Demogorgon
Na rua cheia de sol vago há casas paradas e gente que anda.
Uma tristeza cheia de pavor esfria-me.
Pressinto um acontecimento do lado de lá das frontarias e dos movimentos.Não, não, isso não!
Tudo menos saber o que é o Mistério!
Superfície do Universo, ó Pálpebras Descidas,
Não vos ergais nunca!
O olhar da Verdade Final não deve poder suportar-se!Deixai-me viver sem saber nada, e morrer sem ir saber nada!
A razão de haver ser, a razão de haver seres, de haver tudo,
Deve trazer uma loucura maior que os espaços
Entre as almas e entre as estrelas.Não, não, a verdade não! Deixai-me estas casas e esta gente;
Assim mesmo, sem mais nada, estas casas e esta gente…
Que bafo horrível e frio me toca em olhos fechados?
Não os quero abrir de viver! ó Verdade, esquece-te de mim!
Passagens sobre Gente
1211 resultadosQuem sabe direito o que uma pessoa é? Antes sendo: julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado.
O Flamengo tem mais torcida, o Fluminense tem mais gente!
O Juízo Final
Chegou o miserável milionário no céu e, impacientemente, esperou a sua vez de ser julgado. Introduziram-no numa sala, noutra sala, noutra sala, até que se viu frente a uma luz ofuscante, na qual pouco a pouco foi dintinguindo a figura santa do pai dos Homens. Em voz tonitroante este, tendo à direita, Pedro, e, à esquerda, uma figura que ele não conhecia, julgou sumariamente dois outros pecadores que estavam à sua frente. E, afinal, dirigiu-se a ele:
– Que fez você de bom na sua vida ?
– Bem, eu nasci, cresci, amei, casei, tive filhos, vivi.
– Ora – disse o Senhor – isso são actos sociais e biológicos a que você estava destinado. Quero saber que bondade específica e determinada você teve para com o seu semelhante.
– Bem – disse o milionário – eu criei indústrias, comprei fazendas, dei emprego a muita gente, melhorei as condições sociais de muita gente.
– Não, isso não serve – disse o Todo-Poderoso – essas acções estavam implícitas ao acto de você enriquecer. Você as praticou porque precisava viver melhor. Não foram intrinsecamente boas acções, desprendidas, não servem.
O milionário escarafunchou o cérebro e não encontrou nada.
Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia
Siga-se Amor
Ou fosse, Nize, em nós pouca cautela,
Ou que alguém pressentisse o nosso enleio,
Tudo se sabe já; tudo é já cheio,
Qu’algum cuidado há muito nos disvela.Dizem, qu’eu sou feliz, que tu és bela;
E às vezes com satírico rodeio,
Um murmura, outro zomba, e sem receio
A fama cada qual nos atropela.Mas se nunca se tapa a boca à gente,
E se amor sempre activo nos devora,
Porque aquela é mordaz, porque este ardente;Adoremo-nos pois como até agora:
Siga-se amor; arraste-se a corrente;
E se o mundo falar, que fale embora.
Eu acho que, para toda a gente, o que é necessário haver num país é os três S: S número um, sustento; S número dois, saber; S número três, saúde. Só a seguir ao sustento é que vem o saber. E perguntar às pessoas «o que é que querem aprender?» e eu digo isto para grandes e para pequenos.
O amor, seja por quem for ou em que circunstâncias, deveria estar imune a qualquer culpa e a qualquer atrito. Acredito profundamente que quando se ama, é largada para o ar que todos respiramos uma espécie de energia capaz de contagiar gente que acabou de se conhecer, e de todas as partes do mundo, ao ponto de transformar as suas indecisões em ações.
Aprende a Ser como os Outros
Não precisamos de ler, estudar ou conhecer ninguém, quando produzimos nós próprios. Pois não basta que produzamos nós próprios? E gostemos de nós próprios? Que nos pode dar o espírito alheio, quando sobre o próprio nosso desceu em línguas de fogo a sabedoria de tudo? Melhor: A verdade é que nem precisamos nós próprios de produzir (toda a produção é uma limitação), ou mal precisamos de produzir, para usufruirmos as vantagens do criador e produtor. (…) Aprende a contar uma anedota; duas anedotas; três anedotas; quatro anedotas… uma anedota diverte muita gente; quatro anedotas divertem muito mais… aprende a polvilhar de blague todas essas ideias sérias, pesadas, profundas, obscuras, – ao cabo simplesmente maçadoras – com que pretendes sufocar (…); aprende a cultivar aquele subtil espírito de futilidade que ligeiramente embriaga como um champanhe, e a toda a gente agrada, lisonjeia todos, por a todos nos dar a reconfortante impressão de pertencermos ao mesmo meio… estarmos ao mesmo nível; não queiras ser nem sobretudo sejas mais inteligente ou mais sensível, mais honesto ou mais sincero, mais trabalhador ou mais culto, mais profundo ou mais agudo… numa palavra: superior. Sim, homem! aprende a ser como os outros, dizendo bem ou mal de tudo e todos –
O amor é uma coisa real, e a gente nunca deve se esquecer.
À medida que os filhos crescem, a mãe deve diminuir de tamanho. Mas a tendência da gente é continuar a ser enorme.
Quem é amigo de toda a gente não é amigo de ninguém. A amizade é séria demais, é bela demais – para poder ser partilhada com muitas pessoas.
O Futuro é dos Virtuosos e dos Capazes
É preciso confessar, o presente é dos ricos, e o futuro é dos virtuosos e dos capazes. Homero ainda vive, e viverá sempre; os recebedores de direitos, os publicanos, não existem mais: existiram algum dia? A sua pátria, os seus nomes, são conhecidos? Houve arrecadores de impostos na Grécia? Que fim levaram essas personagens que desprezavam Homero, que só pensavam, na rua, em evitá-lo, não correspondiam à sua saudação, ou o saudavam pelo nome, desdenhavam associá-lo à sua mesa, olhavam-no como um home que não era rico e fazia um livro?
O mesmo orgulho que faz elevar-se altivamente acima dos seus inferiores, faz rastejar vilmente diante dos que estão acima de si. É próprio deste vício, que não se funda sobre o mérito pessoal nem sobre a virtude, e sim sobre as riquezas, cargos, crédito, e sobre ciências vãs, levar-nos igualmente a desprezar os que têm menos essa espécie de bens do que nós e a apreciar demais aqueles que têm uma medida que excede a nossa.Há almas sujas, amassadas com lama e sujidade, tomadas pelo desejo de ganho e interesse, como as belas almas o são pelo da glória e da virtude: capazes de uma única volúpia,
Dia de Natal
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?)
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente acotovela,
Se os macacos chegassem a experimentar tédio, poderiam tornar-se gente.
O que Distingue um Amigo Verdadeiro
Não se pode ter muitos amigos. Mesmo que se queira, mesmo que se conheçam pessoas de quem apetece ser amiga, não se pode ter muitos amigos. Ou melhor: nunca se pode ser bom amigo de muitas pessoas. Ou melhor: amigo. A preocupação da alma e a ocupação do espaço, o tempo que se pode passar e a atenção que se pode dar — todas estas coisas são finitas e têm de ser partilhadas. Não chegam para mais de um, dois, três, quatro, cinco amigos. É preciso saber partilhar o que temos com eles e não se pode dividir uma coisa já de si pequena (nós) por muitas pessoas.
Os amigos, como acontece com os amantes, também têm de ser escolhidos. Pode custar-nos não ter tempo nem vida para se ser amigo de alguém de quem se gosta, mas esse é um dos custos da amizade. O que é bom sai caro. A tendência automática é para ter um máximo de amigos ou mesmo ser amigo de toda a gente. Trata-se de uma espécie de promiscuidade, para não dizer a pior. Não se pode ser amigo de todas as pessoas de que se gosta. Às vezes, para se ser amigo de alguém,
E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz, você era a princesa que eu fiz coroar e era tão linda de se admirar!
Adeus
A ti, que em astros desenhei nos céos,
A ti, que em nuvens desenhei nos ares,
A ti, que em ondas desenhei nos mares,
A ti, bom anjo! o derradeiro adeus!Parto! Se um dia (que é possivel flôr!)
Vires ao longe negrejar um vulto,
Sou eu que aos olhos d’esta gente occulto
O nosso immenso desgraçado amor.Talvez as féras ao ouvir meus ais,
As brutas selvas, as montanhas brutas,
Concavas rochas, solitarias grutas,
Mais se condoam, se commovam mais!E lá d’aquellas solidões se aqui
Chegar gemido que uma pedra estala,
Que um cedro vibra, que um carvalho abala,
Sou eu que o solto por amor de ti…De ti! que em folha que varrer o ar,
Em rama, em sombra que bandeie a aragem,
De fito sempre n’essa cara imagem
Verei, sorrindo, sentirei passar!De ti, que em astros desenhei nos céos!
De ti, que em nuvens desenhei nos ares!
De ti, que em ondas desenhei nos mares,
E a quem envio o derradeiro adeus!
Que Importa?…
Eu era a desdenhosa, a indif’rente.
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violências de paixão
Como bate no peito à outra gente.Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de Desejo ou de emoção,
Enquanto a asa loira da ilusão
Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.Minh’alma, a pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte
Toda ela é riso, e é frescura, e graça!Nela refresca a boca um só instante…
Que importa?… Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes… quando passa?…
Não acho maravilhoso envelhecer. A gente envelhece na marra, porque não há mesmo outro jeito, já fui a tantas estações de águas, já bebi de tantas fontes – onde a Fonte da Juventude, onde?