O novo paganismo mostra que o homem é capaz de viver sem uma religião instituída, e ao mesmo tempo continuar na busca espiritual para justificar sua existência.
Passagens sobre Existência
593 resultadosA Vida deve Ser um Sonho que se Recusa a Confrontos
Tudo quanto de desagradável nos sucede na vida – figuras ridículas que fazemos, maus gestos que temos, lapsos em que caímos de qualquer das virtudes – deve ser considerado como meros acidentes externos, impotentes para atingir a substância da alma. Tenhamo-los como dores de dentes, ou calos, da vida, coisas que nos incomodam mas são externas ainda que nossas, ou que só tem que supor a nossa existência orgânica ou que preocupar-se o que há de vital em nós.
Quando atingimos esta atitude, que é, em outro modo, a dos místicos, estamos defendidos não só do mundo mas de nós mesmos, pois vencemos oq ue em nós é externo, é outrem, é o contrário de nós e por isso o nosso inimigo.
Disse Horácio, falando do varão justo, que ficaria impávido ainda que em torno dele ruísse o mundo. A imagem é absurda, justo o seu sentido. Ainda que em torno de nós rua o que fingimos que somos, porque coexistimos, devemos ficar impávidos – não porque sejamos justos, mas porque somos nós, e sermos nós é nada ter que ver com essas coisas externas que ruem, ainda que ruam sobre o que para elas somos.
A vida deve ser,
Uma Pessoa
Uma pessoa é esse sujeito cujas acções são susceptíveis de imputação. A personalidade moral nada mais é do que a liberdade de um ser razoável sob as leis morais. Em compensação, a personalidade psicológica não passa da faculdade de ser consciente da sua existência como idêntica através de diferentes estados. Segue-se que uma pessoa não pode ser submetida a outras leis que não àquelas que ela própria se confere (ou sozinha, ou pelo menos a si mesma ao mesmo tempo que com outros).
A verdade é de dois géneros: consiste ou na descoberta das relações das ideias consideradas como tal, ou na conformidade das nossas ideias dos objectos com a sua existência real.
Há momentos em que é preciso escolher entre viver a sua própria vida plenamente, inteiramente, completamente, ou assumir a existência degradante, ignóbil e falsa que o mundo, na sua hipocrisia, nos impõe.
Mesmo se devesses viver três vezes mil anos, e mesmo tantas vezes dez mil, lembra-te sempre de que todos só perdem a existência que vivem e que só se vive a que se perde.
O Progresso Aumenta a Vida e a Morte
Não desconheço que a velhice constitui, em grande parte, um preconceito aritmético, e que o nosso maior erro consiste em contar os anos que vivemos. Com efeito, tudo nos leva a supor que a Natureza dotou o homem (não falo já nas longevidades da Bíblia) de vida média mais longa do que aquela que as estatísticas demográficas acusam, e que, se morremos antes do termo normal da existência, é porque sucumbimos, não a «morte natural» (a «morte fisiológica», de Metchnickoff), mas a «morte violenta», que é a morte por acção destrutiva dos germes patogénicos. Como quer que seja, porém, parece-me incontestável que o homem envelhece antes do tempo e morre, em geral, quando ainda não chegou a meio do caminho da vida.
Será o engenho humano capaz de opôr uma barreira à marcha inexorável da decrepitude? Talvez. O nosso organismo é uma máquina; gasta-se, como todas as máquinas; e, por milagre da Natureza, ainda é aquela que, funcionando permanentemente, consegue durar mais tempo. Contentemo-nos com a ideia de que o homem de hoje vive mais do que vivia na Antiguidade clássica e na época medieval, mercê do progresso das técnicas, do conforto moderno da existência, da observação dos preceitos que a higiene,
O Que me Mata é o Quotidiano
Dor? Alegria? Só é simplesmente questão de opinião. Eu adivinho coisas que não têm nome e que talvez nunca terão. É. Eu sinto o que me será sempre inacessível. É. Mas eu sei tudo. Tudo o que sei sem propriamente saber não tem sinónimo no mundo da fala mas enriquece e me justifica. Embora a palavra eu a perdi porque tentei falá-la. E saber-tudo-sem saber é um perpétuo esquecimento que vem e vai como as ondas do mar que avançam e recuam na areia da praia. Civilizar minha vida é expulsar-me de mim. Civilizar minha existência a mais profunda seria tentar expulsar a minha natureza e a supernatureza. Tudo isso no entanto não fala de meu possível significado.
O que me mata é o quotidiano. Eu queria só excepções. Estou perdida: eu não tenho hábitos.
A felicidade é o estado no mundo de um ser razoável, a quem, em todo o curso da sua existência, tudo acontece segundo a sua aspiração e a sua vontade.
O homem, carnívoro, também é coveiro. A nossa existência é feita de morte. Tal é a lei terrífica. Somos sepulcro.
Toda a minha alma lhe pertence. Se minha inteira existência não fosse sua, a harmonia do meu ser ter-se-ia perdido e eu teria morrido.
Para viver uma existência autenticamente pessoal, a pessoa deve estar presente em si mesma
Para viver uma existência autenticamente pessoal, a pessoa deve estar presente em si mesma, no seu próprio eu. Sem isso ser-lhe-á impossível encontrar o tu do outro.
Não Sei Dizer quem Sou
É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Ou pelo menos o que me faz agir não é o que eu sinto mas o que eu digo. Sinto quem sou e a impressão está alojada na parte alta do cérebro, nos lábios — na língua principalmente —, na superfície dos braços e também correndo dentro, bem dentro do meu corpo, mas onde, onde mesmo, eu não sei dizer. O gosto é cinzento, um pouco avermelhado, nos pedaços velhos um pouco azulado, e move–se como gelatina, vagarosamente. As vezes torna-se agudo e me fere, chocando-se comigo. Muito bem, agora pensar em céu azul, por exemplo. Mas sobretudo donde vem essa certeza de estar vivendo? Não, não passo bem. Pois ninguém se faz essas perguntas e eu… Mas é que basta silenciar para só enxergar, abaixo de todas as realidades, a única irredutível, a da existência. E abaixo de todas as dúvidas — o estudo cromático — sei que tudo é perfeito, porque seguiu de escala a escala o caminho fatal em relação a si mesmo.
Igualdade não é Liberdade
Todos os homens são iguais em sociedade. Nenhuma sociedade se pode fundamentar noutra coisa que não seja a noção de igualdade. Acima de tudo não pode fundamentar-se no conceito de liberdade. A igualdade é qualquer coisa que quero encontrar na sociedade, ao passo que a liberdade, nomeadamente a liberdade moral de me dispor à subordinação, transporto-a comigo.
A sociedade que me acolhe tem portanto que me dizer: «É teu dever ser igual a todos nós». E não pode acrescentar mais que isto: «Desejamos que tu, com toda a convicção, de tua livre e racional vontade, renuncies aos teus privilégios».
O nosso único passe de mágica consiste no facto de prescindirmos da nossa existência para podermos existir.
A mais elevada finalidade da sociedade é consequência das vantagens que assegura a cada um. Cada um sacrifica racionalmente a essa consequência uma grande quantidade de coisas. A sociedade, portanto, muito mais. Por causa da dita consequência, a vantagem pontual de cada membro da sociedade anda perto de se reduzir a nada.
Amamos os Nossos Defeitos
Consentimos que nos apontem os nossos defeitos, aceitamos as punições que deles decorrem, sofremos pacientemente por causa desses defeitos. Mas perdemos a paciência se nos obrigam a pô-los de lado. Certos defeitos são imprescindíveis à existência dos indivíduos. Ser-nos-ia desagradável ver amigos de longa data porem de lado alguns dos seus particularismos.
A Minha Mulher, Matilde Urrutia
A minha mulher é provinciana como eu. Nasceu numa cidade do Sul, em Chillán, famosa pela sorte de possuir uma bela cerâmica camponesa e pela infelicidade de sofrer frequentemente terríveis terramotos. Falando para ela, disse-lhe tudo nos meus Cem Sonetos de Amor.
Talvez estes versos definam o que ela significa para mim. A terra e a vida nos juntaram.
Embora isto não interesse a ninguém, somos felizes. Dividimos o nosso tempo comum em longas permanências na solitária costa do Chile. Não no Verão, porque o litoral ressequido pelo sol se mostra amarelo e desértico; antes no Inverno, quando, em estranha floração, a terra se veste com as chuvas e o frio, de verde e amarelo, de azul e de púrpura. Subimos algumas vezes do solitário e selvático oceano para a nervosa cidade de Santiago, na qual sofremos juntamente com a complicada existência dos outros.Matilde canta com voz poderosa as minhas canções.
Eu dedico-lhe quanto escrevo e quanto tenho. Não é muito, mas ela está contente.
Vejo-a agora a enterrar os sapatos minúsculos na lama do jardim e, em seguida, a enterrar também as suas minúsculas mãos na profundidade da planta.
Da terra,
A Esterilidade do Quotidiano
Rara será a existência que actualmente se não deixe balouçar ao sabor das correntes, cada hora impelida a um rumo diferente pela última notícia que se leu ou pela última conversa que se teve. Sem fim a que aponte, a alma da maioria dos homens flutua na vida com a fraca vontade e a gelatinosa consistência das medusas; um dia se sucede a outro dia sem que o viver represente uma conquista, sem que a manhã que renasce seja uma criação do nosso próprio espírito e não o fenómeno exterior que passivamente se aceita e que por hábito nos impele a um determinado número de acções; desfez-se a crença em que o mundo é formado pelo homem, em que o reino de Deus terá de ser obtido, não como uma dádiva dependente do arbítrio de um ente superior, mas como a paciente, firme, contínua construção dos seus futuros habitantes. Daí a facilidade das entregas aos que ainda aparecem com dedos de escultor, daí os desânimos e as indiferenças, daí o supor-se que apenas surgimos no mundo para nos garantirmos, diariamente, um almoço, um jantar e uma casa; perdem-se as almas nas tarefas inferiores do existir, nenhuma grande aspiração de beleza,
Soneto
Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
Nossa existência um júbilo perene!
Nenhum pesar que o espírito envenene
Empanaria a luz do céu risonho!Não haveria mais: o adeus solene,
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
E o maior mal, que a todos anteponho,
A sede, a fome da cobiça infrene!Eu exterminaria a enfermidade,
Todas as dores da senilidade,
E os pecados mortais seriam dez…A criação inteira alteraria,
Porém, se eu fosse Deus, te deixaria
Exatamente a mesma que tu és!
Na luta feroz pela existência, queremos contar com alguma coisa duradoura. E enchemos a mente com bobagens e fatos, na esperança insensata de guardarmos o nosso lugar.’
As Perguntas Verdadeiramente Importantes
As perguntas verdadeiramente importantes são as que uma criança pode formular – e apenas essas. Só as perguntas mais ingénuas são realmente perguntas importantes. São as interrogações para as quais não há resposta. Uma pergunta para a qual não há resposta é um obstáculo para lá do qual não se pode passar. Ou, por outras palavras: são precisamente as perguntas para as quais não há resposta que marcam os limites das possibilidades humanas e traçam as fronteiras da nossa existência.