O Crédulo
A fé pode ser definida em resumo como uma crença ilógica na ocorrência do improvável. Ela contém um saber patológico; extrapola o processo intelectual normal e atravessa o viscoso domínio da metafísica transcedental. O homem de fé é aquele que simplesmente perdeu (ou nunca teve) a capacidade para um pensamento claro e realista. Não que ele seja uma mula; é, na realidade, um doente. Pior ainda, é incurável, porque o desapontamento, sendo essencialmente um fenómeno objetivo, não consegue afectar a sua enfermidade subjectiva. A sua fé apodera-se da virulência de uma infecção crónica. O que ele diz, em suma, é: “Vamos confiar em Deus, Aquele que sempre nos enganou no passado”.
Passagens sobre Deus
2120 resultadosNão Durmo Ainda
Não durmo ainda
Só na cama
o tempo
ainda é meucomo a palavra
Discretamente
me agito
no colchãoNão penso em Deus
na morteImprimo
Aqueço-me
Escutoconservo a posição
A Elsa dorme
Só na cama
o tempo ainda é delacomo um fruto
Vaso Grego
Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.Depois… Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
A consciência é a presença de Deus nos homens.
Existe a Noite
Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.
Dá Deus espeto a quem não tem toucinho.
Deus me livre de ser inteligente..
Sou o fantasma de um rei
Sou o fantasma de um rei
Que sem cessar percorre
As salas de um palácio abandonado…
Minha história não sei…
Longe em mim, fumo de eu pensá-la, morre
A ideia de que tive algum passado…Eu não sei o que sou.
Não sei se sou o sonho
Que alguém do outro mundo esteja tendo…
Creio talvez que estou
Sendo um perfil casual de rei tristonho
Numa história que um deus está relendo…
Deus é neutro diante de exércitos rivais que invocam o seu patrocínio.
O Amor Certo
Penso em tudo o que os homens sentem pelas mulheres que amam e tento dizer o que nos une nesse amor. Fora dos pormenores e das particularidades. Sei que as mulheres que nos amam não nos amam de maneira diferente mas, como nunca se sabe, deixei-as de fora, falando apenas pelo meu género: a malta.
Minha amada querida. O meu pai, logo depois de se ter apaixonado pela minha mãe, disse-lhe, em pleno namoro (ela uma mulher inglesa casada, com uma filha pequena; ele um solteirão português): «Se soubesses quanto eu te amava, destruías-me já.» E disse a verdade. Era tanto o amor e o ciúme que lhe tinha, que fez mal à mulher que amava, minha mãe, e mal ao homem que a amava: ele próprio, meu pai.
O amor é um castigo: é um desespero: é um medo. O amor vai contra todos os nossos instintos de sobrevivência. Instiga-nos a cometer loucuras. Instiga-nos a comprometermo-nos. Obriga-nos a cumprir promessas que não somos capazes de cumprir. Mas cumprimos.
Eu amo-te. E não me custa. É um acto de egoísmo. Mesmo que tu me odiasses mas te odiasses tanto a ti própria que não te importasses de ficar comigo,
Preciso de Ti
Antes de começar… Acabei de suplicar dez minutos para este bilhete… Terrivelmente, terrivelmente vivo, dorido, e sentindo absolutamente que preciso de ti. Permiti o silêncio deliberadamente, sentindo uma grande necessidade de me retirar em mim mesmo, para escrever, e mil coisas prevalecendo.
Mudei para outra máquina, assustadora; a máquina francesa… maldita, e eu bêbedo com o desejo de te escrever. Ouve, ligo-te de manhã: esta noite ou escrevo ou rebento, mas tenho de te ver. Vejo-te brilhante e maravilhosa e ao mesmo tempo tenho estado a escrever à June e todo dividido mas tu compreenderás — tens de compreender. Vou atirar-me a uma pausa e faço uma chamada. Anais, apoia-me. Não deixes que os silêncios te preocupem: estás toda à minha volta como uma chama clara. Nada a não ser dois pontos, não encontro o ponto nem os apóstrofos. Nenhuma cópia disto também: óptimo: bêbedo… bêbedo de vida… Anais, por Cristo: se tu soubesses o que estou a sentir agora.
Isto foi [escrito] ao chegar [ao escritório]. Agora 3h20 da manhã no quarto do Fred… Toda a força desaparecida e destruída por imagens. O Fred está na cama com a Gaby do chambre 48. Está deitada como um cadáver.
Quando conhecemos a Sabedoria de Deus, compreendemos que a inteligência humana, na qual nos apoiávamos até então, era ilusão.
Deus não subjuga ninguém, pois não existe ninguém a ser subjugado.
Somos Irracionais
No meu tempo de escola primária, algumas crédulas e ingénuas pessoas, a quem dávamos o respeitoso nome de mestres, ensinaram-me que o homem, além de ser um animal racional, era, também, por graça particular de Deus, o único que de tal fortuna se podia gabar. Ora, sendo as primeiras lições aquelas que mais perduram no nosso espírito, ainda que, muitas vezes, ao longo da vida, julguemos tê-las esquecido, vivi durante muitos anos aferrado à crença de que, apesar de umas tantas contrariedades e contradições, esta espécie de que faço parte usava a cabeça como aposento e escritório da razão. Certo era que o pintor Goya, surdo e sábio, me protestava que é no sono dela que se engendram os monstros, mas eu argumentava que, não podendo ser negado o surgimento dessas avantesmas, tal só acontecia quando a razão, pobrezinha, cansada da obrigação de ser razonável, se deixava vencer pela fadiga e mergulhava no esquecimento de si própria. Chegado agora a estes dias, os meus e os do mundo, vejo-me diante de duas probabilidades: ou a razão, no homem, não faz senão dormir e engendrar monstros, ou o homem, sendo indubitavelmente um animal entre os animais, é, também indubitavelmente, o mais irracional de todos eles.
O pensador lança-se à tarefa de desembaraçar o enrolado novelo que o mundo lhe apresenta, mostrando como todo o fio não é mais do que a ligação entre dois extremos, o da eternidade e o do tempo, o da substância e o do acidente, o de Deus e o do homem. E neste trabalho de desenrolar o novelo se lhe vai a vida.
Deus de vez em quando me tira a poesia e eu olho pedras e vejo pedras mesmo…
Não houve conversão no leito de morte, disse Druyan. Nenhum apelo a Deus, nenhuma esperança sobre uma vida pós-morte, nenhuma pretensão que ele e eu, que fomos inseparáveis por vinte anos, não estávamos dizendo adeus para sempre.
É a ira de Deus. E se essa escuridão se transformar em chuva, que volte o dilúvio, mas sem a arca, nós que não soubemos fazer um mundo onde viver e não sabemos na nossa paralisia como viver.
Deus não Se revela através de médiuns. Somente os espíritos se incorporam nos médiuns. Não te iludas com revelações mediúnicas.
O que é acaso em relação aos homens é desígnio em relação a Deus.