente com o mesmo empenho com que faz a sua higiene dentária.
Atenção aos Detalhes do Comportamento dos Outros
Devemos ter muito cuidado para não emitir uma opinião demasiado favorável de um homem que acabamos de conhecer; pelo contrário, na maioria das vezes, seremos desiludidos, para nossa própria vergonha ou até para nosso dano. A esse respeito, uma sentença de Séneca merece ser mencionada: Podem-se obter provas da natureza de um carácter também a partir de miudezas. Justamente nestas é que o homem, quando não se procura conter, é que revela o seu carácter. Nas acções mais insignificantes, em simples maneiras, pode-se amiúde observar o seu egoísmo ilimitado, sem a menor consideração para com os outros e que, em seguida, embora dissimulado, não se desmente nas grandes coisas.
Não se deve perder semelhante oportunidade. Quando alguém procede sem consideração nos pequenos acontecimentos e circunstâncias da vida diária, intentando obter vantagens ou comodidade, em prejuízo de outrem, nas coisas em que se aplica a máxima de a lei não se ocupa com ninharias, ou ainda apropriando-se do que existe para todos, etc., podemos convencer-nos de que no coração de tal indivíduo não reside justiça alguma; ele será um patife também nas grandes situações, caso as suas mãos não sejam atadas pela lei e pela autoridade. Não lhe permitamos, pois,
Crueldade e Sofrimento
A crueldade é constitutiva do universo, é o preço a pagar pela grande solidariedade da biosfera, é ineliminável da vida humana. Nascemos na crueldade do mundo e da vida, a que acrescentámos a crueldade do ser humano e a crueldade da sociedade humana. Os recém-nascidos nascem com gritos de dor. Os animais dotados de sistemas nervosos sofrem, talvez os vegetais também, mas foram os humanos que adquiriram as maiores aptidões para o sofrimento ao adquirirem as maiores aptidões para a fruição. A crueldade do mundo é sentida mais vivamente e mais violentamente pelas criaturas de carne, alma e espírito, que podem sofrer ao mesmo tempo com o sofrimento carnal, com o sofrimento da alma e com o sofrimento do espírito, e que, pelo espírito, podem conceber a crueldade do mundo e horrorizar-se com ela.
A crueldade entre homens, indivíduos, grupos, etnias, religiões, raças é aterradora. O ser humano contém em si um ruído de monstros que liberta em todas as ocasiões favoráveis. O ódio desencadeia-se por um pequeno nada, por um esquecimento, pela sorte de outrem, por um favor que se julga perdido. O ódio abstracto por uma ideia ou uma religião transforma-se em ódio concreto por um indivíduo ou um grupo;
O Amor não Acontece. Decide-se.
Há quem julgue que o amor é alheio à vontade humana, algo superior que elege, embala e conduz… e que quase nada se pode fazer perante tamanha força. Isso é uma mera paixão no seu sentido menos nobre. E, nesse caso, sim, o amor acontece… Ao contrário, amar é estar acima das paixões e dos apetites. Mesmo quando o amor nasce de uma espontaneidade, resulta de um claro discernimento.
O amor decorre de uma decisão. De um compromisso. Constrói-se de forma consciente. Através do heroísmo de alguém livre que decide ser o que poucos ousam. Escolhe para fim de si mesmo ser o meio para a felicidade daquele a quem ama. Sim, decide-se amar e, sim, decide-se a quem amar.
O amor autêntico é raro e extraordinário, embora o seu nome sirva para quase tudo… a maior parte das vezes designa egoísmos entrelaçados, cada vez mais comuns. São poucos os que se aventuram, os que arriscam tudo, os que se dispõem a amar mesmo quando sabem que poucos sequer perceberão o que fazem, o seu porquê e o para quê.
O amor não supõe reciprocidade. Amar é dar-se por completo e aceitar tudo… não se contabilizam ganhos e perdas,
A Opinião Pura e Elevada
A opinião que se emite ou a regra que se estabelece não tem que se importar com as circunstâncias em que se encontram os homens nem com as possibilidades de acolhimento ou recusa que o mundo lhe oferece; o que é hoje grão seco levanta-se amanhã sobre as ondas do campo como a espiga mais alta e mais cheia; o culto da verdade não se compadece com a adoração dos deuses que presidem aos dias nem com a vã agitação que é de regra no formigueiro humano; cada um tomará o que se diz como quiser; a sua atitude, porém, só interessará enquanto fenómeno base para uma nova legalidade.
Não há aqui nem indiferença, nem egoísmo; é mais larga a alma que a par do amor dos homens actuais sente vibrar o amor dos homens do futuro, mais forte o espírito que se orienta para o eterno; a justiça sempre o terá a seu lado armado de todas as armas, não porque sinta para ela um impulso momentâneo mas porque a defende em qualquer tempo; e sempre se há-de recusar, sejam quais forem as razões, a passar em claro uma injustiça ou a servir-se de qualquer meio, apenas porque tal proceder se aparenta vantajoso aos seus interesses ou aos interesses dos seus amigos.
O Egoísta Homem Moderno
Um dos problemas mais complicados e mais difíceis dos nossos dias, o de encaminhar para um fim benéfico e utilitário, para o bem real da nossa sociedade, essa exuberância espantosa de prosperidade material, que muito é de temer não materialize excessivamente o espírito popular e não o lance na via de uma ambição desenfreada e subversiva. Esta questão considero-a como a única séria e vital que hoje resta resolver satisfatoriamente, porque a sua resolução é que há-de dizer a razão por que nós gozamos dos incalculáveis benefícios do vapor e das suas aplicações e do telégrafo eléctrico; porque é dela que depende a sorte futura da nossa sociedade, e essa resolução é tanto mais difícil que ela não pode ser a obra da violência, por isso que a violência apressaria o termo fatal do desengano sem que a sociedade estivesse suficientemente preparada para um choque tão violento, e tornaria sangüinária uma revolução que, longe de dever ser um cataclismo para a sociedade, deverá executar-se brandamente. O governo, que deve saber dirigir a verdadeira opinião pública, pode pela sua acção sobre a instrução das classes laboriosas ensinar-lhes a sua posição futura na sociedade e destruir as ambições desenfreadas dos pretendidos amigos do povo…
A (Des)Vantagem do Casamento
A verdadeira desvantagem do casamento é que nos despoja do egoísmo. E as pessoas que não são egoístas são absolutamente desinteressantes. Falta-lhes individualidade. Contudo, há certos temperamentos que se tornam mais complexos com o casamento. Mantêm o egotismo e acrescentam-lhe muitos outros egos. São obrigados a ter mais que uma vida. Tornam-se mais eficientes na sua disciplina, e uma organização eficiente é, segundo creio, o objectivo da existência do homem. Além disso, toda a experiência é válida e, por mais que se fale contra o casamento, não deixa de ser uma experiência.
A Única Realidade Social (2)
As qualidades puramente sociais que governam os homens são o egoísmo, a socialidade e a vaidade. Por socialidade entendo o instinto gregário; é ela que ameniza e limita, sem nunca o eliminar nem essencialmente o alterar, o egoísmo, qualidade primária, que se deriva da própria circunstância de haver um ego. A vaidade é a consequência do egoísmo na sua limitação pela sociedade; é a qualidade social humana mais evidente. Todo o homem quer ser mais que outro, todo o homem quer brilhar. Variam, com as índoles e as aptidões, as maneiras em que o homem quer destacar-se, mas cada um tem a sua vaidade.
Seria impossível a existência da sociedade se nela se não reproduzissem estes fenómenos da vida do indivíduo. Por isso a sociedade se divide em nações, e não é possível «humanidade» em matéria social. Assim como tem que haver um egoísmo individual, tem que haver um egoísmo colectivo – é o que se chama o instinto patriótico. Assim como há uma vaidade individual – tem que haver uma vaidade colectiva – é o que se chama imperalismo.
As Mulheres São Admiravelmente Complexas
Os homens inteligentes sabem que as mulheres são admiravelmente complexas, um mundo a ser explorado, um tesouro a ser descoberto. Elas são tão fascinantes que no dia em que eles acharem que conhecem uma mente feminina, deveriam saber que erraram o diagnóstico.
Os homens inteligentes têm consciência de que o mais calmo ser humano tem os seus momentos de stresse, o mais ponderado tem reações incoerentes, o mais generoso tem os seus momentos de egoísmo e, portanto, deveriam saber que quem não reconhece os seus erros nem pede desculpas, especialmente ã mulher que ama e aos seus filhos, jamais alcançará a maturidade psíquica ou construirá relações saudáveis.
O Mais Raro De Todos
São apreciados, como algo de raro, aqueles que sabem ouvir calma e atentamente; igualmente raro é um verdadeiro leitor e o mais raro de todos é aquele que deixa que os seus semelhantes actuem sobre ele sem, constantemente, com a sua inquietação interior, vaidade ou egoísmo, destruir ou mesmo aniquilar a impressão.