Passagens sobre Fundo

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Frases sobre fundo, poemas sobre fundo e outras passagens sobre fundo para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Narciso

Dentro de mim me quis eu ver. Tremia,
Dobrado em dois sobre o meu próprio poço…
Ah, que terrível face e que arcabouço
Este meu corpo lânguido escondia!

Ó boca tumular, cerrada e fria,
Cujo silêncio esfíngico bem ouço!
Ó lindos olhos sôfregos, de moço,
Numa fronte a suar melancolia!

Assim me desejei nestas imagens.
Meus poemas requintados e selvagens,
O meu Desejo os sulca de vermelho:

Que eu vivo à espera dessa noite estranha,
Noite de amor em que me goze e tenha,
…Lá no fundo do poço em que me espelho!

A Regra Fundamental de Vida

Quando nós dizemos o bem, ou o mal… há uma série de pequenos satélites desses grandes planetas, e que são a pequena bondade, a pequena maldade, a pequena inveja, a pequena dedicação… No fundo é disso que se faz a vida das pessoas, ou seja, de fraquezas, de debilidades… Por outro lado, para as pessoas para quem isto tem alguma importância, é importante ter como regra fundamental de vida não fazer mal a outrem. A partir do momento em que tenhamos a preocupação de respeitar esta simples regra de convivência humana, não vale a pena perdermo-nos em grandes filosofias sobre o bem e sobre o mal. «Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti» parece um ponto de vista egoísta, mas é o único do género por onde se chega não ao egoísmo mas à relação humana.

Demônios

A língua vil, ignívoma, purpúrea
Dos pecados mortais bava e braveja,
Com os seres impoluídos mercadeja,
Mordendo-os fundo injúria por injúria.

É um grito infernal de atroz luxúria,
Dor de danados, dor do Caos que almeja
A toda alma serena que viceja,
Só fúria, fúria, fúria, fúria, fúria!

São pecados mortais feitos hirsutos
Demônios maus que os venenosos frutos
Morderam com volúpia de quem ama…

Vermes da Inveja, a lesma verde e oleosa,
Anões da Dor torcida e cancerosa,
Abortos de almas a sangrar na lama!

Barco Perdido

Oh! a vida é uma grande renúncia, partida
em pequenos fragmentos, todo dia, toda hora…
E a ironia maior, é que às vezes, a vida
de renúncia em renúncia aos poucos vai embora…

Tu voltaste de novo… e o doce amor de outrora
trouxeste ainda no olhar, na expressão comovida.
e eis que o meu coração no reencontro de agora
transforma em labareda a chama adormecida…

No entanto, que fazer? Há uma âncora no fundo…
Hoje, sou como um barco sobre o mar do mundo,
barco esquife, onde jaz um marinheiro morto…

Velas rôtas ao vento… os mastros aos pedaços…
E te vejo seguir, e a acenar-me teus braços,
e me deixo ficar, sem destino, nem porto…

Tempestade!

O meu beliche é tal qual o bercinho,
Onde dormi horas que não vêm mais.
Dos seus embalos já estou cheiinho:
Minha velha ama são os vendavaes!

Uivam os ventos! Fumo, bebo vinho.
O vapor treme! Abraço a Biblia, aos ais…
Covarde! Que dirá teu Avôzinho,
Que foi moreante? Que dirão teus Paes?

Coragem! Considera o que has soffrido,
O que soffres e o que ainda soffrerás,
E ve, depois, se accaso é permittido

Tal medo á Morte, tanto apego ao mundo:
Ah! fôra bem melhor, vás onde vás,
Antonio, que o paquete fosse ao fundo!

Como Manipular um Público

Segundo uma lei conhecida, os homens, considerados colectivamente, são mais estúpidos do que tomados individualmente. Numa conversa a dois, convém que respeitemos o parceiro, mas essa regra de conduta já não é tão indispensável num debate público em que se trata de dispor as massas a nosso favor.

Há uns anos, um político pagou a figurantes para o aplaudirem numa concentração. Como bom profissional, compreendera que uma claque, embora não melhore o discurso, predispõe melhor os espectadores a descobrirem os seus méritos. O mimetismo é a mola principal para mover as massas no sentido do entusiasmo, do respeito ou do ódio. Mesmo perante um pequeno público de trinta pessoas, há sempre algo de religioso que provém da coagulação dos sentimentos individuais em expressão colectiva. No meio de um grupo, é necessária uma certa energia para pensar contra a maioria e coragem para exprimir abertamente essa opinião.
Os manipuladores de opinião ou, para utilizar uma palavra mais delicada, os comunicadores, sabem que, para conduzir mentalmente uma assembleia numa determinada direcção, é necessário começar por agir sobre os seus líderes. A primeira tarefa consiste em determinar quem são, apesar de eles próprios não o saberem. Um manipulador não tarda a distinguir o punhado de indivíduos em que pode apoiar-se para influenciar os outros.

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O que é a riqueza? Para um, uma velha camisa já é riqueza. Outro é pobre com dez milhões. A riqueza é algo completamente relativo e insatisfatório. No fundo, não passa de uma situação peculiar.

Eternidade

A minha eternidade neste mundo
Sejam vinte anos só, depois da morte!
O vento, eles passados, que, enfim, corte
A flor que no jardim plantei tão fundo.

As minhas cartas leia-as quem quiser!
Torne-se público o meu pensamento!
E a terra a que chamei — minha mulher —
A outros dê seu lábio sumarento!

A outros abra as fontes do prazer
E teça o leito em pétalas e lume!
A outros dê seus frutos a comer
E em cada noite a outros dê perfume!

O globo tem dois pólos: Ontem e hoje.
Dizemos só: — Meu pai! ou só:— Meu filho!
O resto é baile que não deixa trilho.
Rosto sem carne; fixidez que foge.

Venham beijar-me a campa os que me beijam
Agora, frágeis, frívolos e humanos!
Os que me virem, morto, ainda me vejam
Depois da morte, vivo, ainda vinte anos!

Nuvem subindo, anis que se evapora…
Assim um dia passe a minha vida!
Mas, antes, que uma lágrima sentida
Traga a certeza de que alguém me chora!

Adro!

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No Fundo Somos Bons Mas Abusam de Nós

O comum das gentes (de Portugal) que eu não chamo povo porque o nome foi estragado, o seu fundo comum é bom. Mas é exactamente porque é bom, que abusam dele. Os próprios vícios vêm da sua ingenuidade, que é onde a bondade também mergulha. Só que precisa sempre de lhe dizerem onde aplicá-la. Nós somos por instinto, com intermitências de consciência, com uma generosidade e delicadeza incontroláveis até ao ridículo, astutos, comunicáveis até ao dislate, corajosos até à temeridade, orgulhosos até à petulância, humildes até à subserviência e ao complexo de inferioridade. As nossas virtudes têm assim o seu lado negativo, ou seja, o seu vício. É o que normalmente se explora para o pitoresco, o ruralismo edificante, o sorriso superior. Toda a nossa literatura popular é disso que vive.
Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa singularidade no limiar de uma «civilização planetária»? Que significa o regionalismo em face da rádio e da TV? O rasoiro que nivela a província é o que igualiza as nações. A anulação do indivíduo de facto é o nosso imediato horizonte. Estruturalismo, linguística, freudismo, comunismo, tecnocracia são faces da mesma realidade. Como no Egipto, na Grécia,

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Uma alma que se sabe amada, mas que por sua vez não ama, denuncia o seu fundo: – vem á superfície o que nela há de mais baixo.

A Guerra como Revolta da Técnica

Todos os esforços para estetizar a política convergem para um ponto. Esse ponto é a guerra. A guerra e somente a guerra permite dar um objectivo aos grandes movimentos de massa, preservando as relações de produção existentes. Eis como o fenómeno pode ser formulado do ponto de vista político. Do ponto de vista técnico, a sua formulação é a seguinte: somente a guerra permite mobilizar na sua totalidade os meios técnicos do presente, preservando as actuais relações de produção. É óbvio que a apoteose fascista da guerra não recorre a esse argumento. Mas seria instrutivo lançar os olhos sobre a maneira como ela é formulada. No seu manifesto sobre a guerra colonial da Etiópia, diz Marinetti: «Há vinte e sete anos, nós futuristas contestamos a afirmação de que a guerra é antiestética (…) Por isso, dizemos: (…) a guerra é bela, porque graças às máscaras de gás, aos megafones assustadores, aos lança-chamas e aos tanques, funda a supremacia do homem sobre a máquina subjugada. A guerra é bela, porque inaugura a metalização onírica do corpo humano. A guerra é bela, porque enriquece um prado florido com as orquídeas de fogo das metralhadoras. A guerra é bela, porque conjuga numa sinfonia os tiros de fuzil,

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Este é o prodígio da literatura, poder ser capaz de chegar mais fundo na consciência dos leitores, mesmo falando sobre uma outra coisa.

Civilização de Especialistas

A verdade é que hoje vivemos numa civilização de especialistas e que é vão todo o empenho de que seja de outro modo. Sob pena de não ser eficiente, o homem das artes, das ciências e das técnicas tem de se especializar, para que domine aqueles segredos de bibliografia ou de prática, e para que obtenha os jeitos e a forte concentração de pensamento que se tornam necessários para que se possa não só manejar o que se herdou mas acrescentar património para as gerações futuras. E, se é certo que por um lado o especialismo favorece aquela preguiça de ser homem que tanto encontramos no mundo, permite ele, por outro lado, aproveitar em tarefas úteis indivíduos que pouco brilhantes seriam no tratamento de conjuntos. O preço, porém, se tem naturalmente de pagar; paga-o o colectivo quando se queixa, e muito justamente, da falta de bons líderes, de homens com uma larga visão de conjunto, que saibam do trabalho de cada um o suficiente para o poderem dirigir e se tenham eles tornado especialistas na difícil arte de não ter especialidade própria senão essa mesma do plano, da previsão e do animar na batalha as tropas que, na maior parte das vezes,

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O Professor como Mestre

Não me basta o professor honesto e cumpridor dos seus deveres; a sua norma é burocrática e vejo-o como pouco mais fazendo do que exercer a sua profissão; estou pronto a conceder-lhe todas as qualidades, uma relativa inteligência e aquele saber que lhe assegura superioridade ante a classe; acho-o digno dos louvores oficiais e das atenções das pessoas mais sérias; creio mesmo que tal distinção foi expressamente criada para ele e seus pares. De resto, é sempre possível a comparação com tipos inferiores de humanidade; e ante eles o professor exemplar aparece cheio de mérito. Simplesmente, notaremos que o ser mestre não é de modo algum um emprego e que a sua actividade se não pode aferir pelos métodos correntes; ganhar a vida é no professor um acréscimo e não o alvo; e o que importa, no seu juízo final, não é a ideia que fazem dele os homens do tempo; o que verdadeiramente há-de pesar na balança é a pedra que lançou para os alicerces do futuro.
A sua contribuição terá sido mínima se o não moveu a tomar o caminho de mestre um imenso amor da humanidade e a clara inteligência dos destinos a que o espírito o chama;

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Falar Sempre, Pensar Nunca

Desde que, com a ajuda do cinema, das soap operas e do horney, a psicologia profunda penetra nos últimos rincões, a cultura organizada corta aos homens o acesso à derradeira possibilidade da experiência de si mesmo. E esclarecimento já pronto transforma não só a reflexão espontânea, mas o discernimento analítico, cuja força é igual à energia e ao sofrimento com que eles se obtêm, em produtos de massas, e os dolorosos segredos da história individual, que o método ortodoxo se inclina já a reduzir a fórmulas, em vulgares convenções.
Até a própria dissolução das racionalizações se torna racionalização. Em vez de realizar o trabalho de autognose, os endoutrinados adquirem a capacidade de subsumir todos os conflitos em conceitos como complexo de inferioridade, dependência materna, extrovertido e introvertido, que, no fundo, são pouco menos que incompreensíveis. O horror em face ao abismo do eu é eliminado mediante a consciência de que não se trata mais do que uma artrite ou de sinus troubles.
Os conflitos perdem assim o seu aspecto ameaçador. São aceites; não sanados, mas encaixados somente na superfície da vida normalizada como seu ingrediente inevitável. São, ao mesmo tempo, absorvidos como um mal universal pelo mecanismo da imediata identificação do indivíduo com a instância social;

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Sempre nos Reduzimos às Limitações do Nosso Interlocutor

Ninguém pode ver acima de si. Com isso quero dizer: cada pessoa vê em outra apenas o tanto que ela mesma é, ou seja, só pode concebê-la e compreendê-la conforme a medida da sua própria inteligência. Se esta for de tipo inferior, então todos os dons intelectuais, mesmo os maiores, não lhe causarão nenhuma impressão, e ela perceberá no possuidor desses grandes dons apenas os elementos inferiores da individualidade dela própria, isto é, todas as suas fraquezas, os seus defeitos de temperamento e carácter. Eis os ingredientes que, para ela, compõem o homem eminente, cujas capacidades intelectuais elevadas lhe são tão pouco existentes, quanto as cores para os cegos. De facto, todos os espíritos são invisíveis para os que não o possuem, e toda a avaliação é um produto do que é avaliado pela esfera cognitiva de quem avalia.
Disso resulta que nos colocamos ao mesmo nível do nosso interlocutor, pois tudo o que temos em excedência desaparece, e até mesmo a auto-abnegação exigida em tal atitude permanece irreconhecida por completo. Ora, se considerarmos o quanto a maioria dos homens é de mentalidade e inteligência inferiores, portanto, o quanto é comum, veremos que não é possível falar com ele sem,

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