Confissão Social
Ninguém tem qualquer interesse em saber isto; mas se eu tivesse de me confessar socialmente, a síntese do meu desespero era esta: que cheguei, em matéria de descrença no homem, à saturação.
E, contudo, este perdido, este condenado, merece-me uma ternura tal, que não há tolice que faça, asneira que invente, mentira que diga que me deixem indiferente. Tenho por força de olhar, reparar, ouvir, e comentar com toda a paixão de que sou capaz.
Passagens sobre Indiferentes
150 resultadosPai
Pai. A tarde dissolve-se sobre a terra, sobre a nossa casa. O céu desfia um sopro quieto nos rostos. Acende-se a lua. Translúcida, adormece um sono cálido nos olhares. Anoitece devagar. Dizia nunca esquecerei, e lembro-me. Anoitecia devagar e, a esta hora, nesta altura do ano, desenrolavas a mangueira com todos os preceitos e, seguindo regras certas, regavas as árvores e as flores do quintal; e tudo isso me ensinavas, tudo isso me explicavas. Anda cá ver, rapaz. E mostravas-me. Pai. Deixaste-te ficar em tudo. Sobrepostos na mágoa indiferente deste mundo que finge continuar, os teus movimentos, o eclipse dos teus gestos. E tudo isto é agora pouco para te conter. Agora, és o rio e as margens e a nascente; és o dia, e a tarde dentro do dia, e o sol dentro da tarde; és o mundo todo por seres a sua pele. Pai. Nunca envelheceste, e eu queria ver-te velho, velhinho aqui no nosso quintal, a regar as árvores, a regar as flores. Sinto tanta falta das tuas palavras. Orienta-te, rapaz. Sim. Eu oriento-me, pai. E fico. Estou. O entardecer, em vagas de luz, espraia-se na terra que te acolheu e conserva. Chora chove brilho alvura sobre mim.
Podemos odiar aqueles que amamos. Os outros são-nos indiferentes.
A Amizade é Indispensável ao Nosso Ser
A amizade é a unica coisa cuja utilidade é unanimemente reconhecida. A própria virtude tem muitos detratores, que a acusam de ostentação e charlatanismo. Muitos desprezam as riquezas e, contentes de pouco, agradam-se da mediocridade. As honras, à procura da qual se matam tanto as pessoas, quantos outros as desdenham até olhá-las como o que há de mais fútil e de mais frívolo? E, assim, quanto ao mais! O que a uns parece admirável, ao juízo doutros nada é. Mas quanto à amizade, toda a gente está de acordo: os que se ocupam dos negócios públicos, os que se apaixonaram pelo estudo e pelas indagações sapientes, e os que, longe do bulício, limitam os seus cuidados aos seus interesses privados: todos enfim, aqueles mesmos que se entregaram todos inteiros aos prazeres, declaram que a vida nada é sem a amizade, por pouco que queiram reservar a sua para algum sentimento honorável.
Ela se insinua, com efeito, não sei como, no coração de todos os homens e não se admite que, sem ela, possa passar nenhuma condição da vida. Bem mais, se é um homem de natureza selvagem, muito feroz para odiar seus semelhantes e fugir do seu contacto, como fazia,
Se te é indiferente matar uma criança ou uma mosca, podes dizer com verdade que estão mortos todos os valores. Mas nesse caso e em coerência com essa verdade, deve ser-te indiferente continuares livre ou seres preso. Ou enforcado.
O Grito
Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelosse ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morressese a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrerse a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimasse ao menos esta dor sangrasse
A Glória em Função dos Feitos e das Obras
Enquanto a nossa honra vai até onde somos pessoalmente conhecidos, a glória, pelo contrário, precede o nosso conhecimento e leva-o até onde ela mesmo consegue ir. Todo o indivíduo tem direito à honra; à glória, apenas as excepções, pois apenas mediante realizações excepcionais é possível atingi-la. Tais realizações, por sua vez, são feitos ou obras. A partir deles, abrem-se dois caminhos para a glória. Antes de mais nada, é o grande coração que capacita para os feitos; para as obras, a grande cabeça. Ambas possuem as suas próprias vantagens e desvantagens. A diferença principal é que os feitos passam, e as obras permanecem.
Dos feitos, permanece apenas a lembrança, que se torna cada vez mais fraca, desfigurada e indiferente, e que está até mesmo fadada a extinguir-se gradualmente, caso a história não a recolha e a transmita para a posteridade em estado petrificado. As obras, pelo contrário, são imortais e podem, pelo menos as escritas, sobreviver em todos os tempos. O mais nobre dos feitos tem apenas uma influência temporária; a obra genial, pelo contrário, vive e faz efeito, de modo benéfico e sublime, por todos os tempos. De Alexandre, o Grande, vivem nome e memória, mas Platão e Aristóteles,
A Sabedoria na Riqueza
Haverá dúvidas de que um homem de sabedoria tem mais condições para desenvolver as suas qualidades no meio das riquezas do que na pobreza? Na pobreza, só há um género de virtude: não se curvar nem se abater; na riqueza, a temperança, a liberalidade, a frugalidade, a ordem e a magnificência têm um campo aberto. O sábio não se desprezará a si próprio, mesmo que seja de baixa estatura; desejará porém ser elegante. Com um corpo frágil ou com um olho a menos, ele sentir-se-á bem, mas preferirá, contudo, que o seu corpo seja robusto, apesar de saber que, em si, há algo mais forte. Ele tolerará uma saúde má, procurando ter uma saúde boa. De facto, algumas coisas, ainda que sejam pequenas em relação ao conjunto, quando são aproveitadas sem que se arruíne o bem principal, contribuem para a perpétua alegria, que nasce da virtude: as riquezas causam ao sábio a mesma impressão e o mesmo gáudio que causa o vento favorável ao navegador, ou que um belo dia causa num lugar enregelado pelo frio do Inverno. Quem, entre os sábios (falo dos nossos, aqueles para os quais a virtude é um bem) nega que mesmo estas coisas, que consideramos indiferentes,
Uma Após Uma as Ondas Apressadas
Uma Após Uma
Uma após uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva ‘spuma
No moreno das praias.Uma após uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o ‘spaço
Do ar entre as nuvens ‘scassas.Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste dia calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.Só uma vaga pena inconsequente
Pára um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.
Duplo
Olho-me adentro sem cessar e no silêncio
e na penumbra de mim mesmo não me exprimo
nesse mim que se esconde e se retrai no vago
espaço de urna célula e vai construindo
outro mim de mim, disposto em gêmeos compassos,
e não aparece ao olho, ao espelho, à imagem
casualmente em máscara, fechado à curio-
sidade de meus olhos lacerados, cegos
de tanta luz enganosa, nem se derrama
sobre a superfície polida e indiferente,
enquanto cresce em mim a presença de estranho
ser não eu, de irrevelada e própria pessoa,
que domina esse meu corpo, casca de angústia
e contradições simétricas envolventes,
e me explora e me assimila; mas sou eu só
a me percorrer e nele me vejo e sinto,
como de dois corpos iguais matéria viva,
e me faço e refaço e me desfaço sempre
e recomeço e junto a mim eu mesmo, gêmeo,
nada acabo e tudo abandono, dividido
entre mim e mim na batalha interminável…
Natureza Íntima
Ao filósofo Farias Brito
Cansada de observar-se na corrente
Que os acontecimentos refletia,
Reconcentrando-se em si mesma, um dia,
A Natureza olhou-se interiormente!Baldada introspecção! Noumenalmente
O que Ela, em realidade, ainda sentia
Era a mesma imortal monotonia
De sua face externa indiferente!E a Natureza disse com desgosto:
“Terei somente, porventura, rosto?!
“Serei apenas mera crusta espessa?!“Pois é possível que Eu, causa do Mundo,
“Quanto mais em mim mesma me aprofundo,
“Menos interiormente me conheça?!”
Supremo Orgulho
Nunca soube pedir…Nunca soube implorar…
Nasci, tendo este orgulho em minha lama irriquieta,
– há um brilho que incendeia o meu altivo olhar
de crente superior… de indiferente asceta…Minha fronte, jamais, eu soube curvar
na atitude servil de uma existência abjeta…
Ninguém é mais que eu!… Ninguém… e este meu ar
de orgulho, vem da glória imensa de ser poeta…Sou pobre – mas riqueza alguma há igul à minha,
– a mulher que eu amar terá a glória suprema
de um dia se sentir maior que uma rainha….Terá a glória de saber o seu nome
perpetuado por mim nas estrofes de um poema,
desses que a História guarda e o Tempo não consome!
Nirvana
Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro – é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!
A arte e a sociedade são inseparáveis. A sociedade produz a arte e o produto aperfeiçoa a sociedade. Esta finalidade pode não estar imediatamente patente na espécie artística, mas é ela que a determina. Até mesmo as formas de arte declaradamente negativas ou indiferentes obedecem por caminhos ínvios a esta lei.
Só!
Muito embora as estrelas do Infinito
Lá de cima me acenem carinhosas
E desça das esferas luminosas
A doce graça de um clarão bendito;Embora o mar, como um revel proscrito,
Chame por mim nas vagas ondulosas
E o vento venha em cóleras medrosas
O meu destino proclamar num grito,Neste mundo tão trágico, tamanho,
Como eu me sinto fundamente estranho
E o amor e tudo para mim avaro…Ah! como eu sinto compungidamente,
Por entre tanto horror indiferente,
Um frio sepulcral de desamparo!
Reclamar com Espalhafato
Pelo facto de uma situação de crise (por exemplo, os vícios de uma administração, a corrupção e o favoritismo em agremiações políticas ou eruditas) ser descrita com forte exagero, essa descrição perde, na verdade, o seu efeito junto das pessoas sensatas, mas actua tanto mais fortemente sobre as que o não são (as quais teriam permanecido indiferentes ante uma exposição bem comedida). Como estas, porém, constituem uma significativa maioria e albergam em si uma maior força de vontade e um gosto mais impetuoso pela acção, esse exagero torna-se pretexto para inquéritos, punições, promessas, reorganizações. É nessa medida que é rentável descrever situações críticas em termos exagerados.
Os comunistas têm cometido grandes crimes, mas, pelo menos, não têm ficado à margem, como uma sociedade estabelecida, nem têm sido indiferentes. Eu preferiria ter sangue nas mãos a ter água, como Pilatos.
Viver muito tempo significa sobreviver a muitos entes amados, odiados, indiferentes.
Todos os Problemas se Dissiparam
(…) esta melancolia sombria, acumulada em mim por um pensamento constante, um pensamento muito acima do meu alcance: que tudo na vida não tem importância.
Sim, este pensamento ocupa-me há já muito tempo, mas a convicção completa só apareceu em mim, no ano passado. Tudo é sem importância, eis a verdade. Existirá o mundo? Ou não haverá nada em nenhuma parte? E tive a revelação de que não há nada à minha volta. Parecia-me, no entanto, que até essa altura estive rodeado por seres estranhos a mim, mas compreendi que eram aparências infrutíferas. Nada existiu, nada existe, nada existirá. Deixei logo de me irritar com os outros e de me ocupar deles. Palavra! Até chocava com os transeuntes, de tão alheado que estava. Contudo, alheado por quê? Tinha deixado de pensar. Tudo me era indiferente. Ainda se eu procurasse resolver os grandes problemas! Eu não resolvia nada, os problemas bloqueavam-me em vão; tudo se tornou para mim sem importância, e todos os problemas se dissiparam.
Viver Sempre Perfeitamente Feliz
Viver sempre perfeitamente feliz. A nossa alma tem em si mesma esse poder de ficar indiferente perante as coisas indiferentes. Ficará indiferente se considerar cada uma delas analiticamente e em bloco, lembrando-se que nenhuma nos impõe opinião a seu respeito nem nos vem solicitar; os objectos estão aí imóveis e somos nós que formamos os nossos juízos sobre eles e os entalhamos, por dizê-lo assim, em nós mesmos; e está em nosso poder não os gravar e, se eles se insinuam nalgum cantinho da alma, apagá-los de repente.
Depois os cuidados que te pungem não duram, bem depressa deixará de viver. E por que tens um penoso sentimento de serem assim as coisas? Se são conformes à natureza aceita-as alegremente e sejam-te propícias. Se vão ao arrepio da natureza, busca o que for conforme à tua natureza, e corre nessa direcção, fosse-te ela menos propícia; merece indulgência quem procura o seu próprio bem.