À Morte
Os correos da morte são chegados,
Por caminhos antigos, impedidos,
Mal com meus olhos, mal com meus ouvidos,
Mal com meus pés, do chão mal levantados.E mal, por não chorar bem meus pecados,
Que sendo sete, e cinco, meus sentidos,
Por serem tantas vezes repetidos,
Impossível será serem contados.Se não viera a morte acompanhada
Da conta, que dar devo tão estreita,
Não fora tão penosa imaginada.Mas a que vivo ou morto tenho feita,
Tenho com meu Senhor na cruz pregada,
Onde o ladrão contrito não se enjeita.
Passagens sobre Mal
1898 resultadosA avareza é a raiz de todos os males.
Sorrio
Ah! vieste me falar de antigamente
desse tempo em que fui sentimental,
quando o amor era um sonho puro e ardente
vestido em véu de espumas, nupcial…Quando me dava, perdulariamente,
vivendo o mal sem conhecer o mal,
a levar a alma inquieta de quem sente
e de quem busca uma conquista ideal…Era sestro da idade essa existência…
Sinal de pouca vida e muito sonho,
de muito sonho… e pouca experiência…Hoje, no entanto, se a pensar me ponho:
– sorrio… Um vão sorriso de indulgência…
…Sinal de muita vida… e pouco sonho…
Há pessoas que não param de se atormentar com a lembrança de coisas passadas; outras se afligem pelos males que virão. É tudo absurdo, pois o que já aconteceu não nos afeta mais e o futuro ainda não nos toca… Devemos contar cada dia como uma vida separada.
Aqueles que procuram pelo mal nas pessoas com certeza o encontrarão
Idiotia e Felicidade
Como pode ser-se idiota e, ao mesmo tempo, feliz, pergunta-me um leitor? Pois explico já. A idiotia e a felicidade são ideias muito vagas, difíceis de cingir em conceitos de circulação universal, digamos. Mas, pensando melhor, acho que certa idiotia é susceptível de conferir ao idiota seu proprietário (ou seu prisioneiro) uma espécie de segurança em si próprio que o levará, em determinados momentos, julgo eu, a uma beatitude muito próxima do que se pode chamar estado de felicidade.Assim sendo, não vejo incompatibilidade entre o ser-se idiota e o ser-se feliz. Bem sei que há várias maneiras de se chegar a idiota. Uma delas foi experimentada comigo. Uma parente minha queria por força reconverter-me ao Catolicismo e, deste modo, passava a vida a dizer-me: «Alexandre, não penses. Se começas a pensar estragas tudo. A crença em Deus, se, em vez de pensares, reaprenderes a rezar, vem por si. É uma graça, sabias? Vá, reza comigo.» E ensinava-me orações que eu, muitas vezes de mãos postas, repetia aplicadamente. Acabei por não me casar com ela.
Não quero dizer, com isto, que não acredite na chamada (creio eu) revelação. Se revelação não existisse, como poderia um poeta do tomo de Paul Claudel entrar um dia em Notre-Dame e sentir-se,
O homem violento expõe-se ao castigo, se tu o poupas, aumentarás o mal dele
O homem violento expõe-se ao castigo, se tu o poupas, aumentarás o mal dele.
Paz aos Mortos
Detestei sempre os arquitectos de infinito:
como é feio fugir quando nos espera a vida!
Nunca tive saudades do futuro
e o passado… o passado vivi-o, que fazer?!
– e não gosto que me ordenem venerá-los
se eu todo não basto a encher este presente.Não tenho remorsos do passado. O que vivi, vivi.
Tenho, talvez, desprezo
por esta débil haste que raramente soube
merecer os dons da vida,
e se ficava hesitante
na hora de passar da imaginação à vida.As pazadas de terra cobrindo o que já fui
sabem mal, às vezes; noutros dias
deliro quando lanço à vala um desses seres tristonhos
que outrora fui, sem querer.
Quem chora, seu mal aumenta.
Se o bem falar é oiro, o mal falar é lodo.
Exaltação Ao Amor
Sofro, bem sei…Mas se preciso for
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrela alcançar…colher a flor…Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco, talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor…com o meu Amor!Nada me impedirá que seja meu,
se é fogo que em meu peito se acendeu,
e lavra, e cresce, e me consome o Ser…Deus o pôs…Ninguém mais há de dispor…
Se esse amor não puder ser meu viver,
há de ser meu para eu morrer de Amor!
Impressões mal Fundamentadas
Sócrates- Quando a cera que está na alma de alguém é não apenas densa, mas abundante e lisa, com a consistência adequada, o que vem através das percepções grava-se neste «coração» da alma. Como Homero lhe chama de modo enigmático, referindo-se à semelhança com a cera. Nesse momento, os sinais tornam-se puros nestas pessoas e têm suficiente densidade para chegarem a ser duradouros. Quantos são desse tipo têm, em primeiro lugar, facilidade em aprender, em segundo, boa memória, e, em terceiro, não desviam os sinais das suas percepções, mas têm opiniões verdadeiras. Com efeito, dado que os sinais são claros e bem espaçados, distribuem-nos rapidamente em cada uma das impressões, às quais sem dúvida se chama coisas que são. E estas pessoas são chamadas sábias. Ou não te parece?
Teeteto- Sem dúvida. A explicação é maravilhosamente convincente.
Sócrates- Ora bem, vejamos o que sucede quando o coração de uma pessoa é hirsuto – coisa que o poeta elogiou, na sua enorme sabedoria – ou, quando a cera está suja e é impura, ou quando é extremamente líquida ou dura: aqueles cuja cera é líquida têm facilidade para aprender, mas tornam-se esquecidos, enquanto, com aqueles cuja cera é dura,
A única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada.
O mal alheio não revolta.
É mais fácil prever o mal, que remediá-lo.
Soneto XXXIII
Nunca se viu tão duro coração
Que sentindo chorar não distilasse
Lágrimas fervorosas, nem mostrasse
Que tinha do que via compaixão.Não espalhou Orfeu seus ais em vão,
Mas antes acabara que chorasse,
E que outro novo pranto levantasse,
Quem nunca se doera de aflição.Como não chorará com larga veia
Meu mal quem mo causou, e pouco o estima,
Pois chorá-lo te vê tão tristemente,Sendo mui natural que mais lastima
Quem chora como sua a pena alheia,
Que quem a pena própria chora, e sente.
Quando um homem não pode atingir a extensão dos seus desejos, pode remediar o mal encurtando-os.
Se Tomar Minha Pena Em Penitência
Se tomar minha pena em penitência
do erro em que caiu o pensamento,
não abranda, mas dobra meu tormento,
a isto, e a mais, obriga a paciência.E se üa cor de morto na aparência,
um espalhar suspiros vãos ao vento,
em vós não faz, Senhora, movimento,
fique meu mal em vossa consciência.E se de qualquer áspera mudança
toda a vontade isenta Amor castiga
(como eu vi bem no mal que me condena);e se em vós não s’entende haver vingança,
será forçado (pois Amor me obriga)
que eu só de vossa culpa pague a pena.
Não me leve a mal; Me leve à toa pela última vez
Em Amor não há Senão Enganos
Suspiros inflamados que cantais
A tristeza com que eu vivi tão cedo;
Eu morro e não vos levo, porque hei medo
Que ao passar do Leteo vos percais.Escritos para sempre já ficais
Onde vos mostrarão todos co’o dedo,
Como exemplo de males; e eu concedo
Que para aviso de outros estejais.Em quem, pois, virdes largas esperanças
De Amor e da Fortuna (cujos danos
Alguns terão por bem-aventuranças),Dizei-lhe que os servistes muitos anos,
E que em Fortuna tudo são mudanças,
E que em Amor não há senão enganos.