Passagens sobre Fantástico

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Frases sobre fantástico, poemas sobre fantástico e outras passagens sobre fantástico para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Não ligo assim uma importância por aí além a esta coisa complicadíssima a que se chama vida, quer ela decorra no meio de fantásticas alegrias, quer se arraste por entre as mágoas e os desalentos que são, afinal de contas, o pão de cada dia de quase todos nós.

Técnicas de Narrador

Os que me conheceram aos quatro anos dizem que era pálido e ensimesmado e que só falava para contar disparates, mas os meus relatos eram em grande parte episódios simples da vida diária, que eu tornava mais atraentes com pormenores fantásticos para que os adultos me prestassem atenção. A minha melhor fonte de inspiração eram as conversas que os mais velhos mantinham diante de mim, porque pensavam que não as entendia, ou as que cifravam de propósito para que não as entendesse. E, de facto, acontecia o contrário: absorvia-as como uma esponja, desmontava-as em peças, alterava-as para escamotear a origem, e quando as contava aos mesmos que as tinham contado ficavam perplexos pelas coincidências entre o que eu dizia e o que eles pensavam.

Às vezes não sabia o que fazer com a minha consciência e procurava dissimular com um rápido pestanejar. Tanto era assim que algum racionalista da família decidiu que eu fosse observado por um médico da vista, que atribuiu o meu pestanejar a uma infecção das amígdalas e me receitou um xarope de rábano iodado que me fez muito bem para aliviar os adultos. A avó, por seu lado, chegou à conclusão providencial de que o neto era adivinho.

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Ideal Comum

(Soneto escrito em colaboração com Oscar Rosas).

Dos cheirosos, silvestres ananases
De casca rubra e polpa acidulosa,
Tens na carne fremente, volutuosa,
Os aromas recônditos, vivazes.

Lembras lírios, papoulas e lilazes;
A tua boca exala a trevo e a rosa,
Resplande essa cabeça primorosa
E o dia e a noite nos teus olhos trazes.

Astros, jardins, relâmpagos e luares
Inundam-te os fantásticos cismares,
Cheios de amor e estranhos calafrios;

E teus seios, olímpicos, morenos,
Propinando-me trágicos venenos,
São como em brumas, solitários rios.

Princesa Desalento

Minh’alma é a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É revoltada, trágica, sombria,
Como galopes infernais de vento!

É frágil como o sonho dum momento,
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso duma boca fria!
Minh’alma é a Princesa Desalento…

Altas horas da noite ela vagueia…
E ao luar suavíssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!

O luar ouve a minh’alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz à tua porta…

Desde que Te Conheço

invade-me uma grande calma quando penso em ti. sinto-me bem, disposto para as mais difíceis tarefas, para os mais complicados e demorados trabalhos. já não é na turbulência das noites (vividas na pressa) que encontro a vontade de escrever. as noites cansaram-me, ia acabando comigo de vez na desordem e na ânsia de viver. claro que continuo a sair à noite e a amar esse espaço fantástico que é a cidade. esta cidade que amo, mas tu estás nela também. a cidade mudou desde o instante em que nela entraste. já não percorro a noite numa angústia que se esquece e anula na bebedeira, ao nascer do dia. desde que te conheço tenho levado uma vida bastante regrada. deixei de beber. deixei de andar por aí a ver se alguém me pega ou se eu pego em alguém. acabou. tenho-te e sinto uma felicidade estranha a dominar-me. trabalho calmamente, com vagar, e avanço sem ser aos tropeções. leio e releio o que escrevo. tudo se torna, de texto em texto, mais preciso, mais próximo do que penso. escrevo somente (como de resto sempre fiz) o que me dá gozo e ao mesmo tempo me perturba. por isso odeio tanto reler-me.

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Irradiações

Às crianças

Qual da amplidão fantástica e serena
À luz vermelha e rútila da aurora
Cai, gota a gota, o orvalho que avigora
A imaculada e cândida açucena.

Como na cruz, da triste Madalena
Aos pés de Cristo, a lágrima sonora
Caia, rolou, qual bálsamo que irrora
A negra mágoa, a indefinida pena…

Caia por vós, esplêndidas crianças
Bando feliz de castas esperanças,
Sonhos da estrela no infinito imersas;

Caia por vós, as músicas formosas,
Como um dilúvio matinal de rosas,
Todo o luar benéfico dos versos!

Decadentes

Richepin, Rollinat! gritos sangrentos
Da carne alvoroçada de desejos,
Mosto de risos, lágrimas e beijos,
Estertores de abutres famulentos.

Desesperado frêmito dos ventos,
De harpas, sutis, fantásticos harpejos,
Clarins de guerra, e cânticos e adejos
De aves — todos os vivos elementos.

Tudo flameja e nas estrofes canta,
Estruge, zune, em borbotões levanta
Noites, luares, fulgurantes dias.

Mas nessa ideal temperatura forte
Tudo isso é triste como a flor da morte
Que brota dentro das caveiras frias…

O Homem Irracional

Cubram-no de todos os bens terrenos, mergulhem-no na felicidade com a cabeça imersa de modo a só umas bolhas rebentarem à superfície; dêem-lhe uma prosperidade económica tal que não tenha mais nada que fazer senão dormir, comer doces e tratar da continuidade ininterrupta da história universal – então ele, o homem, mesmo assim, só por ingratidão, por maldade, far-vos-á uma pulhice qualquer. Arriscará até os doces e desejará propositadamente o mais prejudicial dos absurdos, o mais antieconómico disparate, unicamente para misturar com toda essa sensatez positiva o seu nocivo elemento fantástico. Desejará conservar precisamente os seus sonhos fantásticos, a sua estupidez mais ordinária, unicamente para confirmar a si mesmo (como se fosse assim tão indispensável) que as pessoas continuam a ser pessoas e não teclas de piano em que sejam as próprias leis da natureza a tocar, mas prometendo tocar a tal ponto que se tornará já impossível desejar qualquer coisa para além do calendário.
Mais ainda: mesmo que o homem se tornasse realmente uma tecla de piano, mesmo que tal facto lhe fosse provado por meio das ciências naturais e da matemática, não ganharia juízo, mas faria, de propósito, qualquer coisa contra, apenas por ingratidão; só para continuar na sua!

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Vida

Vida:
sensualíssima mulher de carnes maravilhosas
cujos passos são horas
cadenciadas
rítmicas
fatais.
A cada movimento do teu corpo
dispersam asas de desejos
que me roçam a pele
e encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais».
Vou seguindo teus passos
lutando e sofrendo
cantando e chorando
e ficam abertos meus braços:
nunca te alcanço!
Meu suplício de Tântalo.
Envelheço…
E tu, Vida, cada vez mais viçosa
na oscilação nervosa
das tuas ancas fecundas e sempre virgens!
À punhalada dilacero a folhagem
e abro clareiras
na floresta milenária do meu caminho.
Humildemente se rasga e avilta
no roçar dos espinhos
minha carne dorida.
E quando julgo chegada a hora
meu abraço de posse fica escancarado no ar!
Olímpica
firme
gloriosa
tu passas e não te alcanço, Vida.
Caio suado de borco
no lodo…
O vento da noite badala nos ramos
sarcasmos canalhas.
Não avisto a vida!
Tenho medo, grito.
Creio em Deus e nos fantásticos ecos
do meu grito
que vêm de longe e de perto
do sul e do norte
que me envolvem
e esmagam:
— maldita selva,

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Religião e Superstição

É tão grande a fraqueza do género humano, tamanha a sua perversidade, que, sem dúvida, lhe vale mais estar subjugado por todas as superstições possíveis – desde que não tenham carácter assassino – do que viver sem religião. O homem sempre teve necessidade de um freio e, por ridículo que fosse sacrificar aos faunos, aos silvanos ou às náiades, era mais razoável e mais útil adorar essas imagens fantásticas da Divindade do que entregar-se ao ateísmo. Um ateu que fosse razoador, violento e poderoso, seria um flagelo tão funesto como um supersticioso sanguinário.
Quando os homens não dispõem de sãs noções acerca da Divindade, as ideias falsas suprem-lhes a falta, tal como nos tempos de desgraça se fazem negócios com moeda falsa quando falta a moeda boa. O pagão, se cometia um crime, temia ser punido pelos seus falsos deuses; o malabar teme ser punido pelo seu pagode. Em todo o lado onde há uma sociedade estabelecida, é necessária uma religião. As leis exercem vigilância sobre os crimes conhecidos, a religião exerce-a sobre os crimes secretos.
Mas, a partir do momento em que os homens chegam a abraçar uma religião pura e santa, a superstição torna-se não apenas inútil,

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Te Quero

Pássaro perdido em raaresia, te quero,
com teus seios de nêsperas e teu colo de safira.
Assim prenhe de rosas, te quero,
assim estranha e múltipla, não consentida,
assim tranqüila, dispersa em sonho,
fantástica e só.

E mais que por isso te quero,
ave de asa tonta,
corpo e forma do meu canto.

Boneca da infância esquecida,
eis que te quero.

Em Todas as Sociedades Existe um Impulso Para a Conformidade

A imposição de padrões pelas sociedades aos seus extremamente diversificados indivíduos tem variado muito em diferentes períodos históricos e diferentes níveis de cultura. Nas culturas mais primitivas, onde as sociedades eram pequenas e ligadas a tradições muito estreitas, a pressão para o conformismo era naturalmente muito intensa. Quem ler literatura de antropologia ficará espantado com a natureza fantástica de algumas das tradições às quais os homens tiveram de se adaptar. A vantagem de uma sociedade grande e complexa como a nossa é permitir à variedade de seres humanos expressar-se de muitas maneiras; não precisa de haver uma adaptação intensa, como a que encontramos em pequenas sociedades primitivas. Mesmo assim, em toda a sociedade há sempre um impulso para a conformidade, imposto de fora pela lei e pela tradição, e que os indivíduos impõem sobre si mesmos, tentando imitar o que a sociedade considera o tipo ideal.
A esse respeito, recomendo um livro muito importante do filósofo francês Jules de Gaultier, publicado há cerca de cinquenta anos, chamado “Bovarismo”. O nome vem da heroína do romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary, no qual essa jovem mulher infeliz sempre tentava ser o que não era. Gaultier generaliza isso e diz que todos temos tendência a tentar ser o que não somos,

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Soneto Ditado Na Agonia

Já Bocage não sou!… À cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento…
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura;

Conheço agora já quão vã figura,
Em prosa e verso fez meu louco intento:
Musa!… Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse pura.

Eu me arrependo; a língua quasi fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui… a santidade
Manchei!… Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!.

Voz Interior

(A João de Deus)

Embebido n’um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n’um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso…

Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
Através d’uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso…

Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrível, monótono vaivém…

Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!

No que vagueia os olhos, contudo, surpreende-se-lhe o imanecer da bem-aventura, transordinária benignidade, o bom fantástico.

A vida é um grande espetáculo. Só não consegue homenageá-la quem nunca penetrou dentro de seu próprio ser e perceber como é fantástica a construção da sua inteligência.

Parece Que Nasceste, Oh! Pálida Divina

Parece que nasceste, oh! pálida divina,
Para seres o farol, a luz das puras almas!…
Parece que ao estridor, ao frêmito das palmas
Exalças-te feliz a plaga cristalina!…

Parece que se partem, angélica Bambina,
As campas glaciais dos Tassos e dos Talmas,
Lá quando no tablado as turbas sempre calmas
Transmutas em vulcão, em raio que fulmina!…

E quando majestosa, em lance sublimado
Dardejas do olhar, olímpico, sagrado
Mil chispas ideais, titânicas, ardentes!…

Então sente-se n’alma o trêmulo nervoso
Que deve ter o mar, fantástico, espumoso
Nos grossos vagalhões, indômitos, frementes!!…