Nihil Novum
Na penumbra do pórtico encantado
De bruges, noutras eras, já vivi;
Vi os templos do Egipto com Loti;
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao Bósforo errei, pensando em ti!…
O silêncio dos claustros conheci
Pelos poentes de nácar e brocado…Mordi as rosas brancas de Ispaã
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca bárbara e deserta,Triste, a florir, numa ansiedade vã!
Sempre da vida — o mesmo estranho mal,
E o coração — a mesma chaga aberta!
Passagens sobre Sagrado
208 resultadosPrimeira Comunhão
Grinaldas e véus brancos, véus de neve,
Véus e grinaldas purificadores,
Vão as Flores carnais, as alvas Flores
Do Sentimento delicado e leve.Um luar de pudor, sereno e breve,
De ignotos e de prônubos pudores,
Erra nos pulcros virginais brancores
Por onde o Amor parábolas descreve…Luzes claras e augustas, luzes claras
Douram dos templos as sagradas aras,
Na comunhão das níveas hóstias frias…Quando seios pubentes estremecem,
Silfos de sonhos de volúpia crescem,
Ondulantes, em formas alvadias…
Do Tempo que Fui Livre me Arrependo
O culto divinal se celebrava
No templo donde toda criatura
Louva o Feitor divino, que a feitura
Com seu sagrado sangue restaurava.Amor ali, que o tempo me aguardava
Onde a vontade tinha mais segura,
Com uma rara e angélica figura
A vista da razão me salteava.Eu crendo que o lugar me defendia
De seu livre costume, não sabendo
Que nenhum confiado lhe fugia,Deixei-me cativar; mas hoje vendo,
Senhora, que por vosso me queria,
Do tempo que fui livre me arrependo.
É, desgraçadamente, comum nesta terra vender-se a consciência; mas, eu terei asco de mim mesmo se um dia (estou plenamente seguro que nunca me achanará) calcar as mais sagradas ilusões de meu cérebro para satisfazer as exigências do estômago.
Quem se Interessa pela Cultura?
Afinal, quantas pessoas se interessam pela cultura?, se põem o problema da vida?, do homem?, se põem a interrogação sobre o que nos rodeia? É um erro tocante o imaginar-se que as pessoas cultivadas se interessam pela cultura. A cultura não vem nos livros, nem nos cursos, nem nas salas de conferências, espectáculos, exposições com uísque ou a seco. A cultura é um problema que tem que ver com os nossos cromossomas e tem a dimensão secreta, oculta, privada, íntima, de uma vivência sagrada.
Regina Martyrum
Lírio do Céu, sagrada criatura,
Mãe das crianças e dos pecadores,
Alma divina como a luz e as flores
Das virgens castas a mais casta e pura;Do Azul imenso, d’essa imensa altura
Para onde voam nossas grandes dores,
Desce os teus olhos cheios de fulgores
Sobre os meus olhos cheios de amargura!Na dor sem termo pela negra estrada
Vou caminhando a sós, desatinada,
– Ai! pobre cega sem amparo ou guia! –Sê tu a mão que me conduza ao porto…
Ó doce mãe da luz e do conforto,
Ilumina o terror d’esta agonia!
Marília De Dirceu
Soneto 5
Ao templo do Destino fui levado:
Sobre o altar num cofre se firmava,
Em cujo seio cada qual buscava,
Tremendo, anúncio do futuro estado.Tiro um papel e lio – céu sagrado,
Com quanta causa o coração pulsava!
Este duro decreto escrito estava
Com negra tinta pela mão do fado:“Adore Polidoro a bela Ormia,
sem dela conseguir a recompensa,
nem quebrar-lhe os grilhões a tirania.”Dar mãos Amor mo arranca, e sem detença,
Três vezes o levando à boca impia,
Jurou cumprir à risca a tal sentença.
Um benefício recebido é a mais sagrada das dívidas.
As necessidades de um ser humano são sagradas. Sua satisfação não pode estar subordinada a razões de estado, ou por qualquer consideração de dinheiro, nacionalidade, raça ou cor, ou quanto a moral ou qualquer outro valor atribuído ao ser humano em questão, ou a qualquer outro tipo de consideração.
Ódio Sagrado
Ó meu ódio, meu ódio majestoso,
Meu ódio santo e puro e benfazejo,
Unge-me a fronte com teu grande beijo,
Torna-me humilde e torna-me orgulhoso.Humilde, com os humildes generoso,
Orgulhoso com os seres sem Desejo,
Sem Bondade, sem Fé e sem lampejo
De sol fecundador e carinhoso.Ó meu ódio, meu lábaro bendito,
Da minh’alma agitado no infinito,
Através de outros lábaros sagrados.Ódio são, ódio bom! sê meu escudo
Contra os vilões do Amor, que infamam tudo,
Das sete torres dos mortais Pecados!
Grandes Homens Forjam-se a si Próprios
Para conhecer a realidade do mundo, único fim sério da ciência, é preciso entrar no combate da vida como entravam na liça os paladinos bastardos – sem pai e sem padrinho. Os príncipes não constituem excepção a esta lei geral da formação dos homens. Da educação de gabinete, do bafo enervante dos mestres, dos camareiros e das aias, nunca sairam senão doentes e pedantes.
Na sagração dos czares há uma cerimónia de alta significação simbólica: o imperador não se confirma enquanto por três vezes não haja descido do trono e penetrado sozinho na multidão; e isto quer dizer que na convivência do povo a autoridade e o valor dos monarcas recebe uma tão sagrada unção como a da santa crisma. Todos os reis fortes se fizeram e se educaram a si mesmos nos mais rudes e mais hostis contactos da natureza e da sociedade humana.
Veja vossa alteza Carlos Magno, que só aos quarenta anos é que mandou chamar um mestre para aprender a ler. Veja Pedro o Grande, do qual a educação de câmara começou por fazer um poltrão. Aos quinze anos não se atrevia a atravessar um ribeiro. Reagiu enfim sobre si mesmo pela sua única força pessoal.
O Mundo Do Sertão
(com tema do nosso armorial)
Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.
E se temos de falar de coisas sagradas, só o descontentamento que o homem experimenta de si próprio e a sua vontade de melhorar me são sagradas.
XXV
Não de tigres as testas descarnadas,
Não de hircanos leões a pele dura,
Por sacrifício à tua formosura,
Aqui te deixo, ó Lise, penduradas:Ânsias ardentes, lágrimas cansadas,
Com que meu rosto enfim se desfigura,
São, bela ninfa, a vítima mais pura,
Que as tuas aras guardarão sagradas.Outro as flores, e frutos, que te envia,
Corte nos montes, corte nas florestas;
Que eu rendo as mágoas, que por ti sentia:Mas entre flores, frutos, peles, testas,
Para adornar o altar da tirania,
Que outra vítima queres mais, do que estas ?
Sem Poesia Não Há Humanidade
Sem Poesia não há Humanidade. É ela a mais profunda e a mais etérea manifestação da nossa alma. A intuição poética ou orfaica antecede, como fonte original, o conhecimento euclidiano ou científico. E nos dá o sentido mais perfeito e harmónico da vida. Aperfeiçoando o ser humano, afasta-o do antropóide e aproxima-o dos antropos. Que a mocidade actual, obcecada pela bola e pelo cinema, reduzida quase a uma fotografia peculiar e uma espécie de máquina de fazer pontapés, despreza o seu aperfeiçoamento moral; e, com o seu fato de macaco, prefere regressar à Selva a regressar ao Paraíso. E assim, igualando-se aos bichos, mente ao seu destino, que é ser o coração e a consciência do Universo: o sagrado coração e o santo espírito. Eis o destino do homem, desde que se tornou consciente. E tornou-se consciente, porque tal acontecimento estava contido nas possibilidades da Natureza. Sim, a nossa consciência é a própria Natureza numa autocontemplação maravilhosa. Ou é o próprio Criador numa visão da sua obra, através do homem. E, vendo-a, desejou corrigi-la, transfigurando-se em Redentor.
As saudades que de ti me angustiavam aniquilaram-me o espírito e o corpo. Estou doente; nem o punho pode menear uma pena, que te retrate o que é martírio incomportável no coração do homem, que com lagrimas te escrevera. (…) Se não queres que a morte despedace estes vínculos sagrados, vem como o anjo da vida sentar-te à cabeceira do moribundo.
Honrai as mulheres! Elas semeiam rosas celestiais no curso da nossa vida; formam os laços afortunados do amor, e, sob o véu pudico das graças, nutrem com mão sagrada a flor imortal dos nobres sentimentos.
Ergo Meus Olhos
Ergo meus olhos vagos, na distância
Da sombra do meu Ser…
Pairam de mim além, e a minha Ânsia
Cansa de me viver.Meus olhos espectrais de comoção,
Olhos da alma, olhando-se a si,
Nimbam de luz a longa escuridão
Da vida que vivi.Auréola de Dor, que finaliza
Na noite do abismo do meu nada;
Silêncio, prece, comunhão sagrada,
Sombra de luz que em Ti me diviniza,
Tortura do meu fim,
Alma ungida
E perdida
Na grandeza de Si. E já sem ver-me,
Maceração crepuscular de Mim,
Agonizo de Ser-me.
Nasce Mais uma Vez
Nasce mais uma vez,
Menino Deus!
Não faltes, que me faltas
Neste inverno gelado.
Nasce nu e sagrado
No meu poema,
Se não tens um presépio
Mais agasalhado.
Nasce e fica comigo
Secretamente,
Até que eu, infiel, te denuncie
Aos Herodes do mundo.
Até que eu, incapaz
De me calar,
Devasse os versos e destrua a paz
Que agora sinto, só de te sonhar.
Elevação
Por cima dos paúes, das montanhas agrestes,
Dos rudes alcantis, das nuvens e do mar,
Muito acima do sol, muito acima do ar,
Para além do confim dos páramos celestes,Paira o espírito meu com toda a agilidade,
Como um bom nadador, que na água sente gozo,
As penas a agitar, gazil, voluptuoso,
Através das regiões da etérea imensidade.Eleva o vôo teu longe das montureiras,
Vai-te purificar no éter superior,
E bebe, como um puro e sagrado licor,
A alvinitente luz das límpidas clareiras!Neste bisonho dai’ de mágoas horrorosas,
Em que o fastio e a dor perseguem o mortal,
Feliz de quem puder, numa ascensão ideal,
Atingir as mansões ridentes, luminosas!De quem, pela manhã, andorinha veloz,
Aos domínios do céu o pensamento erguer,
— Que paire sobre a vida, e saiba compreender
A linguagem da flor e das coisas sem voz!Tradução de Delfim Guimarães